Doses maiores

29 de novembro de 2019

Hora de mostrar quem são os comunistas

Se Bolsonaro considera comunistas todos os que se opõem a ele, passou a hora de riscarmos uma linha demarcatória do lado de cá.

Só pra começar, comunistas são os que pretendem impor pesada taxação sobre o grande capital e patrimônios milionários. São os que exigem representação dos trabalhadores na direção de todas as empresas. Defendem a aprovação da totalidade dos orçamentos públicos em conselhos populares. Prometem um grande programa de reestatização. Querem passe livre para tudo e todos nas cidades. Auditoria da dívida pública imediatamente. Defendem o esquecido salário mínimo de R$ 4.500,00, do Dieese. Retomam a bandeira da reforma agrária radical. Querem a imediata revogação das reformas previdenciária e trabalhista.

Somente essa plataforma realmente polariza com o extremismo fanático de Bolsonaro. Não referências a liberdades e direitos abstratos para a grande maioria da população.

Ao mesmo tempo, essas propostas inviabilizam a aproximação com os conservadores tradicionais, que assistem, satisfeitos, a obra de destruição de Bolsonaro contra os movimentos populares e o conjunto da esquerda.

O objetivo é exatamente o oposto do que vêm fazendo os candidatos a adversário eleitoral de Bolsonaro. Aqueles que buscam se credenciar para governar uma sociedade que a vitória fascista provou ser ingovernável a não ser para o grande capital.

É óbvio que um programa desses não venceria as atuais eleições. Por isso mesmo, jamais seria assumido por um oposicionismo que aguarda audiência nas antessalas de instituições há muito tempo apodrecidas.

É preciso aproveitar as eleições para apresentar as verdadeiras forças comunistas. Transformar suas propostas em luta permanente para reorganizar a resistência popular e impedir sua destruição.

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28 de novembro de 2019

A esquerda, os extremos e seus valores fortes

Nas últimas semanas, estouraram rebeliões na Argélia, Catalunha, Chile, Colômbia, Equador, Haiti, Hong Kong, Irã, Iraque e Líbano.

Os estopins variam, mas a pólvora é fornecida pelo colapso econômico que começou em 2008 e não dá sinais de se esgotar. Essa crise mostra que o capitalismo está mais global do que nunca e seus piores efeitos também.

Capitais quebraram e foram generosamente socorridos. Nada parecido aconteceu com as centenas de milhões que ficaram sem trabalho ou que viram seus ganhos derretidos pelas dívidas.

Para essa massa de trabalhadores sobraram novas frustrações quanto às mais recentes promessas de prosperidade para todos. Mesmo os “mais qualificados” se tornaram escravos de aplicativos que movimentam bilhões diariamente e lhes rende alguns trocados por hora.

O fato é que o sistema vive um esgotamento radical que exige soluções radicais. O capital já apresentou as suas. Mais concentração de riqueza, violência estatal e paraestatal, injustiça social, adoecimento generalizado, colapso ambiental...

Como consequência, tudo faz cada vez menos sentido para a grande maioria da população do planeta. As inúmeras rebeliões são justas, mas seu horizonte estratégico está em disputa. Por toda a parte, a extrema direita defende os valores fortes do capital: truculência, censura, discriminações, machismo, racismo, elitismo...

Mas a esquerda eleitoral defende valores fracos. Insiste em preservar as mesmas instituições que estão causando todo esse turbilhão global. Continua a buscar alianças com setores da direita que abriram alas para suas hordas selvagens avançarem.

À crise do capital, a esquerda precisa responder com seus valores fortes. Aqueles ligados a um anticapitalismo de ruptura. Inclusive, do ponto de vista de ganhos eleitorais.

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27 de novembro de 2019

A esquerda precisa olhar para os extremos (2)

A recente guinada à esquerda dos trabalhistas ingleses é um retorno ao antigo programa do estado de bem-estar social. Uma proposta que pretendia ser um caminho sensato entre “socialismo estatal” e “capitalismo selvagem”.  

Mas essa solução meia-boca foi imposta por um cenário em cujas extremidades estavam dois arsenais atômicos capazes de destruir várias vezes o planeta.

Eric Hobsbawm chamou “Era dos Extremos” ao século do auge capitalista. Mas o capitalismo jamais abandonou o extremismo.

Os capitalistas sempre usaram o proletariado como bucha-de-canhão para resolver seus conflitos com a antiga aristocracia ou entre eles mesmos.

Às exigências dos trabalhadores, a burguesia costuma responder com massacres. Com destaque para a carnificina provocada por duas guerras mundiais e uma revolução proletária afogada em sangue.

No final do século passado, o capitalismo comemorou a dissolução da União Soviética. Seria o fim da Era dos Extremos, não fosse pelos aviões que atingiram as Torres Gêmeas.

Em praticamente todo o sul global, a democracia não passa de encenações mambembes patrocinadas pelo imperialismo. Nesses lugares, ditaduras truculentas sucedem democracias violentas e vice-versa.

