Doses maiores

31 de janeiro de 2019

Pinóquios psicopatas no poder (2)

A enorme onda de informações falsas espalhadas pelas redes digitais não é capaz de explicar isoladamente a vitória de Bolsonaro. Mas não há como desprezar sua importância. E alguns dados ajudam a entender como ganharam eficácia.

O jornalista e sociólogo espanhol Ignacio Ramonet, por exemplo, apresenta os seguintes números em entrevista publicada no portal Outras Palavras:

...a audiência média acumulada de noticiários dos quatro principais canais dos EUA é de apenas 29 milhões de telespectadores (em um país de 325 milhões de habitantes). Em contraste, nas redes sociais, Donald Trump tem cerca de 30 milhões de “amigos” no Facebook e cerca de 60 milhões de seguidores no Twitter. Para quem ele fala diretamente.

Ramonet também cita o perigoso fenômeno dos chamados influenciadores digitais. No caso, a estrela de reality shows, Kim Kardashian. Nas principais redes digitais, ela tem cerca de 224 milhões de seguidores. Público que supera em mais de 100 milhões o Super Bowl, programa televisivo de maior audiência do mundo, com 113 milhões de espectadores.

Em relação à realidade brasileira, destaque-se um estudo feito pela organização Avaaz e divulgado em novembro passado. Ele mostrava que 98,21% dos eleitores de Bolsonaro receberam notícias falsas durante a eleição. Deste total, 89,77% acreditaram nelas.

Anterior ao levantamento acima, há uma pesquisa do Monitor do Debate Político no Meio Digital, da USP. Segundo o levantamento divulgado em abril de 2018, grupos de família seriam o principal canal de notícias falsas no WhatsApp.

Mas, talvez, este último dado seja aquele que pode fornecer as pistas mais importantes sobre o que aconteceu nas últimas eleições.

Fica para a próxima pílula.

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30 de janeiro de 2019

Pinóquios psicopatas no poder

“Toda vez que eu falo a verdade, ele cresce, doutor. Viu?”, diz Pinóquio, enquanto seu nariz cresce diante do médico. A piada poderia retratar bem o momento atual, se além de mentiroso, o boneco de pau também fosse um assassino psicopata.

Quando Jean Wyllys anunciou sua desistência do mandato, temendo por sua vida, começou a circular nas redes a informação de que ele estaria sendo investigado por envolvimento no episódio da facada contra Bolsonaro.

Ou seja, para cada denúncia objetiva contra a extrema-direita, uma mentira deslavada a encobri-la. Infelizmente, há setores de esquerda tentando fazer o mesmo. Felizmente, eles perdem feio nessa competição horrível.

O fato é que vivemos um “novo normal”. E quem espera um rápido desgaste do governo Bolsonaro por sua truculência, trapalhadas ou limitações precisa levar esse fator em conta.

Além disso, por trás dessa camada espessa de falsidades, ainda temos a grande imprensa disposta a facilitar para o novo governo. Não há porque esperar da Globo, por exemplo, uma campanha aberta contra Bolsonaro.

O que realmente importa são as propostas econômicas ultraliberais de Paulo Guedes. Em defesa delas, as ações criminosas da extrema-direita continuarão a ser toleradas pela mídia empresarial e autoridades.

Por outro lado, se algum desgaste pode comprometer seriamente o governo, ele certamente virá da economia. O enorme desemprego e salários baixos secundarizam todo o resto.

Mas lutas econômicas não podem isolar ou menosprezar outras lutas. Equivocado, por exemplo, priorizar a atuação sindical em prejuízo da mobilização em defesa de setores oprimidos, violentados, perseguidos.

O desafio é imenso, mas a única verdade possível está do nosso lado.

Esta conversa continua...

29 de janeiro de 2019

Bolsonaro e a armadilha do establishment

Há vários elementos capazes de explicar a vitória de Bolsonaro em 2018. Um dos mais destacados é a guerra à base de fake news. Tão suja, quanto eficiente.

Mas talvez seja melhor dar um passo atrás para enxergar melhor o cenário. E nele destaca-se aquilo que podemos chamar de “armadilha do establishment”.

