Doses maiores

22 de junho de 2020

“Bacurau”: porque é preciso tirar nossas armas do museu

Uma cena de “Bacurau” foi muito lembrada quando a quarentena começou. É o momento em que o prefeito visita o vilarejo e a população, revoltada com suas pilantragens, tranca-se em casa, deixando as ruas desertas.

O filme foi lançado em 2019, antes da pandemia. Mas esse é apenas um de seus momentos que tem ares proféticos. Em outra cena, vários caixões funerários aparecem espalhados em uma estrada após o caminhão que os transportava ter tombado.

A presença na trama de caçadores estrangeiros que se divertem matando a gente pobre do sertão também parecia alertar para o que estava para acontecer no País. E não era a pandemia, claro. Era a chegada ao poder de defensores da morte como política de governo.

A produção de Bacurau teve início muito antes de que a eleição de Bolsonaro se mostrasse possível. Mas a onda ultraconservadora que tomava conta do país já era bastante visível. Atentos a esse momento, os realizadores do filme deram seu recado. A reação dos moradores do vilarejo teve a radicalidade necessária. Foi proporcional ao extremismo daqueles que os atacavam.

Para se defender, o povo de Bacurau lembrou-se de sua história de luta. Resgatou suas antigas armas, esquecidas no museu da cidade. No triste Brasil real em que vivemos, muitas das forças populares também abandonaram seus arsenais. Passaram a confiar em governos, parlamentos e tribunais para garantir-lhes justiça. Mas jamais saíram da linha de tiro.

Dos quilombos aos assentamentos. De Canudos às greves gerais. Da resistência anticolonial às ocupações urbanas. Enquanto a injustiça e a morte governarem, o lugar de nossas armas nunca será em museus.

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