Doses maiores

1 de fevereiro de 2013

A surdez de quem esqueceu os próprios gritos

Antônio Carlos Fon escreveu o emocionado e tocante artigo “Morri um pouco hoje”. O texto deve ser lido por todos os que lutam pela liberdade humana. Nele, o jornalista relata a visita que fez recentemente ao 36º Distrito Policial, onde sofreu torturas durante a ditadura militar.

Em um trecho marcante, Fon conta que não conseguia entender por que não ouviu os gritos de outro companheiro submetido à tortura, apesar de estarem separados por uma divisória de madeira. A explicação partiu de Darci Miyaki, outra vítima da covardia dos quartéis. Segundo ela, “a gente não ouve os gritos das outras pessoas enquanto nós mesmos estamos gritando”.

Quem está tomado por dores terríveis, realmente não pode cuidar da dor de mais ninguém. Foi desse modo covarde que os carrascos a serviço dos governos militares dobraram homens e mulheres que combatiam heroicamente sua tirania.

Mas vivemos num tempo em que mesmo os ouvidos mais saudáveis e livres de incômodos estão insensíveis à agonia alheia. Os gritos ficam suspensos no ar porque há poucos capazes de ouvir seu apelo.

Estamos falando do sofrimento de milhares de comunidades rurais e urbanas ameaçadas por obras grandiosas e caras. Ou daqueles que são recolhidos a laço pelas “autoridades sanitárias”. Ou ainda das vítimas de racismo, machismo, homofobia, exploração infantil e das milícias que exterminam pobres...

O pior é ver que tal insensibilidade acometeu exatamente algumas das vítimas dos paus-de-arara. No passado, elas sobreviveram heroicamente aos próprios urros de dor. Hoje, estão encerradas nos gabinetes do poder. Ficaram surdas aos gritos de desespero que vêm dos de baixo.

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