Doses maiores

29 de novembro de 2015

O Estado como instrumento de terror

Em 24/11, Sylvia Colombo publicou a matéria “Em livro, professor de Yale reconstrói história da Comuna de Paris”, na Folha S. Paulo. A reportagem é sobre o livro "A Comuna de Paris", de John Merriman, recém-lançado no Brasil.

Segundo a jornalista, o título em português não “traduz o tom dramático do relato”. Realmente, a obra em inglês chama-se “Massacre”, título mais preciso em relação ao que aconteceu em Paris, em 1871. Após 72 dias de poder popular foram mortas cerca de 15 mil pessoas, enquanto os “communards” executaram 68 prisioneiros. Por isso, Merriman, conclui:

Os assassinatos cometidos pelos que integravam a comuna são deploráveis, mas a repressão foi tão brutal que ficou evidente a desproporção que a violência pode tomar quando é o Estado quem se prontifica a matar. Por isso, creio que o episódio oferece chaves para entender vários massacres do século 20.

Difícil discordar. Dos “holocaustos coloniais” e a escravidão negra às matanças promovidas pelo nazifascismo. Dos genocídios indígenas nas Américas à bomba de Hiroshima. Das grandes fomes chinesa e soviética à mortandade africana. Por trás dessas e de muitas outras carnificinas estavam as garras do Estado.

Não à toa, a mais recente e estúpida manifestação de terrorismo, a dos “jihadistas”, quer construir seu próprio estado. Tão carniceiro quanto os de seus inimigos europeus, asiáticos e norte-americanos.

O Estado é uma necessidade histórica criada pela opressão de classe. Mas a humanidade só precisou dele em cerca de 10% de sua existência. Enquanto não nos livrarmos de toda e qualquer dominação social e seu principal instrumento, continuaremos a afogar nossa espécie em seu próprio sangue.

26 de novembro de 2015

Das prisões ocidentais para o Estado Islâmico

Jovens, entre os subúrbios e o radicalismo” é o nome da entrevista feita com o sociólogo iraniano Farhad Khosrokhavar. Publicada pelo “Il Manifesto”, em 22/11, o depoimento procura esclarecer como o Estado Islâmico recruta seus soldados.

O entrevistado lembra que se completaram 10 anos da grande revolta de jovens nos subúrbios parisienses. Em outubro de 2005, durante 19 noites consecutivas, jovens pobres da periferia de Paris se revoltaram contra a violência policial. Queimaram quase 9 mil carros e entraram em confrontos com a polícia francesa.

Desde então, nada foi feito para melhorar a situação deste setor da população, formado principalmente por descendentes de árabes e muçulmanos. Ao contrário, muitos deles continuam a ser jogados nas prisões. E, como diz Khosrokhavar:

... é justamente na prisão que muitas vezes eles entram em contato com autodenominados pregadores que os aproximam de uma versão integralista da religião muçulmana, viagens de iniciação, primeiro ao Afeganistão, Paquistão ou ao Iêmen e, nos últimos anos, especialmente para a Síria e, por fim, uma vontade de ruptura com a sociedade em que cresceram, que se realiza em nome da Guerra Santa. Por exemplo, esse é o perfil dos autores, particularmente jovens, dos massacres do dia 13 de novembro, assim como de todos os atentados jihadistas cometidos na França nos últimos 15 anos. Esse primeiro grupo de jovens provenientes das cité periféricas ou dos bairros populares, da França assim como da Bélgica, já constituem uma espécie de exército de reserva jihadista na Europa.

Do PCC ao Estado Islâmico, o crime e o terrorismo agradecem pelo encarceramento racista da pobreza promovido por estados laicos.

Leia também:

25 de novembro de 2015

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Estado islâmico e hatianos

Em 22/11, o Globo publicou “Segurança da Rio 2016 quer preparar até taxistas contra terrorismo”. A matéria aborda o medo de que aconteça nas Olimpíadas de 2016 algo semelhante à ação terrorista conhecida como “Setembro Negro” nos jogos de 1972, responsável pela morte de 11 integrantes da delegação de Israel.

