Doses maiores

28 de março de 2018

A revolução bolchevique, segundo a receita conservadora

O debate sobre a Revolução Russa está longe de chegar a amplos consensos. Mas há obras historiográficas que conquistaram grande aceitação. É o caso dos estudos de Alexander Rabinowitch.

Pesquisador das universidades de Columbia, Princeton e Stanford, não pairam sobre Rabinowitch suspeitas de esquerdismo. Mas suas conclusões levam a uma interpretação radicalmente democrática dos acontecimentos de 1917. Em especial, em relação à vanguarda bolchevique.

É o que mostra, por exemplo, um trecho retirado do artigo “Comoos Bolcheviques venceram”, publicado no Blog Junho:

A diferença mais fundamental entre mim e muitos historiadores da “Revolução de Outubro” é que, na minha opinião, a capacidade do partido em acomodar opiniões teóricas divergentes com um grau significativo de iniciativa e independência tática por parte de agências subordinadas nominais, bem como a estrutura descentralizada do partido e sua capacidade de resposta ao humor popular predominante, explicam tanto o sucesso do partido (se não ainda mais), do que a disciplina revolucionária, a unidade organizacional e a obediência a Lenin. Pois é evidente que as táticas bem-sucedidas dos Bolcheviques de Petrogrado, no outono de 1917, emergiram de um intercâmbio contínuo de ideias sobre o desenvolvimento da revolução e uma constante interação entre os membros do partido em todos os níveis com trabalhadores das fábricas, os soldados e os marinheiros.

Claro que conclusões como essa desagradam as forças conservadoras, que procuram mostrar a revolução bolchevique como obra de uma minoria arrogante e autoritária, controlando um partido fortemente hierarquizado. Receita adequada para tudo, menos para uma revolução social.

Mas nosso maior problema é que grande parte da esquerda tenta seguir receita semelhante.

Leia também: Os terríveis erros de Stálin no combate ao nazismo

27 de março de 2018

Marielle e a falsidade mais oportunista

O Facebook parece estar passando por uma crise séria. À frente da crise, acusações de que agentes do governo russo teriam usado a plataforma para espalhar mensagens falsas que teriam influenciado as últimas eleições presidenciais estadunidenses. As chamadas “fake news”.

Mas por trás dessa confusão, parece haver muito mais. Há algum tempo, gigantes da grande mídia vêm reclamando do comportamento de gigantes das redes, como Facebook e Google. Eles não só vêm atraindo muito mais anunciantes, como compartilham conteúdo dos grandes veículos de comunicação sem pagar por ele.

O pretexto é combater a indústria de “likes”, cuja lógica despreza o quanto de veracidade há numa informação. Vale apenas o quão rápida e amplamente ela circula. O que importa é seu valor de troca. Seu valor de uso, enquanto verdade, torna-se só mais um detalhe.

Mas tudo isso é só a radicalização de uma tendência mais antiga. No capitalismo, o valor de troca acaba por dominar o valor de uso em todos os campos da vida humana. Desse modo, aqueles jornais “populares” que, torcidos, despejam sangue são apenas uma versão menos sofisticada da “respeitável” imprensa empresarial.

Que isso tenha ficado tão evidente nas redes virtuais permitiu abrir uma brecha que a grande mídia pretende aproveitar para recuperar o mercado que seus rivais lhe tomaram.

Nos Brasil, ocorre algo parecido. De repente, a grande imprensa tornou-se campeã do combate às fake news. Mas, aqui, o oportunismo envolve a execução de uma liderança que era mulher, socialista, preta e homossexual. Representa tudo a que se opõem esses pretensos defensores de sua memória.

A falsidade nunca foi tão verdadeiramente imoral.

Leia também: A economia política da “pós-verdade”

26 de março de 2018

Marx era um profeta, não um adivinho

Diego Rivera
“Marx Estava Certo” é um livro do marxista britânico Terry Eagleton, publicado originalmente em 2011.

Apesar do título, o autor diz que pretende “apresentar as ideias de Marx não como perfeitas, mas como plausíveis”. Para demonstrar isso, ele tenta refutar, uma a uma, “dez das críticas mais frequentes a Marx”.

Ao mesmo tempo, pretende “fornecer uma introdução clara e acessível ao pensamento de Marx para aqueles que desconhecem sua obra”.

Por exemplo, à acusação de que o marxismo é uma especulação ingênua sobre um futuro de paz, amor e alegria para toda a humanidade, Eagleton lembra que:

Marx não demonstra o menor interesse em um futuro livre de sofrimento, morte, perda, fracasso, colapso, conflito, tragédia nem mesmo trabalho. Na verdade, ele não demonstra muito interesse pelo futuro em si.

