Doses maiores

3 de março de 2021

Abolição: para jornais, ex-escravos eram vadios em potencial

“Um furacão varreu o Brasil entre 8 e 13 de maio de 1888”, diz Juremir Machado da Silva no livro “Raízes do conservadorismo brasileiro”.

A imprensa brasileira estava eufórica. Ele cita o Diário de Notícias, edição do dia 14/05/1888:

Quem dissera há três meses que seria um fato antes do fim do século o sucesso glorioso que todos festejamos?! No entanto, o fato realizou-se rápida e incruentamente! Não há mais escravos no Brasil!

Enquanto isso, O Paíz comemorava: “Fizemos sem derramar uma gota de sangue uma revolução que a outros países custou todos os horrores de uma guerra fratricida”.

Mas a “festa ainda estava nas ruas e já o Diário do Maranhão cobrava”:

Centenas de indivíduos sem ofício, e que terão horror ao trabalho, entregando-se por isso a toda sorte de vícios, precisam ficar sob um rigoroso regime policial para assim poderem ser mais tarde aproveitados, criando-se colônias, para as quais vigore uma lei, como a que foi adotada na França, recolhendo a estabelecimentos especiais os vagabundos, sujeitando-os à aprendizagem de um ofício, ou da agronomia, para que mais tarde o país utilize bons e úteis cidadãos. Assim se praticou nos Estados Unidos depois da emancipação.”

E propunha:

...legislação para o trabalho agrícola; aumento das polícias nas províncias; escolas e núcleos agrícolas nas comarcas; leis coercitivas do vício e da ociosidade; tribunais correcionais com processos sumários...

“Desde o primeiro dia do fim da escravidão, o negro liberto seria visto como vagabundo e bêbado em potencial”, conclui Silva.

Essa era a verdadeira linha editorial da imprensa da época. Não muito diferente do que acontece nos jornais atuais.

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