Doses maiores

5 de outubro de 2016

Os poderes mágicos do voto

O fetichismo atribui poderes sagrados a certos objetos. Isso vale tanto para o patuá afro-religioso como para o crucifixo cristão. E, segundo Marx, para a mercadoria na sociedade capitalista.

O direito ao voto nas eleições políticas também pode ganhar esse caráter. Mais especificamente, em sua manifestação como sufrágio universal.

Por meio dele a prosperidade geral estaria ao alcance de mulheres e homens adultos e em dia com as leis.

Eis porque muita gente confere tanta dramaticidade a resultados eleitorais à esquerda ou à direita, ou a votos anulados ou invalidados.  

O fetichismo também pressupõe uma inversão. Objetos que são produzidos por mãos humanas passam a dominar a vida de seus criadores.

Por exemplo, direitos e conquistas históricas dos trabalhadores e população em geral seriam resultado da democracia representativa, forma sagrada do sufrágio ecumênico.

Portanto, uma boa medida sobre quão longe chegou uma democracia seria a adoção do sufrágio universal. Em especial, do voto feminino.

Segundo esse critério, no entanto, a grande maioria dos países só chegou à plenitude democrática a partir de meados do século passado.

Um exemplo flagrante é a França. No berço da democracia burguesa, as mulheres puderam votar apenas em 1944. Logo ali, ao lado, suíças e espanholas só conseguiram garantir esse direito nos anos 1970.

E é assim que se revela o fetichismo que cerca o voto. Foram as seculares e sangrentas lutas dos explorados e oprimidos que arrancaram inúmeras conquistas às classes dominantes, incluindo o sufrágio generalizado. Não o contrário.

Desfazer essa inversão é uma das condições iniciais para qualquer pretensão à necessária subversão de uma sociedade profundamente injusta e antidemocrática.

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