O diretor de Inteligência da Secretaria Extraordinária de Grandes Eventos, William Murad, por exemplo, diz que os 70 mil voluntários que participarão do evento devem “receber algum tipo de treinamento para detectar movimentos suspeitos“. Além disso, haverá uma campanha para “treinar funcionários de hotéis, de aeroportos e até taxistas para que essas pessoas possam ser capazes de identificar possíveis ameaças”.

Poderíamos imaginar o que seria considerado “possível ameaça” em uma cidade que está entre as que mais matam jovens negros no mundo. Mas o “especialista em contraterrorismo”, André Luís Woloszyn, não deixou muito espaço para a imaginação. Referindo-se ao Estado Islâmico, ele teria dito à reportagem que “o grande trunfo da organização para atacar o Brasil é a incapacidade de monitoramento da movimentação de pessoas pelo território brasileiro, em especial do fluxo migratório, por exemplo, de haitianos”.


O senador preso

De Gilberto Kalil, no Facebook:

Acaba de ser preso um dos senadores mais reacionários do Parlamento, integrante da bancada do agronegócio, violento opositor dos direitos das comunidades indígenas e defensor dos interesses das transnacionais do petróleo.

Acaba de ser preso um senador do PT, líder do governo Dilma no Senado.

Um e outro são o mesmo homem e não foi detido nem pela primeira nem pela segunda condição.

24 de novembro de 2015

Vende-se um planeta usado...

Em dezembro, acontece a 21ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-21). Será em Paris e tem por objetivo assinar um novo compromisso entre os chefes de estado pela redução da emissão dos gases que causam o aquecimento global. O documento deverá substituir o Protocolo de Kyoto, cuja validade termina em 2020.

Mas a péssima vontade política que os governos têm demonstrado em relação ao meio ambiente é diretamente proporcional ao apoio financeiro que recebem das grandes empresas poluidoras do planeta. Portanto, melhor pensar em uma trilha sonora adequada ao momento. Que tal a música “Classificados”, de Daniel Carezzato, Luciana Bugni e Marcos Mesquita?

Vende-se um planeta usado
 7 bilhões de únicos donos
 Em médio estado, mas sem as calotas

 Com o teto cheio de buracos
 O radiador enguiçado
 E água salgada no tanque de gasolina

 Zilhões e zilhões de quilômetros rodados
 Injeção só na testa a essas alturas
 Aceita-se troca por um planeta mesmo que avermelhado

 Vende-se um planeta usado
 No porta-luvas, duas guerras guardadas
 Com furos no estepe e o eixo inclinado

 Com o porta-malas repleto de fome
 Ar condicionado invertido
 Desgraças no rádio e painel com ruído

 Sem direção, hidráulica seca
 Os cintos já não seguram mais nada
 Aceita-se troca por um planeta sem pneus em órbita

 A Estrela D'Alva é a luz do freio...

 Vende-se um planeta seminovo
 Garantia estendida até o fim de 2014
 Aceita-se troca...

A canção foi gravada por Tom Zé, Daniel Carezzato e Lia Bernardes e faz parte do CD “O fim está próspero”, da banda “1/2 Dúzia de 3 ou 4”.

Leia também:
A crise ambiental, a cota do xixi e a cota de merda
COP-19: uma comédia que provoca choro

23 de novembro de 2015

Em Mariana, poesia que dói

 Amarildo
Circula na internete um poema de Carlos Drummond considerado profético em relação ao crime ambiental cometido pela Vale, em Mariana, Minas Gerais. Trata-se de “Lira Itabirana”, cujos primeiros versos dizem: “O Rio? É doce/ A Vale? Amarga/ Ai, antes fosse/ Mais leve a carga”.

Muito da justa revolta em relação à poderosa mineradora costuma lembrar que se trata de uma empresa privatizada. Mas o poema de Drummond é de 1984, bem anterior à entrega da companhia a preço de banana estragada ao mercado. Além disso, a estrofe II deixa bem claro que “Entre estatais/ E multinacionais,/ Quantos ais!”.

