Doses maiores

3 de dezembro de 2019

Cibernética, reengenharia humana e Gramsci

De volta ao livro “Cyber-Proletariat”, de Nick Dyer-Witheford.

O que a Ford fez com a automação industrial, a Telefônica Bell fez com a comunicação. A primeira divorciou o trabalho manual dos corpos humanos. A segunda criou um sinal separado da fala e da escrita humanas e o submeteu ao controle tecnológico.

É aí que entra o conceito de ciclo cibernético de retroalimentação destacado por Dyer-Witheford. Essa inovação possibilitou às máquinas desenvolver qualidades consideradas específicas do trabalho vivo: flexibilidade, adaptabilidade, aprendizado e autoconsciência.

A combinação de todos esses elementos permitiria ao Pentágono conceber as primeiras redes digitais, tratando a informação como uma sequência inteiramente quantificável e, portanto, processável por máquinas.

Pessoas são barulhentas e dispersivas, mas utilizam muitos canais paralelos e simultaneamente ativos. Computadores são muito rápidos e precisos, mas só conseguem executar uma ou algumas operações elementares por vez.

A indústria passou a buscar a combinação entre a velocidade do processamento das máquinas e a capacidade humana de definir estratégias. Seu objetivo maior era livrar-se desta última.

Os trabalhadores estadunidenses resistiram ao ritmo acelerado de automação produtiva até o final dos anos 1970, quando surgiu a pesada concorrência japonesa.

Mas o segredo era o toyotismo, que priorizava a “reengenharia humana”. Foi ela que precedeu e acompanhou a introdução das máquinas cibernéticas, no Japão. O verdadeiro pressuposto era uma transformação na consciência humana.

Se a indústria automotiva japonesa superou a dos Estados Unidos, não foi porque ela tinha robôs melhores, mas porque seus trabalhadores foram condicionados a melhor utilizá-los.

No final das contas, Gramsci é quem tinha razão: é sempre de disputa de hegemonia que se trata.

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