Doses maiores

5 de setembro de 2018

O deserto no lugar do Museu















O antropólogo Viveiros de Castro é conhecido e respeitado mundialmente. Professor do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele falou sobre o incêndio que destruiu a instituição ao site Público. Abaixo, alguns trechos:

A minha vontade, com a raiva que todos estamos sentindo, é deixar aquela ruína como “memento mori”, como memória dos mortos, das coisas mortas, dos povos mortos, dos arquivos mortos, destruídos nesse incêndio.

Eu não construiria nada naquele lugar. E, sobretudo, não tentaria esconder, apagar esse evento, fingindo que nada aconteceu e tentando colocar ali um prédio moderno, um museu digital, um museu da Internet...

Tenho muito medo que se tente vender o canto de sereia da privatização dos museus, retirá-lo da universidade, transformá-lo numa fundação privada.

...não vai haver reflexão nenhuma, até porque o país está mergulhado numa crise política, moral, cultural e económica gigantesca. Vai haver gritaria durante algum tempo, choro, ranger de dentes, e em seguida vai-se voltar ao que sempre foi, planos para o futuro que não se concretizam, verbas que se prometem e não se entregam.

...a ideia de que o povo despreza a cultura não é verdadeira. Quem despreza a cultura é a burguesia, o agronegócio, os deputados ruralistas, os que estão interessados em devastar o país para produzir soja para vender para a China.

O Brasil é um país onde governar é criar desertos. Desertos naturais, no espaço, com a devastação do cerrado, da Amazónia. Destrói-se a natureza e agora está-se destruindo a cultura, criando-se desertos no tempo.

E produzem esses desertos sem nem se dar ao trabalho de nos enganar com miragens.

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4 comentários:

  1. "E produzem esses desertos sem nem se dar ao trabalho de nos enganar com miragens". A que ponto chegamos, meu caro. Em breve, nos dispensarão até mesmo do marketing. Despojamento total do humano reificado. Do museu ao agronegócio - ou ao contrário - sem mediações. Ou "da lama ao caos, do caos à lama, o homem roubado nunca se engana", diriam Chico Science e Nação Zumbi. Duríssimo o texto de Viveiros de Castro.

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    1. Realmente, camarada. Como em Matrix, é "o deserto do real".
      Abraço!

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  2. Texto duríssimo, realmente. Duramente verdadeiro, pungente, necessário, em cada linha, em cada frase. Que se concretizou após quando da minha última visita ao museu em 2012, ao ver fios remendados pendurados, infiltrações por todo lado, pedaços de gesso faltando nas sancas e luminárias e outras bizarrices.
    Ao contrário do que se pensa, a crise cultural do povo não está nas representações artísticas atuais como muitos pensam, mas na indiferença dos que estão "em cima", que pelo seu egoísmo só se ocupam de seus interesses, mesmo como "representantes" eleitos.
    O acontecido ao Museu Nacional, que se arrisca a repetir em outros museus Brasil afora, é só a gota d'água da realidade desértica em que o Brasil se insere.

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