Doses maiores

15 de julho de 2015

A crise grega e o guarda-livros de Auschwitz

O ex-ministro grego, Yanis Varoufakis, ficou famoso por enfrentar os negociadores do chamado Eurogrupo, que reúne ministros da área econômica da União Europeia.

Segundo o representante grego, os membros desse grupo se recusavam completamente a discutir seus argumentos econômicos, limitando-se a receber suas propostas com “olhares vazios”.

O verdadeiro chefe deste colegiado implacável é o representante da Alemanha, Wolfgang Schäuble. Foi ele que disse, por exemplo, que não mudaria suas posições “por causa de uma eleição”, referindo-se ao plebiscito grego que disse “não” às propostas que ele representava.

Durante as negociações, Varoufakis disse ao Eurogrupo que a derrota do governo grego “beneficiaria a extrema direita”. Uma próxima rodada de negociações poderia ser feita com um governo liderado pelo “Aurora Dourada”, partido fascista da Grécia.

Ninguém deu a mínima, Varoufakis demitiu-se, saiu das negociações, e o governo grego acabou aceitando uma proposta ainda pior do que a que seu povo recusou nas urnas.

Curiosamente, dois dias depois, um tribunal alemão condenou um antigo oficial nazista a quatro anos de cadeia. Oskar Groening era uma espécie de guarda-livros de Auschwitz. Sua função era contar o dinheiro tirado dos prisioneiros e enviá-lo para seus chefes nazistas, em Berlim.

Em sua defesa, Groening declarou apenas cumprir ordens. Talvez, Schäuble não seja nazista, mas tal como fazia o guarda-livros de Auschwitz, apenas obedece a ordens que jogam milhões na miséria e garantem o fluxo de moedas exigido por seus chefes, em Berlim.

O trágico nesta comparação é que sobrou para o primeiro-ministro grego, Alex Tsipras, o papel de “kapo”, nome dado aos guardas judeus dos campos de concentração.

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2 comentários:

  1. Sergio, o que parecia um alento, e uma prova de dignidade, acabou se transformando nesta esparrela. Até agora não entendi a posição do Tsipras: primeiro, dizendo que renunciaria se o referendo apontasse o Sim à proposta do Eurogrupo; depois, aceitando uma pior. Primeiro, digna, pois um governo que se propôs a um programa não pode o abandonar. Depois a capitulação. Tenho só visto os noticiários e lido uma coisa ou outra na internete. Consegue entender? Bjs perplexos.

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    1. Marião, havia umas teorias que diziam que o Tsipras se cacifou com o “não” do referendo para dizer um “sim” ao Eurogrupo com condições muito melhores. Não foi o que aconteceu. Outras achavam que uma recusa do parlamento grego poderia dar-lhe legitimidade para romper com o Euro. O parlamento não recusou a proposta, com Tsipras movendo mundos e fundos pra isso acontecer e grande parte de seu próprio partido votando contra. E há quem diga pura e simplesmente que trata-se de realismo político: “não tem correlação de forças, não tem revolução no horizonte, seria irresponsabilidade blá, blá...”. Estes aí costumam ser os mesmos que justificam os recuos dos petistas no governo. Mas não consigo ver a posição do Tsipras se não como uma capitulação. Ao mesmo tempo, outra prova de que chegada ao nível institucional a esquerda cai em suas tramas e não consegue se livrar.

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