Doses maiores

6 de fevereiro de 2020

Do nirvana ao inferno pelas mãos do grande capital

Abaixo, um episódio descrito no início do livro “A Ordem do Dia”, de Eric Vuillard, recém-lançado no Brasil.

Havia vinte e quatro deles. Gustav Krupp, magnata da indústria pesada, estava lá. Em suas palavras, aquela reunião representa “o nirvana da indústria e das finanças”.

Hermann Goering, presidente do parlamento alemão, entra na sala sorrindo.

As eleições acontecerão em 5 de março. As vinte e quatro esfinges ouvem atentamente. "A próxima campanha eleitoral é decisiva", diz. “Devemos pôr um fim à instabilidade do regime; atividade econômica requer calma e firmeza”.

Os vinte e quatro cavalheiros concordam com a cabeça, religiosamente.

E se o partido nazista obtiver a maioria, acrescenta Goering, essas eleições serão as últimas nos próximos dez anos. Talvez, acrescenta com uma risada, nos próximos cem anos. Um movimento de aprovação cruzou a audiência.

O novo chanceler finalmente entrou na sala. Hitler estava sorrindo, descontraído. Seu discurso durou meia hora:

...era necessário acabar com um regime fraco, remover a ameaça comunista, suprimir os sindicatos e permitir que cada patrão fosse um Führer em sua empresa.

Mas fazer campanha eleitoral exige dinheiro.

Era 20 de fevereiro de 1933. Nessa reunião foi selado um pacto com os nazistas. Para os Krupps, os Opels, os Siemens apenas um episódio bastante comum da vida empresarial. Uma simples e banal arrecadação de fundos.

Entre os presentes, Schnitzler, Witzleben, Schmitt, Finck, Rosterg. Ou melhor, BASF, Bayer, Agfa, Opel, IG Farben, Siemens, Allianz, Telefunken...

Hoje, são nossos automóveis, lavadoras, produtos químicos, seguros, baterias, elevadores, eletrodomésticos...

Diante da ascensão nazista permaneceram “impassíveis, como vinte e quatro máquinas de calcular nos portões do inferno”.

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