Se é fundamental defender as liberdades políticas e civis, a ditadura econômica do dia-a-dia transforma as “franquias democráticas” em luxo para poucos.

Terminado o último espasmo de bonança econômica, nova onda autoritária atinge a enorme maioria do planeta. E, por aqui, muitos pretendem reagir a ela apelando aos valores democráticos da Casa Grande.

A esquerda deve olhar para os extremos porque num deles o inimigo mantêm seus cães emboscados. E no outro, fica a radicalidade da exploração e opressão, único lugar capaz de parir verdadeiras alternativas de luta.

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26 de novembro de 2019

A esquerda precisa olhar para os extremos (1)

Reestatizaremos os correios e os sistemas de ônibus, trens, água e energia, para acabar com o grande roubo que significaram as privatizações.

Forneceremos banda larga gratuitamente para todas as casas do país, criando um novo serviço público, impulsionando a economia e conectando comunidades.

Acabaremos com o banco de alimentos [um auxílio para os mais pobres] e tiraremos crianças e aposentados da pobreza. Todos terão acesso a alimentos saudáveis, nutritivos e produzidos de forma sustentável.

Aprovaremos um salário mínimo real de, pelo menos, 10 libras (55 reais) por hora para todos os trabalhadores - com direitos iguais desde o primeiro dia de trabalho. Acabaremos com a insegurança e a exploração eliminando as contratações precárias e fortalecendo os direitos sindicais.

As medidas acima são apenas algumas dentre as divulgadas em um recente manifesto do Partido Trabalhista britânico para disputar as próximas eleições.

As propostas surpreendem. Principalmente por se tratar de um partido que, no final dos anos 1990, passou a fazer enormes concessões ao neoliberalismo e tornou-se cúmplice das políticas de guerra do imperialismo estadunidense.

Mas o documento também demonstraria uma radicalidade política que a esquerda há tempos não adota em lugar algum. No Brasil, por exemplo, nenhum partido de esquerda com potencial eleitoral defende um programa geral de reestatização.

O fato é que diante de uma direita cada vez mais extremista, temos nos limitado a defender uma democracia que se revela como farsa insustentável na realidade cotidiana das grandes maiorias exploradas do país.

Ainda assim, a radicalização dos trabalhistas ingleses parece tardia. O que dizer, então, da radicalidade que nossa realidade impõe, mas insistimos em ignorar?

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Girar à esquerda sem moderação

25 de novembro de 2019

A cibernética derrota o sindicalismo estadunidense

O relato abaixo é do livro “Cyber-Proletariat”, de Nick Dyer-Witheford.

Em 1949, Norbert Wiener, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, pioneiro da nova disciplina de “cibernética”, escreveu a Walter Reuther, presidente do sindicato dos trabalhadores das indústrias automobilísticas, sediado em Detroit.

Na carta, ele diz que recebeu solicitação de uma "grande empresa" para ajudá-la a desenvolver "uma máquina de computação de pequena escala, com alta velocidade e baixo custo". Tecnicamente, Wiener considerava o projeto relativamente simples. Mas, socialmente, dizia ele, as implicações eram preocupantes. Sem dúvida, uma tecnologia dessas levaria à produção sem trabalhadores, como, por exemplo, uma “linha de montagem automática”. Desse modo, concluía, uma “situação crítica” surgirá em “dez ou vinte anos”.

Wiener recusou o pedido da empresa, mas alertou Reuther de que, no futuro, não seria suficiente adotar uma atitude "passiva". Para ele, os sindicatos deveriam adquirir os direitos sobre aquelas novas tecnologias ou fazer campanha para sua supressão.

Mas o sindicalismo que Reuther representava nunca se propôs a desafiar o controle do capital dos computadores da maneira que Wiener sugeriu.

No final da Segunda Guerra Mundial, Detroit possuía a maior renda média entre as grandes cidades do país. No final dos anos 1990, já não era a capital do automóvel. Desde a crise de 2009, a entidade perdeu 77% de seus membros.

Cibernética diz respeito à seguinte questão: quem, ou o quê, governa na era das máquinas inteligentes. Até o momento, a resposta é o capital. Mas para entender melhor esse "declínio do trabalhador coletivo de massa” será precisa olhar para o outro lado dos Estados Unidos: o Vale do Silício.

21 de novembro de 2019

Mulheres negras da família Liberdade

A historiografia costuma encontrar sérios problemas quando se trata de coletar dados biográficos sobre mulheres consideradas importantes. A adoção dos sobrenomes de seus maridos muitas vezes torna muito difícil o levantamento de sua história pessoal. Mesmo as mais destacadas, acabam tendo sua individualidade soterrada pela dos homens com quem conviviam.

Se isso é verdade para mulheres de origem europeia, imagine para as não brancas. Pior ainda, se elas foram personagens extraordinárias na luta e resistência de povos escravizados, como os negros e indígenas. Grandes exemplos dessa situação são Aqualtune, Dandara e Luiza Mahin.