Segundo o autor:

É o capitalismo, não o marxismo, que faz transações futuras. Em “A ideologia alemã”, Marx rejeita a ideia do comunismo como “um ideal ao qual a realidade terá de se ajustar”. Ele o vê como “o movimento real que abole o presente estado de coisas”

Para o revolucionário alemão, inevitável mesmo era o futuro. Mas “o inevitável não é, necessariamente, o desejável. A morte também é inevitável, mas, aos olhos da maioria, não é desejável”, diz Eagleton. E arremata:

Equivoca-se quem crê que os profetas bíblicos buscavam prever o futuro. Em vez disso, o profeta denuncia a ganância, a corrupção e a ânsia de poder atuais, alertando-nos para o fato de que, a menos que mudemos nossos métodos, poderemos muito bem não ter futuro. Marx era um profeta, não um adivinho.

2 de março de 2018

O comunismo antes e depois de Marx e Engels

Como Marx e Engels se tornaram comunistas? Segundo o livro “The Revolutionary Ideas of Karl Marx”, de Alex Callinicos, foi assim.

Em 1842, Marx era editor-chefe da Gazeta Renana, na província alemã de Colônia. Quando acusaram seu periódico de ser comunista, ele respondeu que “as ideias comunistas em sua forma atual não chegam a possuir nem mesmo realidade teórica e, portanto, podem ainda menos chegar a se realizar na prática".

Mas em seu exílio em Paris, Marx conheceu as sociedades comunistas francesa e alemã, tendo sua primeira experiência junto a um movimento organizado de trabalhadores. O impacto foi enorme. Ele escreveu a Feuerbach em agosto de 1844:

Você deveria comparecer a uma reunião dos trabalhadores franceses para apreciar o puro frescor, a nobreza que irrompe desses homens cansados... É entre esses "bárbaros" da nossa sociedade civilizada que a história está preparando o elemento prático para a emancipação da humanidade

Em “A ideologia alemã”, de 1845, Marx e Engels argumentavam que a possibilidade da revolução social dependia das condições materiais criadas pelo próprio capitalismo. A mais importante delas era a classe trabalhadora. "O comunismo", escreveu Engels nesta época, "é a doutrina das condições para a emancipação do proletariado".

Em 1847, Marx e Engels entraram para a Liga dos Justos e a transformaram de uma sociedade secreta conspiradora em uma organização revolucionária aberta. O lema "Todos os homens são irmãos!" tornou-se "Trabalhadores de todos os países, uni-vos!". Com palavras semelhantes eles concluiriam o Manifesto Comunista, publicado pouco depois.

Nada disso altera o fato de que o comunismo será sempre a resposta dos trabalhadores à exploração e opressão capitalistas.

Obs.: doses suspensas até abril.

Leia também: Viva Marx, o demônio bicentenário!

1 de março de 2018

Os Panteras Negras ensinam a polícia a amar

Trecho do texto “Aos policiais racistas”, de Pantera Puranga, publicado em 15/05/1967:

Nós não gostamos do modo como vocês, policiais, têm feito mau uso da lei e maltratado o povo. Vocês são funcionários públicos, o que significa que todo o povo – todo o povo – delegou a vocês a tarefa de garantir a segurança das pessoas no exercício diário de seus direitos. Por exemplo: a função de remover resíduos de nossas privadas foi delegado pelo povo àqueles que nós chamamos de “encanadores”. A outros foi delegada a responsabilidade de transportar nosso lixo, e nós os chamamos de “lixeiros”. (...). Vocês foram contratados pelo povo para preservar a paz. É seu dever dar conta do seu trabalho de um modo menos propício a desagradar seus empregados e calculado para fazer com que as pessoas sintam que é justo continuar a mantê-los na folha de pagamento pública. Mas porque vocês desonraram brutalmente o próprio nome pelo qual vocês são conhecidos – agente da paz –, vocês se tornaram inimigos do povo (...). Vocês têm uma imagem que causa terror nos corações daqueles que compram seu pão, pagam seu aluguel e alimentam seus filhos. Vocês se tornaram um problema que deve ser resolvido. O PARTIDO PANTERA NEGRA PARA AUTODEFESA tem sido convocado pelos gritos, pelo sofrimento e pela dor do povo. Nós estamos aqui para civilizar vocês. Nós estamos aqui para ensinar vocês a amar e a servir as pessoas com uma atitude humilde e fidedigna, consistente com a sua posição. Nós faremos esse trabalho, gostem vocês disso ou não.

Não seria este um bom exemplo de pedagogia da libertação?

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