Portanto, não se trata apenas da costumeira irresponsabilidade de um mercado dominado por enormes monopólios privados. É a própria atividade que tem caráter destrutivo.

É o que mostra Marcos Paulo de Souza Miranda, coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico de Minas Gerais. Em outro texto que vem circulando na rede, ele lembra:

Em novembro de 1867, na Mina de Morro Velho, em Nova Lima, um desabamento matou 17 escravos e um trabalhador inglês. Em novembro de 1886, novo desastre no mesmo lugar.

Mais recentemente, rompimentos de barragens nas minas de Fernandinho (1986) e Herculano (2014), em Itabirito; Rio Verde (2001), em Nova Lima; e Rio Pomba (2008), em Miraí. Todas com dezenas de mortes e prejuízos irreversíveis ao meio ambiente.

A mineração, tal como praticada no modo de produção capitalista, estatal ou não, gera poucos empregos e vicia as economias que dela dependem. Destrói cidades, pessoas, matas, bichos. Só a poesia escapa. Mas pergunta, dolorida, quanto tempo ainda disfarçaremos as lágrimas “sem berro?”

O berço do conhecimento universal é africano


 Imhotep 
“África: lugar das primeiras descobertas, invenções e instituições humanas” é o título de artigo de Dagoberto José Fonseca, de julho de 2009, e republicado pelo portal Geledés em 19/11.

O professor da Unesp-Araraquara revela informações surpreendentes sobre as contribuições dos povos africanos para o conhecimento universal.

Por exemplo, a agricultura africana, surgida no vale do rio Nilo, tem cerca de 18 mil anos, sendo duas vezes mais antiga do que no sudoeste asiático. A pecuária apareceu 15 mil anos atrás, no atual Quênia.

Já ficou comprovado que Sócrates, Platão, Tales de Mileto, Anaxágoras e Aristóteles estudaram com sábios africanos.

Dizer que Hipócrates foi o pai da medicina deixou de ser verdade desde que foi provado que o cientista clínico egípcio Imhotep já praticava medicina mais ou menos 3 mil anos antes de Cristo. Uns 2.500 anos antes do grego.

Onde é hoje Uganda, na África Central, os Banyoro já faziam a cirurgia de cesariana. Muito antes da primeira intervenção desse tipo ser feita na Inglaterra, em 1879.

A remoção de cataratas foi registrada no Mali e no Egito, por volta de 4.600 anos atrás. Sendo que, nessa mesma época, os egípcios já faziam cirurgias para retirar tumores cerebrais.

Há cerca de 6 séculos, o povo Dogon, no Mali, já conhecia o sistema solar, a Via Láctea, as luas de Júpiter e os anéis de Saturno. Também deduziu que o universo é habitado por milhões de estrelas e que a lua era deserta e inabitada, sendo refletida pelo sol à noite

Claro que tudo isso continua soterrado por camadas de preconceitos e racismo. Inclusive, nas universidades.

Leia também: Quando o berço da história faz história

19 de novembro de 2015

As maiores vítimas do fanatismo islâmico

“Europeus e americanos são vítimas colaterais da guerra interna do Islã”, afirma Alfredo Valladão em artigo publicado no site da Rádio França Internacional, em 20/01. Segundo ele:

...a guerra atual não é a da civilização islâmica contra a civilização ocidental, mas é um conflito absoluto no seio do Islã. Xiitas contra sunitas e, dentro do sunismo, uma miríade de correntes que vão desde os cortadores de cabeça do dito “Estado Islâmico” até os partidos muçulmanos moderados, passando pelos tradicionalistas da Irmandade muçulmana, os salafistas, os adeptos da Al-Qaeda, etc. O prêmio dessa guerra de todos contra todos é a liderança do mundo muçulmano.

Entre os 129 mortos nos recentes atentados em Paris, estavam, pelo menos, sete muçulmanos.

No mesmo dia do ataque ao tabloide Charles Hebdo, um carro bomba matou 33 pessoas e deixou 62 feridas no Iêmen, país muçulmano. Em janeiro deste ano, o grupo fundamentalista Boko Haram, que se afirma muçulmano, promoveu matou cerca de 2 mil na cidade nigeriana de Baga. Entre as vítimas, muitos islamitas.

