Doses maiores

30 de agosto de 2018

A esquerda, entre o bar e a igreja

Em 1923, Leon Trotsky escreveu vários artigos, reunidos sob o título “Problemas da vida cotidiana”.

Entre as maiores preocupações do texto está a atração exercida pelos bares e igrejas junto aos trabalhadores. Com o estabelecimento das oito horas de jornada máxima, boa parte das horas restantes eram ocupadas pelo álcool e pela fé.

A bebida preocupava pelas consequências de seu consumo exagerado para a saúde. A devoção, devido ao monopólio exercido pela reacionária Igreja Ortodoxa.

A solução? “O cinema é um ótimo concorrente não só da taverna, mas também da igreja”, diz ele. Afinal:

O elemento de distração, de entretenimento, de passatempo, desempenha um papel enorme na cerimônia religiosa. Através da encenação, a igreja age sobre os sentidos: visão, audição, olfato (incenso). E sobre a imaginação. O gosto dos homens pelo teatral (...) é muito forte, indestrutível e insaciável desde a infância à idade avançada.

Mas, continua Trotsky, “na igreja, a mesma ‘encenação’ se repete a cada ano, enquanto que no cinema as pessoas podem ver, no mesmo dia e, ao mesmo tempo, tanto festas pagãs como rituais judaicos ou cristãos”.

Por isso, ele propunha a criação de uma rede de cinemas estatais que exibiria produções socialistas e libertárias.

Infelizmente, a contrarrevolução stalinista enterraria essa proposta, patrocinando produções cinematográficas conservadoras, cheias de apologia ao partido, ao grande líder, à pátria, à família.

Mas o importante aqui é notar como Trotsky se preocupava com a dimensão lúdica e estética da vida cotidiana dos trabalhadores.

Nesse aspecto, grande parte da nossa esquerda pouco avançou. Não sai do bar e despreza a fé popular sem oferecer alternativas.

4 comentários:

  1. Sabia que ia comentar, né? Por essas e outras que nunca fui trotskista... rsss. Acho preocupante a bebida quando causa o torpor absoluto, quando impede até a continuidade da razão na vida cotidiana. Mas para por aí. Fico um pouco preocupado quando começa a se combater o álcool e outras drogas a pretexto do seu comprometimento para a construção de uma nova sociedade. Paira uma atitude moralista, e por que não, religiosa. A preocupação central que os revolucionários devem ter com a saúde, é a falta absoluta de cuidado com ela no capitalismo. Acho até que podemos e devemos educar os trabalhadores com os cuidados que devam ter com sua saúde, mas para aí. Os revolucionários se embrenharam em querer resolver questões da vida cotidiana. Mais ou menos o que cita de Trotsky em relação à religião, Brecht tinha em relação às lutas de boxes: a representação, a teatralidade etc. E procurou trazer para o teatro, o que entendi Trotsky gostaria de desviar para o cinema. Não vi no capitalismo puro, ou no de estado, nenhum resultado prático disso. E não acho que foi um problema de Stalin, ou da não revolução alemã. Assim como não dá para acabar por decreto, mesmo em uma sociedade socialista, por exemplo, o trabalho manual do intelectual, penso que não dê para criar uma contraposição de um cotidiano consciente a um alienado. Essa mudança é um processo, que se vier será longo, e até arrisco dizer, tenebroso. Caso contrário, se fica entre o dogmatismo de direita de Stalin, ou o de esquerda de Trotsky.

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    1. Sim, sabia que você ia se coçar. Mas não vejo divergência entre o que você falou e as preocupações do Trotsky. Nesses textos, inclusive, ele diz que não dá pra determinar o que o trabalhador vai fazer nas oito horas livres dele. Só não dá pra assistir se afundarem na vodka ou tornarem-se devotos de uma igreja reacionária. Por isso mesmo propõe o cinema e não um decreto proibindo bebida e cultos. Enfim, acho que o registro aí é o da luta contra-hegemônica.
      Beijos

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  2. Sérgio, realmente seria uma excelente alternativa e uma forma educacional libertária! Mas é um projeto que um dia poderá vigorar numa outra e possível sociedade! Porém antes disso é uma alternativa que os revolucionários já podem executar em seus coletivos. É uma boa ação pedagógica e revolucionária! Viva Trotsky

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    1. Oi Sandra. Sim, claro. O problema é que estamos sempre atrasados. Agora, temos essas novas tecnologias virtuais que provocam ainda mais alienação. Mas vamos que vamos. Beijos

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