Doses maiores

4 de dezembro de 2019

As vinhas da ira no Vale do Silício

Os vales frutíferos da Califórnia serviram de cenário para “Vinhas da Ira”. Este belo livro de John Steinbeck relata a revolta dos trabalhadores dos pomares contra sua super-exploração, nos anos 1930.

Nos anos 1970, nesse mesmo cenário, começava a surgir o Vale do Silício. Em 1971, a Intel lançou o primeiro “microprocessador”. Trinta anos depois, a empresa valia mais que as três grandes montadoras de Detroit juntas.

Escritórios charmosos, cheios de jovens talentosos, contrastavam com as pesadas estruturas executivas da indústria tradicional. Mas ali também o capital gerencia a produção de softwares pelos métodos taylorista, fordista e toyotista.

Surgiu o "proletariado da programação", cuja capacidade de definir, modificar, criar e contestar o determinismo tecnológico é expropriada deles para ser investido nas grandes estruturas que os empregam.

O trabalho desse novo "proletariado ", no entanto, tem por base uma exploração muito pior. Nas fábricas de eletrônicos, tarefas exaustivas e mal pagas são executadas por minorias étnicas e mulheres. Nos escritórios refrigerados, predominam os homens brancos.

Terceirizados e quarteirizados, trabalhadores são contratados e despejados a qualquer momento. Mesmo entre os funcionários administrativos, quem ousa contestar é demitido e colocado numa lista suja.

O trabalho doméstico encomendado pelas poderosas do Vale paga tão pouco que acaba abrangendo famílias inteiras, incluindo idosos e crianças.

A fabricação de semicondutores envolve resíduos tóxicos. Mas o uso obrigatório de roupas protetoras é para impedir que os produtos sejam contaminados pelos trabalhadores, não o contrário.

O relato acima se baseia no livro “Cyber-Proletariat”, de Nick Dyer-Witheford. Mostra que nada mudou muito no Vale do Silício. Se restaram poucas vinhas, sobram motivos para muita ira.

Leia também: Cibernética, reengenharia humana e Gramsci

2 comentários:

  1. É Sergio, como sabe sou produto do "proletariado da programação", que já foi no surgimento uma "elite" e hoje é um proletariado sem consciência de ser.
    Não li o livro, aliás nem sabia que o magnífico filme de John Ford foi adaptação do livro citado.

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    1. Seu (nosso?) consolo é que consciência proletária é o característica cada vez mais rara entre os trabalhadores. Eu li o livro antes de ver o filme. Os dois muito bons!

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