A Wikipédia descreve assim a palavra inglesa establishment:

...ordem ideológica, econômica e política que constitui uma sociedade ou um Estado. Em sentido depreciativo, designa uma elite social, econômica e política que exerce forte controle sobre o conjunto da sociedade, funcionando como base dos poderes estabelecidos. O termo se estende às instituições controladas pelas classes dominantes, que decidem ou cujos interesses influem fortemente sobre decisões políticas, econômicas, culturais, etc., e que, portanto, controlam, no seu próprio interesse e segundo suas próprias concepções, as principais organizações públicas e privadas de um país, em detrimento da maioria dos eleitores, consumidores, pequenos acionistas, etc

A façanha de Bolsonaro foi ter convencido muitos milhões de pessoas de que todos os que não o apoiavam fazem parte do establishment. Ainda que ele mesmo jamais tenha utilizado a palavra.

Políticos tradicionais e sindicalistas. Grandes corporações midiáticas e blogs de esquerda. Professores universitários e banqueiros. Bilionários e estudantes cotistas.

Seriam todos integrantes de uma elite minoritária cujos interesses são opostos ao da grande maioria que trabalha duro, paga impostos, preserva a integridade familiar e os valores religiosos.

Há muito o que fazer para sairmos dessa armadilha. Mas, só pra começar, poderíamos parar de buscar alianças com setores do tal establishment que não passam de capachos da classe dominante.

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28 de janeiro de 2019

Rosa Luxemburgo e a barbárie como opção

Neste janeiro, completam-se 100 anos da morte de Rosa Luxemburgo. No artigo “Rosa Luxemburgo, a marxista menos eurocêntrica?”, Isabel Loureiro afirma que a grande originalidade de sua obra não foi devidamente levada em conta pelo marxismo ortodoxo no século 20.

Trata-se da percepção de que:

...a pilhagem que ocorre nos países coloniais por parte do capital europeu”, que Marx restringia ao período da “acumulação primitiva”, é uma característica do capitalismo “mesmo em sua plena maturidade”. Nas suas palavras: “(…) já não se trata de acumulação primitiva, mas de um processo que prossegue inclusive em nossos dias. (…) O capital não conhece outra solução que não a da violência, um método constante da acumulação capitalista no processo histórico, não apenas por ocasião de sua gênese, mas até mesmo hoje”.

Passados cem anos, só aumentaram as evidências desse uso sistemático da violência nos processos de acumulação capitalista. Uma realidade ainda mais verdadeira para os muitos países que passaram pela catástrofe social e cultural que representou a dominação colonial.

Vários desses países estão, agora, sob governos cuja resposta a essa realidade violenta são políticas de aniquilação que atingem, principalmente, os mais pobres e indefesos. Mas não só, como mostram, no Brasil, o assassinato de Marielle e as ameaças de morte a outras lideranças de esquerda.

É preciso lembrar, porém, que Rosa foi executada covardemente em plena Europa, sede dos maiores impérios coloniais da época.

A grande revolucionária alemã dizia que a humanidade está diante da escolha entre socialismo ou barbárie. Sua própria morte é um dos muitos indicadores de que a opção dominante no capitalismo sempre foi pela barbárie.

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25 de janeiro de 2019

Quando a barbárie governa

Em 06/01/2019, Paulo Arantes, professor de Filosofia da USP, deu um depoimento, publicado no portal Sul21, afirmando que:

...a ideia de que um que país periférico como o Brasil pudesse se tornar uma democracia com desenvolvimento social “foi rifada em 64”. Essa inviabilidade vai se tornar ainda mais evidente com a eleição de Collor, em um momento em que o capitalismo vivia um processo de reestruturação produtiva em nível internacional.

Neste momento de “catástrofe nacional”, no entanto, assinala Arantes, emerge um partido de massas, renovando as energias utópicas na sociedade brasileira. Para ele, porém, essa novidade, que foi a criação do Partido dos Trabalhadores, ignorou o diagnóstico da inviabilidade de construção de um projeto nacional, estabelecido em 64. “Havíamos batido no teto e a lógica era outra. A partir do período da redemocratização, a violência passou a ser o nexo social central”, sustenta.

