Doses maiores

6 de julho de 2018

O futebol é sua própria metáfora

No livro “Anatomia de uma derrota”, Paulo Perdigão faz uma detalhada descrição da vitória do Uruguai sobre o Brasil no final da Copa de 1950, no Maracanã. Até 2014, a maior tragédia do futebol brasileiro.

Mas um trecho da obra destaca a partida Brasil e Espanha, em que, na condição de locutor, Ary Barroso descreveu o elenco brasileiro do seguinte modo:

A música é lenta e suave. Danilo está com a pelota. Ligeira variação. Passa a Bigode, e a melodia vai num crescendo violento. A técnica de Danilo lembra Chopin, manso, doce, inspirado. Bigode é a selvagem poesia nacional de Villa-Lobos. Jair é Wagner, poderoso e dramático. Quando a bola está com Zizinho, é Mozart tecendo filigranas, mas, se entrega a Ademir... Beethoven? Não, nem Liszt, Strauss, Tchaikovsky ou Verdi. O futebol de Ademir é a música da terra, de ritmo marcante e beleza inconfundível. Que faz Ademir a caminho do arco, senão passes do mais puro samba, da mais brasileira das capoeiras, e, se dribla, é maxixe autêntico, é jongo, é o frevo de sua terra pernambucana. Um estrangeiro disse que o selecionado do Brasil é uma orquestra sinfônica afinada. Acrescente-se que, sob a batuta de Ademir, é uma orquestra tocando em ritmo de samba.

O jogo terminou 6 a 1 para o Brasil. Antes, já havíamos batido a Suécia por 7 a 1. Ou seja, quando chegamos ao último jogo, ninguém esperava que nossa orquestra acabasse dançando ao ritmo de um tango uruguaio misturado com candombe.

Portanto, melhor evitar metáforas musicais ou quaisquer outras. Afinal, o futebol já é, ele próprio, uma poderosa metáfora.

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2 comentários:

  1. Bonito. Me encanta a poesia do futebol e o futebol da poesia. Pena que nessa copa estou vendo mais marcha militar.

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