Iniciado no dia 3 de janeiro e concluída no dia do atentado de Paris (7), a chacina provocou um número de mortos que pode chegar a 2.000, algo sem precedentes mesmo no universo de uma organização que supera o Estado Islâmico em crueldade e habita um subterrâneo bizarro no qual a violência não tem limites.

Como diz Reza Aslan, em seu livro “No god but God”, é dentro do Islã que a batalha decisiva vem sendo travada. E, nessa batalha, são as forças islâmicas anticapitalistas que serão capazes de derrotar o fanatismo muçulmano, jamais o fundamentalismo imperialista.

Leia também: Se Maomé não vai à luta de classes...

17 de novembro de 2015

Terrorismo e causalidade seletiva

Na internete, a polêmica: quem merece mais o apoio popular, as vítimas da Samarco em Minas Gerais ou os atingidos pelo terrorismo em Paris? Um lado acusa o outro de praticar “solidariedade seletiva”. Na verdade, “lamentação seletiva”, uma vez que a grande maioria dos envolvidos não fazem mais do que postar textos, imagens e comentários em ambientes virtuais.

Toda essa disposição para se envolver nesse tipo de debate estéril é alimentada pela grande mídia. Não faltam matérias e reportagens recheadas de casos comoventes. Gente que perdeu parentes, amigos, casa, patrimônio, sustento, esperanças. Muito triste, é verdade.

Mais triste, no entanto, é a ausência de qualquer aprofundamento sobre as causas das tragédias. Faltam apurações sobre os enormes interesses econômicos da mineração no Brasil e do controle das áreas petrolíferas no Oriente Médio. Sobram closes em rostos e perguntas na medida para fazer o entrevistado chorar.

Ao mesmo tempo, cria um clima de revolta que tem como alvo apenas os políticos, ignorando aqueles que os controlam. As verdadeiras causas das tragédias são criteriosamente selecionadas para esconderem os interesses poderosos que estão por trás delas.

Há terrorismos e terrorismos

Noam Chomsky é um respeitado linguista. Mas não precisa utilizar teorias complexas para mostrar que o conceito de “terrorismo” não é utilizado da mesma maneira em todas as situações pela grande imprensa e governos em geral.

As ações que partem de organizações islâmicas, por exemplo, são sempre terroristas. Já as mortes de centenas de civis inocentes causadas pelos drones estadunidenses são "danos colaterais". Enquanto isso, a França executou 20 bombardeios na Síria, matando mais de cem civis, incluindo crianças.

Leia também: O Estado Islâmico e o Ebola

O Estado Islâmico e o Ebola

Em epidemiologia, é comum afirmar que doenças mais letais tendem a se espalhar menos. Afinal, se um vírus ou bactéria mata rápido demais, suas vítimas têm menos tempo de contagiar outros organismos.

O Estado Islâmico (EI) pode ser comparado a uma dessas doenças com letalidade acelerada. Seus soldados matam e barbarizam demais e fazem inimigos por toda a parte. Inclusive, entre os próprios muçulmanos. E os recentes ataques que promoveram fora de seu território só aumentaram a hostilidade contra a organização.

Desse modo, o destino do EI deveria ser o mesmo que o de um vírus como o Ebola, que mata em velocidade semelhante àquela em que pode ser isolado. Mas para que isso aconteça, é preciso diminuir também os focos que alimentam a “doença”.

No caso do Estado Islâmico, são vários os focos. A começar pelo pesado armamento que recebeu dos Estados Unidos, interessados na queda da ditadura síria. Há também o forte apoio financeiro das monarquias árabes e do governo turco. Já a resistência popular curda, que vem impondo derrotas ao EI, é constantemente sabotada pelos governos da região.

Não bastasse toda essa ajuda, o EI continua a ganhar seguidores nos países europeus, graças aos governos que mantêm políticas de perseguição aos muçulmanos dentro de suas fronteiras. É o que François Hollande está fazendo, agora, por exemplo, ao adotar uma postura nacionalista conservadora que deve empurrar mais gente para as fileiras dos “jihadistas”.

