Doses maiores

15 de março de 2021

A violência racista não poupa nem autoridades

“Por que cada escravo brasileiro, nos confins das fazendas ou na solidão dos lares urbanos, não matou seu senhor em um momento de descuido?”, pergunta Juremir Machado da Silva em seu livro “Raízes do conservadorismo brasileiro”. Ele levanta possíveis respostas e hipóteses:

Por medo? Por instinto de sobrevivência? Por falta de uma cultura do atentado/suicídio? Pela força disseminada da repressão? Por ideologia introjetada? Por amor à vida? Por conformismo?

(...)

Os escravos viviam sob vigilância permanente. Revoltaram-se, fugiram, suicidaram-se ou abortaram seus filhos. Mataram seus senhores. Acima de tudo, porém, predominou uma aura vitalista. Não chegaram a ver no assassinato individual de seus proprietários uma estratégia revolucionária coletiva. Embora tudo os autorizasse a atentar contra a vida de seus algozes, foram, de modo geral, mais generosos, humanistas e civilizados do que seus selvagens senhores, raptores, torturadores e, muitas vezes, assassinos...

Em contraste, Silva destaca uma notícia publicada em 18 de fevereiro de 1888, na Revista Illustrada. Trata-se do assassinato do delegado de polícia Joaquim Firmino de Araújo Cunha, em Penha do Peixe, São Paulo.

O delegado teve sua casa invadida por “200 ou 300 sicários”, que o assassinaram “com uma crueldade e uma covardia como não há memória”. Abatido pelas pancadas, um dos bandidos “quebra-lhe o pescoço, volta-lhe a cabeça para as costas” e pergunta aos comparsas: "Já viram um homem nesta posição? É medonho!". 

Seriam escravos revoltados? Não, eram jagunços de fazendeiros castigando o delegado por ter se recusado a perseguir cativos fugidos.

Qualquer semelhança com ataques mais recentes a autoridades que ousaram se rebelar contra a política racista oficial não é coincidência.

Leia também: Dragões e caifazes na luta contra o trabalho escravo

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