Doses maiores

10 de maio de 2018

A origem da propriedade privada e dos ângulos retos

Em 08/05/2018, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel publicou artigo na Folha sobre recentes estudos neurológicos relacionados a linhas e ângulos retos. Segundo ela, essas formas tão típicas das grandes cidades deixam o cérebro tenso, ao contrário do que ocorre com os contornos arredondados da natureza.

A hipótese lembra um trecho do livro “The Patterning Instinct”, de Jeremy Lent, ainda sem tradução. Ele afirma que o surgimento da agricultura introduziu os ângulos retos na história humana.

Quadrados e retângulos teriam ganhado importância com a demarcação das linhas divisórias separando não apenas as terras cultivadas das não cultivadas, mas também as propriedades de cada agricultor.

Foi também o cultivo que tornou a riqueza um valor essencial, e aqueles privados dela passaram a ser vistos como inúteis. A hierarquia ganha uma “nova ênfase”.

Nas culturas dos caçadores-coletores, as relações familiares eram mais fluidas e não estruturadas. Na sociedade agrária, surge a herança. Com ela, a ideia de honra ligada à virgindade e à fidelidade sexual. Aparece o patriarcado e as mulheres começaram a ser consideradas bens ou mercadorias.

Pausa para uma observação que não está na obra de Lent. A redação original do Nono Mandamento era: “Não cobiçarás a mulher de teu próximo, nem sua casa, servos, boi, jumento, nem coisa alguma que a ele pertença”.

Boa parte do que Lent afirma já estava em “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, que Engels publicou em 1884. É a velha história da propriedade privada chegando e estragando tudo. Não à toa, nos anos 1960, os conservadores eram chamados de “quadrados”.

4 comentários:

  1. Como sempre, Sérgio, suas matérias me fazem pensar... Como é bom pensar neurociência desse ponto de vista. A lógica histórico-dialética (como forma do pensamento, não conteúdo específico) nos leva a visadas cada vez mais amplas (obviamente, com as mediações necessárias - que você, aliás, trabalha muito bem). As conexões entre neurociências e psicanálise (Izquierdo, Graeff, Roberto Lent...) estão aí; estão aí as curvas do 'nascimento psíquico' que, hoje, a psicanálise do sensível trabalha de forma mui interessante (de Winnicott a Ivanise Fontes). Freud e Marx se encontram de forma especial em Reich, parece-me que você se interessa por esse caminho. Ah, Roberto Lent tem uma matéria interessantíssima sobre materialismo histórico-dialético. Gostaria de poder conversar mais contigo ('presencialmente', é claro rs). Abração!

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  2. Obrigado, Alexandre. Seus comentários são muito instigantes. Vou ver se acho a matéria do Lent. Também gostaria muito de conversar com você, mas imagino que seja bem difícil. Até ano passado, eu morava no Rio. Agora, estou em Belém do Pará. Mas, quem sabe...

    Abração!

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  3. O título da matéria é "Neurônios e materialismo dialético". Eis o link: http://www.cienciahoje.org.br/noticia/v/ler/id/4391/n/neuronios_e_materialismo_dialetico/Post_page/5.
    Aha, talvez menos difícil: tenho conexões e raízes em Belém e em Ananindeua... O preço da passagem é que está pela hora da morte rs.

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  4. Sérgio, escrevo eventualmente num blogzinho [diante do volume e da qualidade da tua produção tenho até vergonha de chamar de blog...] . O endereço é http://humanassaudesociedade.blogspot.com.br/
    Se puder, um dia apareça. É um espaço pouco visitado [confesso que eu também não divulgo, somente entre amigos e alguns companheiros].

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