O difícil é encontrar algum momento da história nacional em que a violência tenha deixado de funcionar como nexo social.

No entanto, três situações dão a esse quadro cores ainda mais sombrias. Uma delas é o assassinato de Marielle. Outra, a desistência do deputado federal Jean Wyllys, do PSOL, de reassumir seu mandato devido a ameaças de morte. Por fim, a condenação de quatro militantes do MST, em outubro passado, com base na lei antiterrorismo. Esta última, como se sabe, proposta e sancionada pelo governo Dilma.

Segundo Arantes, com o PT, as esperanças em uma governabilidade minimamente civilizada ruíram. “Não se governa mais”, conclui.

Mas, de fato e definitivamente, a barbárie governa. E disputar o governo da barbárie é participar dela.

24 de janeiro de 2019

Contra os mercadores da dúvida, certezas socialistas

Os professores da UFRJ Tatiana Roque e Fernanda Bruno publicaram interessante artigo na Folha, em 18/11/2018. A preocupação do texto é enfrentar a enorme onda de desqualificação mentirosa que nega fatos objetivos e científicos consolidados.

Eles citam Naomi Oreskes, historiadora da ciência na Universidade Harvard, que escreveu com Erik M. Conway o livro "Merchants of Doubt" (“Mercadores da Dúvida”). Para esses autores, talvez seja melhor descartar verdades científicas em certos debates.

Em relação ao aquecimento global, por exemplo, uma alternativa seria:

...gerar consciência sobre o papel do homem nas mudanças climáticas promovendo valores que possam ser mais amplamente compartilhados. Trata-se uma versão adaptada da aposta de Pascal, que, em meio a debates acalorados e provas da existência de Deus, dizia: acreditar que Deus existe é mais seguro caso ele realmente exista (se ele não existir, não se perde nada; se ele existir, todos ganham).

Oreskes sugere uma estratégia análoga para a questão do clima. Se não protegermos a Terra do aquecimento global e isso realmente estiver ocorrendo por interferência do homem, as pessoas vão sofrer, e nosso mundo será irremediavelmente prejudicado.

Se isso não estiver ocorrendo, não perderemos nada, pois teremos de todo modo criado um mundo melhor, com mais cuidado com o planeta e com a natureza.

Trata-se de fazer uma aposta. A argumentação e a avaliação quanto à veracidade do aquecimento global passam a ser envolvidas, assim, por uma camada de valores.

Valores. Passamos tempo demais adiando a disputa em torno deles, enquanto esperávamos avançar usando atalhos como consumismo e empreendedorismo. Para recuperar tanto tempo perdido, só apostando alto em nossos valores. Os socialistas.

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23 de janeiro de 2019

Tempos de “gadopocalipse”

Não. “Gadopocalipse” não é uma referência a “Admirável Gado Novo”, de Zé Ramalho. Mas poderia ser, caso as redes virtuais existissem em 1979, ano de lançamento dessa bela canção.

O “Cow Clicker” é um jogo hospedado no Facebook, criado pelo pesquisador de videogames, Ian Bogost, em julho de 2010. O objetivo é obter "cliques" clicando a imagem de uma vaca a cada seis horas.

A adição de vacas de amigos ao pasto do jogador permite que ele também receba "cliques" sempre que sua vaca for clicada. Uma moeda conhecida como "Mooney" permite ao usuário comprar diferentes designs de vacas e ignorar o intervalo de seis horas entre os cliques.

Inicialmente, seu criador pretendia apenas fazer uma sátira aos jogos sociais presentes nas redes. Mas o game fez tanto sucesso que Bogost resolveu criar a fase “Cowpocalypse”. Ou “Gadopocalipse”, em tradução abusada.

Foi iniciada uma contagem regressiva, que, em setembro de 2011, terminou com o apocalipse das vacas. Todas sumiram do jogo ao mesmo tempo. Em seu lugar, apenas o pasto verde.

O problema é que muitos jogadores continuaram a clicar no vazio deixado por suas queridas mimosas. Um deles é Adam Scriven, da Columbia Britânica. Dizem que ele ainda está clicando no espaço onde sua mascote bovina costumava estar.