Ainda não se sabe ao certo qual é a origem do Ebola. Mas o fundamentalismo terrorista do Estado Islâmico, certamente, surgiu e continua a ser fortalecido pelo fanatismo imperialista ocidental.

15 de novembro de 2015

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Faltaram alguns mandamentos

Diz a Bíblia, em Mateus 22:40, que um fariseu perguntou a Jesus qual seria o maior dos mandamentos. Obteve como resposta: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todo o teu pensamento”. Mas Jesus acrescentou um segundo mandamento, que seria semelhante ao primeiro: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”.

Como se vê, seria possível dizer que entre os principais mandamentos cristãos estaria aquele que condena discriminações, como o racismo. Afinal, devemos amar o próximo esperando que ele nos ame do mesmo modo, sem preconceitos e prevenções injustas.

A novela “Os dez mandamentos”, da Record não teria obrigação de citar esses mandamentos, já que não fazem parte do decálogo revelado por Moisés. Mas poderia evitar apresentar um elenco formado quase inteiramente por brancos. Em especial, os reis e nobres egípcios. Fato agravado por vários estudos arqueológicos e históricos que dão conta de que os egípcios eram muito mais negros que brancos.

Escafandristas

Recente estudo conhecido como “Brasil 2040”, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência, afirma que a elevação do nível do mar pode levar à inundação de várias regiões do Rio de Janeiro nos próximos 25 anos.

Em sua bela canção “Futuros Amantes”, Chico Buarque diz:

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Quem sabe esses mergulhadores encontrem também muitos sinais de violência contra as mulheres. Inclusive, em residências mais nobres, como as de secretários municipais.

Leia também: Para bom entendedor, meia palavra bas...

13 de novembro de 2015

Enquanto isso, a lama da Samarco

O rompimento da barragem da mineradora Samarco, pertencente à Vale, vai contaminar a região litorânea do Espírito Santo, espalhando-se por uns 3 mil km2 no litoral norte e uns 7 mil km2 no litoral ao sul. Serão atingidas três Unidades de Conservação, em uma área de 200 mil km no mar.

Já são pelo menos seis mortos, 19 desaparecidos e 637 desabrigados. Os resíduos de minério ameaçam o abastecimento de água de 500 mil pessoas.

Enquanto isso, a Samarco teve um lucro líquido de R$ 2,8 bilhões em 2014. Mas no mesmo período pagou apenas R$ 54 milhões pela exploração em território mineiro, dos quais somente R$ 20 milhões ficaram em Mariana. A cidade, portanto, recebeu 0,72% do lucro líquido da mineradora.

Enquanto isso, o Ibama informou que deve multar a Samarco em R$ 250 milhões. Ou seja, menos de 10% do lucro líquido anual da empresa.

Enquanto isso, o projeto de lei nº 2946/2015 tramita na Assembleia Legislativa de Minas visando simplificar o licenciamento ambiental. Foi apresentado pelo Governador Pimentel e apoiado pela Federação de Indústrias de Minas Gerais e Sindicato da Indústria Mineral do Estado de Minas Gerais.

Enquanto isso, reportagem do jornal Valor, de 24/11/2014, dizia “Mineradoras querem rediscutir código. Doações do setor ajudaram a eleger 180 parlamentares”. A matéria referia-se ao Código da Mineração em debate no Congresso Nacional desde aquela data.

Enquanto isso, uma página foi criada no Facebook, dizendo: “Esse movimento visa dar apoio a SAMARCO, uma empresa que gera milhares de empregos, hoje ela conta com o nosso apoio. SOMOS TODOS SAMARCO”. O resto é lama...

