No
conto "A Igreja do Diabo", Machado de Assis descreve como o maior inimigo
de Deus resolveu fundar sua própria religião. Para atrair fiéis, a ladainha
diabólica era a seguinte:
Se tu podes vender a tua casa, o teu boi, o teu sapato, o
teu chapéu, coisas que são tuas por uma razão jurídica e legal, mas que, em
todo caso, estão fora de ti, como é que não podes vender a tua opinião, o teu
voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a
tua própria consciência, isto é, tu mesmo?
A
igreja logo alcançou sucesso. Afinal, sua doutrina mostrou-se extremamente
compatível com tempos em que tudo pode encarnar-se na forma mercadoria. E,
talvez, tenha sido ela a inspirar inúmeros outros empreendimentos religiosos que também reconhecem no comércio da fé a importância devida.
O fato
é que tudo ia bem até que...
... notou o Diabo que muitos dos seus fiéis, às
escondidas, praticavam as antigas virtudes. Não as praticavam todas, nem
integralmente, mas algumas, por partes, e, como digo, às ocultas. Certos
glutões recolhiam-se a comer frugalmente três ou quatro vezes por ano,
justamente em dias de preceito católico; muitos avaros davam esmolas, à noite,
ou nas ruas mal povoadas; vários dilapidadores do erário restituíam-lhe pequenas
quantias...
Deus,
procurado pela perversa e desconsolada criatura, assim respondeu:
Que queres tu, meu pobre Diabo? (...) Que queres tu? É a
eterna contradição humana.
E o que
esperamos nós, crentes ou não? Seguidores de divindades imaculadas ou sujas? Apenas
que a eterna contradição humana continue a salvar nossas almas.
Bom, muito bom resgate do conto e da defesa da contradição humana. É o que nos mantem minimamente otimistas.
ResponderExcluirObrigado, mas os agradecimentos devem ir mesmo para o grande Machado.
ExcluirAbraço