Segundo palavras do próprio Scriven, "é muito interessante, ficar clicando em nada. Afinal, nós já estávamos clicando em nada o tempo todo. Apenas parecia que estávamos clicando em vacas."

Pois é, antes como agora, “o povo foge da ignorância, apesar de viver tão perto dela”. Povo clicado, ê, povo feliz!

Para maiores informações, clique(!) aqui.

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O Pokemon e outras formas de ser caçado

22 de janeiro de 2019

O Facebook continua e piora os monopólios anteriores

É cada vez mais evidente o papel nocivo das redes virtuais na vida social contemporânea. E entre os vilões desse cenário, sem dúvida, está o Facebook.

Por isso, a leitura do livro “Mídia antissocial: como o Facebook nos desconecta e enfraquece a democracia”, de Siva Vaidhyanathan, pode ser esclarecedora.

Publicado em 2018 e ainda sem tradução do inglês, a obra começa advertindo que:

...as formas de mídia de entretenimento - e os próprios sistemas de distribuição - distorceram lentamente nossos hábitos mentais e atrofiaram continuamente nossa capacidade e disposição de nos envolvermos uns com os outros como cidadãos responsáveis...

Citando o pesquisador Neil Postman, Vaidhyanathan afirma:

A ascensão e o domínio da televisão na vida cotidiana de bilhões de pessoas na última metade do século XX (...) a transformaram em uma "meta-mídia", uma tecnologia que continha, estruturava, alterava e disponibilizava muitas, se não todas, as formas de mídia anteriores. A televisão tornou-se em 1985 o que o Facebook está prestes a se tornar em 2018: “um instrumento que direciona não apenas nosso conhecimento do mundo, mas também nosso conhecimento sobre formas de conhecimento”.

O autor também lembra Roland Barthes, para quem a televisão era um "mito", no sentido de nos fazer entender que o mundo não é problemático nem totalmente consciente.

Segundo Vaidhyanathan, precisamos reagir “antes que também o Facebook se torne um mito e não possamos imaginar a vida sem ele”.

Mas, para isso, é preciso entender que as grandes corporações das redes virtuais têm uma relação de continuidade com os monopólios de comunicação anteriores. E tudo indica que são ainda piores.

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Pequeno teste sobre mídias sociais

21 de janeiro de 2019

Pesquisas de opinião e estelionato eleitoral

Um “meme” circulava pelas redes durante o segundo turno das eleições presidenciais: “Eu acredito em Bolsonaro. Por isso, meu voto é Haddad!”.

Em 15/01/2019, Bolsonaro cumpriu uma de suas promessas eleitorais mais importantes e graves. O desmonte do Estatuto do Desarmamento.  

No mesmo dia, porém, o Datafolha divulgava dados mostrando que apenas alguns itens da agenda bolsonarista contam com apoio popular em percentuais próximos aos de sua votação.

É o caso do controle da imigração e da redução da maioridade penal. Já pautas como o próprio armamento da população, Escola sem Partido e alinhamento ao governo estadunidense são reprovados com percentuais próximos a 70%.

Em editorial publicado em 19/01, a Folha chega a afirmar que o núcleo principal das propostas de Bolsonaro obtém apenas 14% de apoio firme.

É tentador ver nesse descompasso um “estelionato eleitoral” que nos permitiria arrancar importantes vitórias contra o governo. Mas se aprendemos alguma coisa com as últimas eleições, foi que as avaliações que tínhamos sobre o ânimo popular se mostraram bastante equivocadas.

E deveríamos ter aprendido também que não é possível limitar nossa atuação ao interior e à cúpula das instituições para garantir a defesa dos interesses da maioria explorada e oprimida.

A principal disputa continua a ser aquela feita na vida cotidiana, nos locais de trabalho, nas iniciativas coletivas e solidárias de organização e mobilização.

O problema é que, por enquanto, estamos como os entrevistadores dos institutos de pesquisa. Vendo as partes, sem condições de enxergar o todo.

Com o agravante de que muitos de nós nem mesmo saíram a campo para começar a descobrir o que está acontecendo.

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