Doses maiores

13 de setembro de 2018

Quando no estado de direito, há mais estado que direito

Giovanni Arceno é um jovem escritor e mantém o blog Leia Brasileiros. Por meio dele, distribui diariamente, via e-mail, ótimos trechos de literatura nacional, da mais antiga à recentíssima.

Abaixo uma amostra que tem tudo a ver com os difíceis tempos em que vivemos:

Os homens não bateram, porque há muito naquela cidade, ou país, a polícia não precisava bater para entrar. Não traziam mandados judiciais, há muito os mandados tinham perdido a razão de ser. Não havia um estado de direito. Havia o estado, não o direito.

Os homens entraram, atravessaram a sala onde a família jantava, até então tranquilamente.

– Inspeção de rotina, comunicou o chefe dos homens que tinham entrado.

– Fiquem à vontade, disse o dono da casa, voltando para terminar a sopa, indiferente à súbita invasão. A indiferença significava apenas impotência.

Os homens vasculharam a sala, os quartos, o banheiro, o quarto das crianças, a cozinha, a área de serviço e o quarto da empregada. Quarto? Aqueles cubículos, senzalas que as imobiliárias fazem.

Voltaram da cozinha com uma cadeira branca de fórmica.

– Vamos levar esta cadeira. Amanhã o senhor apareça para prestar depoimento.

O trecho é do conto “Os homens que descobriram cadeiras proibidas”, do livro “Cadeiras Proibidas”, de Ignácio de Loyola Brandão. É de 1976 e diz respeito ao período da ditadura militar, claro. Mas há algum tempo que, em nosso estado de direito, voltamos a nos deparar cada vez mais com o estado do que com o direito.

Como se vê, é altamente recomendável ir lá no blog do Arceno para se inscrever.

Um comentário:

  1. Muito interessante o trecho citado. Convivi muito com esse realismo fantástico que, como diria Gabriel Garcia Marques, era só realismo; talvez complementar como talvez terrível. Foi recusada minha conexão com o site "Leia Brasileiros". Cadê o meme de cara triste para colocar aqui?

    ResponderExcluir