Em
um trecho marcante, Fon conta que não conseguia entender por que não ouviu os
gritos de outro companheiro submetido à tortura, apesar de estarem separados
por uma divisória de madeira. A explicação partiu de Darci Miyaki, outra vítima
da covardia dos quartéis. Segundo ela, “a gente não ouve os gritos das outras
pessoas enquanto nós mesmos estamos gritando”.
Quem
está tomado por dores terríveis, realmente não pode cuidar da dor de mais
ninguém. Foi desse modo covarde que os carrascos a serviço dos governos
militares dobraram homens e mulheres que combatiam heroicamente sua tirania.
Mas
vivemos num tempo em que mesmo os ouvidos mais saudáveis e livres de incômodos
estão insensíveis à agonia alheia. Os gritos ficam suspensos no ar porque há
poucos capazes de ouvir seu apelo.
Estamos
falando do sofrimento de milhares de comunidades rurais e urbanas ameaçadas por
obras grandiosas e caras. Ou daqueles que são recolhidos a laço pelas
“autoridades sanitárias”. Ou ainda das vítimas de racismo, machismo, homofobia,
exploração infantil e das milícias que exterminam pobres...
O
pior é ver que tal insensibilidade acometeu exatamente algumas das vítimas dos
paus-de-arara. No passado, elas sobreviveram heroicamente aos próprios urros de
dor. Hoje, estão encerradas nos gabinetes do poder. Ficaram surdas aos gritos
de desespero que vêm dos de baixo.
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