Leia também: Privatização não é coisa pra português de padaria

11 de novembro de 2015

Campos de concentração para animais

Em 06/11, o EcoDebate publicou o artigo “Abolicionismo animal”, de José Eustáquio Diniz Alves. O texto defende o fim do que o escritor M. Coetzee chamou de “campos de concentração”, referindo-se aos cativeiros que criamos para outros animais. Os dados surpreendem:

Para alimentar uma população crescente de seres humanos mais de 60 bilhões de animais terrestres são mortos todos os anos e a escravidão animal é responsável pelo confinamento de 19 bilhões de galinhas, 1,4 bilhão de bovinos, 1 bilhão de porcos, 1 bilhão de ovelhas e um número considerável de cabritos, búfalos, coelhos, capivaras, javalis, avestruzes, gansos, perus, patos, etc., segundo dados da FAO.

Além disso, diz o autor:

...são necessários 1.500 litros para produzir um quilo de milho, 15 mil para um quilo de carne de vaca. Isto é, quando alguém come carne se apropria de recursos que, compartilhados, seriam suficientes para cinco, oito, dez pessoas. Comer carne é estabelecer uma desigualdade brutal: sou eu quem pode engolir os recursos de que vocês precisam. A carne é um estandarte e é uma mensagem: que este planeta só pode ser usado assim se bilhões de pessoas se resignarem a usá-lo muito menos. Se todos quiserem usá-lo igualmente não pode funcionar: a exclusão é condição necessária — e nunca suficiente.

É por isso que o movimento pelo abolicionismo animal defende, entre outras medidas, o “aumento das áreas anecúmenas”. Anecúmeno é o conceito grego para áreas desfavoráveis à ocupação humana.

Por trás de toda essa escravidão animal está uma ordem social injusta que também escraviza nossa espécie e ainda pode transformar a Terra em mais um planeta anecúmeno.


10 de novembro de 2015

Por uma arqueologia da Revolução Russa

Daqui a dois anos, completam-se os 100 anos da Revolução Russa. Passado quase um século, a história da primeira revolução assumidamente socialista está soterrada por mitos, distorções, mentiras, incompreensões.

Estas camadas confusas foram se acumulando não apenas por obra da burguesia. Setores da esquerda socialista adotam e até criam muitos dessas imprecisões. Muitas vezes, alimentam uma visão autoritária, truculenta e grosseira da revolução liderada pelos bolcheviques, que acaba sendo muito conveniente para os defensores da ordem.

É por isso que precisamos cada vez mais de uma arqueologia da Revolução Russa. Um esforço para redescobrir suas grandes conquistas, posteriormente sepultadas pela contrarrevolução stalinista. É o que as pílulas diárias vêm tentando fazer. Abaixo, algumas delas:

Os bolcheviques queriam o fim da família para libertar as mulheres mostra um pouco do peso do feminismo nos primeiros anos da revolução. Algo que 1917: operárias russas atropelam bolcheviques também evidencia.

Socialistas e muçulmanos: unidade necessária destaca o importante papel dos seguidores do Islã no processo revolucionário. Uma aliança tornada possível pelo respeito dos bolcheviques à religiosidade popular, como descrito em Lênin em defesa da liberdade religiosa.

O indispensável combate ao racismo é destaque de Bolcheviques contra o racismo. Um avanço que, infelizmente, foi destruído pelo antissemitismo stalinista.

Nada disso quer dizer que a Revolução Russa tenha dado conta de todos os aspectos da luta contra a exploração e a opressão. Longe disso. Mas foi um processo rico em experiências libertárias e combativas. Muito diferente da caricatura a que foi reduzido por décadas de calúnias e distorções cometidas pelo conservadorismo, tanto de direita, como de esquerda.

Novembro de 2015

9 de novembro de 2015

Para bom entendedor, meia palavra bas...

Violência contra a mulher e racismo

Em um ano, morreram assassinadas 66,7% mais mulheres negras do que brancas no Brasil. Essa é uma das conclusões do Mapa da Violência 2015, divulgado em 09/11, pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso).

Além disso, de 2003 a 2013, os assassinatos de mulheres negras aumentaram 54%, enquanto as mortes violentas de mulheres brancas diminuíram 9,8%.

Já números de relatório divulgado em 05/11, pelo Departamento Penitenciário Nacional, do Ministério da Justiça, mostrou um aumento de 567% no número de mulheres presas no Brasil em 15 anos. A taxa representa mais de quatro vezes o crescimento geral de presos no País, de 119%. Detalhe adicional: duas em cada três presidiárias são negras.

