Doses maiores

7 de fevereiro de 2020

Na sala de jantar, cadáveres dos campos de concentração

Outro trecho do livro “A Ordem do Dia”, de Eric Vuillard, recém-lançado no Brasil.

Na primavera de 1944, Gustav Krupp jantava em seu luxuoso palácio na Villa Hügel, onde sempre viveu com sua família.

De repente, o velho patriarca da indústria pesada alemã se levantou. Esticou um dedo longo e fino em direção ao fundo da sala, logo atrás do filho e murmurou: "Mas quem são todas essas pessoas?"

O que ele viu, emergindo lentamente das sombras, foram dezenas de milhares de cadáveres, trabalhadores forçados que a SS havia fornecido para suas fábricas. Eles surgiram do nada.

A guerra tinha sido lucrativa para grandes capitalistas como Krupp. E uma das fontes desses lucros era a exploração do trabalho dos prisioneiros de campos de concentração. A Bayer fez uso da mão de obra que os nazistas lhe disponibilizaram em Mauthausen. A BMW fez o mesmo em Dachau, Papenburg, Sachsenhausen, Natzweiler-Struthof e Buchenwald. A Daimler em Schirmeck. A IG Farben em Dora-Mittelbau, Gross-Rosen, Sachsenhausen, Buchenwald, Ravensbrück, Dachau, Mauthausen. Também operou uma fábrica gigantesca em Auschwitz: a IG Auschwitz, cujo nome aparecia no organograma da empresa sem o menor pudor. A Agfa recrutava trabalho escravo em Dachau. A Shell em Neuengamme. A Schneider em Buchenwald. A Telefunken em Gross-Rosen e a Siemens em Buchenwald, Flossenbürg, Neuengamme, Ravensbrück, Sachsenhausen, Gross-Rosen e Auschwitz. Todas fizeram uso dessa mão de obra de custo tão baixo.

Mas essas enormes corporações não são monstros antediluvianos. Não são criaturas que desapareceram nos anos cinquenta. Elas ainda existem. Suas fortunas são imensas.

Por isso, os cadáveres continuam no fundo da sala. E não surgiram do nada.

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