Mar de Lama em Minas

Sobre o mar de lama que vem atingindo várias cidades de Minas Gerais a partir de Mariana, o governador daquele estado, Fernando Pimentel (PT), deu uma entrevista coletiva em 08/11.

Pimentel afirmou que “a empresa está cuidando do que ela é responsável", referindo-se à mineradora Samarco, responsável pela barragem que rompeu e destruiu um bairro inteiro.

Alguns detalhes adicionais: a coletiva de imprensa foi feita na sede da empresa Samarco. A Samarco faz parte de um grupo controlado pela Vale. E a Vale contribuiu com R$ 1,8 milhão para a campanha eleitoral de Pimentel.

Maconha e vinho

Gregório Duvivier sendo engraçado, na Folha, em 09/11: ”Se Jesus transformasse tabaco em maconha, teriam que proibir o vinho”.

Sem licitação

Em 08/11, Eduardo Paes declara sem qualquer graça ou vergonha, no Folhapress: “Obra olímpica 'secreta' é mais rápida sem licitação, diz prefeito do Rio”.

Leia também: Para bom entendedor, meia palavra bas...

8 de novembro de 2015

A ameaça de uma enorme derrota histórica

“Crise joga 3 milhões de famílias da Classe C de volta à base da pirâmide”, diz matéria de Márcia De Chiara e Anna Carolina Papp, publicada no Estadão em 31/10.

O texto cita estudo da Tendências Consultoria Integrada, mostrando que, entre 2006 e 2012, 3,3 milhões de famílias subiram das “classes D/E” para a “classe C”. Mas o mesmo levantamento estima que, até 2017, 3,1 milhões de famílias devem voltar à faixa de renda de onde saíram.

Justificariam essa projeção, previsões de recuo da economia, queda na massa real de rendimentos e desemprego galopante.

A reportagem traz uma observação importante de Maurício de Almeida Prado, da consultoria “Plano CDE”. Devido à “ascensão” por que passaram, diz ele, essas famílias formariam “um novo tipo de classe baixa: mais conectada, escolarizada e de certa forma até mais preparada”.

A questão é: preparada para quê?

Seria bom lembrar que a conquista de melhores condições de vida tende a ser muito menos gratificante que a decepção causada por sua perda.

A última vez que frustrações como essas se transformaram em revolta social foi em junho de 2013. E naquele momento, forças de direita conseguiram canalizar boa parte do forte ressentimento da população.

O trabalho dos conservadores foi bastante facilitado pela esquerda que está nos governos. Diante das manifestações, sua única resposta vem sendo mais repressão. Portanto, destes setores já não há mais nada a esperar.

Mas a maior parte da oposição de esquerda continua distante das ruas, priorizando a disputa de eleições, direções sindicais e outros aparatos burocratizados. Ou começamos a mudar isso radicalmente, ou sofreremos uma enorme derrota histórica.

Leia também: Um relato de dignidade contra a burocratização da esquerda

5 de novembro de 2015

A humanidade, entre o deserto e as estrelas

Na Alemanha, um grupo de astrônomos da Universidade do Ruhr conseguiu uma fotografia da Via Láctea. A imagem contém 46 bilhões de pixels e pode ser visualizada pelo site http://gds.astro.rub.de/.

Imaginemos que essa ferramenta online possibilitasse ao usuário observar o planeta Terra em detalhes. Poderíamos escolher visualizar o deserto do Atacama, no Chile. É lá que ficam os telescópios a partir dos quais foram feitas as imagens que viabilizaram a gigantesca foto.

Aumentando o zoom poderíamos ver grandes observatórios astronômicos. Mas, em torno deles, também notaríamos a presença de algumas pessoas vagando em meio às muitas rochas e poucos arbustos.

Aproximando ainda mais nossa lente virtual, notaríamos que são mulheres e que elas usam pequenas pás para revirar o terreno, levantando pedras e cavoucando o chão arenoso.

Se a ferramenta virtual também permitisse observar o passado, poderíamos encontrar os campos de concentração que foram construídos ali durante a ditadura Pinochet. Construções feitas para torturar e matar os que discordavam do regime.

Mas, hoje, os únicos sinais que sobram daqueles tempos tenebrosos são alguns restos mortais, preservados pelo ar seco do deserto. E são eles que aquelas mulheres procuram, tentando identificar parentes e companheiros “desaparecidos” pela ditadura.

Esta terrível história é contada no belo e triste documentário “Nostalgia da Luz”, de Patricio Guzmán. O filme mostra que nossa espécie continua muito indecisa.

Ainda precisamos resolver se vamos continuar a condenar mulheres a manter seus olhos voltados para o chão que molham com suas lágrimas, ou se vamos buscar nas estrelas e onde mais for possível o que nos pode fazer dignos dos mistérios do universo.

Um relato de dignidade contra a burocratização da esquerda

Licença para citar alguns trechos de uma carta de James Cannon a Theodore Draper, escrita em maio de 1959. Nela, o grande militante socialista estadunidense apresenta algumas das razões de sua ruptura com o Partido Comunista de seu país:

Eu tinha gradualmente me estabelecido numa posição segura como representante do partido, com um escritório e uma equipe de assessores, uma posição que eu poderia facilmente manter – desde que eu me mantivesse dentro de limites e regras definidos, sobre os quais eu sabia tudo, e conduzisse a mim mesmo com a facilidade e a habilidade que havia se tornado quase uma segunda natureza para mim nas longas e persuasivas lutas fracionais.
(...)
Eu vi a mim mesmo pela primeira vez como outra pessoa, um revolucionário que estava a caminho de se tornar um burocrata. A imagem foi terrível e eu me afastei dela com nojo.

Eu nunca enganei a mim mesmo sequer por um momento sobre as consequências mais prováveis da minha decisão de apoiar Trotsky no verão de 1928. Eu sabia que eu iria perder minha cabeça e também minha poltrona de couro, mas eu pensei: para o inferno — homens melhores do que eu arriscaram suas cabeças e perderam suas poltronas de couro pela verdade e pela justiça.

Sem mais, PT Saudações...

Leita também: Os partidos como máquinas burocráticas despolitizadas

3 de novembro de 2015

Eduardo Cunha e Asterix na Suíça

Autor de “A Suíça lava mais branco”, o sociólogo suíço Jean Ziegler lembra que sua terra-natal não tem recursos naturais ou indústria forte. Mesmo assim, é um dos países com maior renda per capita do mundo. “Isso só acontece porque a matéria-prima da Suíça é o dinheiro”, afirma.

Segundo ele, 27% da riqueza global está na Suíça. Grande parte dela vem “de fraudadores internacionais, dinheiro do crime ou dinheiro do sangue, que é como eu chamo o dinheiro das ditaduras”, conclui Ziegler.

Helvécia é como os antigos romanos chamavam a Suíça. Na aventura em quadrinhos “Asterix entre os helvécios”, o valente gaulês vai parar nesse país famoso por seus relógios de cuco e bancos com cofres sempre abarrotados.

Mas há também um costume estranho. São banquetes, em que os participantes formam filas em frente a um enorme caldeirão de queijo derretido. Cada comensal leva uma espada com um pedaço de pão na ponta que deve ser mergulhado no queijo e prontamente degustado.

Conforme vão comendo, os participantes ficam cada vez mais lambuzados. No final, uma grossa camada de queijo cobre a fila de uma ponta a outra, de modo que não é possível reconhecer mais ninguém.

É mais ou menos assim que funciona esse grande paraíso fiscal bem no meio da Europa. Como na fila do queijo derretido, correntistas poderosos aproveitam-se das confusas maçarocas que são as contas suíças para esconder suas fortunas.

Recentemente, um deputado brasileiro ganhou fama como um desses trambiqueiros. Mas é peixe pequeno, comparado aos tubarões do capital internacional. E são estes últimos que colocam no poder roedores como Eduardo Cunha.