Aqualtune frequentemente é descrita como mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi dos Palmares. Mas há razões para acreditar que, muito além disso, ela foi a principal figura na fundação e organização do mais famoso quilombo. Inclusive, do ponto de vista militar.

Dandara também é apontada como esposa de Zumbi. Dificilmente, ela deve ter desempenhado somente esse papel menor. Certamente, mais que mulher de um líder, ela exerceu papel fundamental à frente de uma grande comunidade sob forte cerco dos escravocratas.

Por fim, Luiza Mahin costuma ser identificada como a mãe do grande escritor abolicionista Luiz Gama. No entanto, ela participou ativamente da Revolta dos Malês, na Bahia, em 1835. E pela perseguição que sofreu, muito provavelmente, exerceu funções de direção do movimento.

Há quem diga que a exatidão científica sobre a vida dessas mulheres jamais poderá ser estabelecida. É provável que não. Afinal, é isso que interessa à ciência dos dominadores. Mas a verdade que elas representam está consolidada pelas lutas de que participaram. O sobrenome delas é Liberdade.

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20 de novembro de 2019

O racismo nas relações de consumo

“Renda equivalente não evita desigualdade racial no consumo”, diz matéria do Globo de hoje. A reportagem cita dados de um levantamento da consultoria IDados, com base na Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017/2018 do IBGE.

O estudo mostra que “negros gastam menos em serviços como educação, saúde e transporte do que brancos”. Mas que os motivos para isso não são apenas econômicos.

Marcelo Paixão, professor da Universidade do Texas, nos Estados Unidos, estuda desigualdade racial no Brasil. Segundo ele, o desconforto em consumir em ambientes dominados pela população branca, como shoppings e educação privada pode explicar esse consumo menor, mesmo com a renda semelhante.

Paixão cita, por exemplo, a dificuldade na concessão de créditos para empresários negros no país. Quase 45% das demandas desse recorte populacional não são atendidas, enquanto que somente cerca de 30% dos brancos enfrentam esse problema.

Essa situação faz lembrar a Lei Afonso Arinos, primeira a considerar crime o preconceito racial no Brasil. Ela foi aprovada em 1951, após um hotel de luxo paulista recusar hospedagem à bailarina norte-americana Katherine Dunhan.

Na prática, essa legislação restringia-se a relações de consumo. Mesmo assim, valia mais no papel que na realidade. Doze anos depois de aprovada, o marinheiro João Cândido, herói da Revolta da Chibata, teve sua hospedagem recusada em vários hotéis do centro do Rio de Janeiro.

E, como se vê pela reportagem, a situação pouco mudou.

Leia também: Preconceito racial e consumo

19 de novembro de 2019

Capitalismo cibernético e proletariado revolucionário

Capitalismo cibernético. Este conceito começou a ser discutido nos anos 1960 e a ser visto por setores da esquerda como uma nova configuração do capital, que permitiria avanços importantes na luta contra sua dominação.

Mais recentemente, muitos desses setores passaram a entender que os novos dispositivos digitais pessoais estariam colocando os "meios de produção" nas mãos da classe trabalhadora.

As aspirações utópicas do comunismo, diziam eles, poderiam ser realizadas sem conflito, dentro dos limites do capitalismo, através da auto-organização pelas mídias sociais.

Dois desses teóricos são Antonio Negri e Michael Hardt. Em 2000, eles publicaram “Império”, no qual defendiam a possibilidade de superação do capital por sua substituição digital. No lugar do proletariado, a multidão.

O problema dessas concepções é que elas não levaram em conta de modo suficiente a origem do termo “cibernética”. Ele vem de “kybernetes”, palavra grega para a atividade de governar, controlar, dirigir.

O grande colapso econômico de 2008 e as revoltas de 2011 impuseram o reexame da relação entre cibernética e luta de classes. É preciso analisar o capital cibernético tomando como ponto de partida não os conceitos de trabalhador nem de multidão, mas de proletariado.

Ser proletário é ser privado do controle sobre o processo de trabalho e o que é produzido. É ser separado das outras pessoas por relações competitivas de mercado e despojado da conexão com o ambiente natural.

São condições que de forma alguma foram superadas pelo “capitalismo cibernético” e que continuam fazendo do proletariado uma força revolucionária em potencial.

As conclusões acima são de Nick Dyer-Witheford em seu livro “Cyber-Proletariat”, ainda sem tradução. Voltaremos a ele.

Leia também: A caminho do “ciberproletariado”

18 de novembro de 2019

Corrida eleitoral rumo ao desespero social

Janio de Freitas, em sua coluna publicada na Folha em 17/11/2019, destaca o “0,1% de crescimento econômico da América Latina neste ano”. A estimativa, diz ele, foi divulgada recentemente pela Cepal, instituição mantida pela ONU para estudos da economia da região.

Segundo o colunista, entre os governantes que mais contribuem para a confirmação dessa previsão estão Jair Bolsonaro e Paulo Guedes:

Da campanha até à posse, os dois falavam em crescimento de 3%, e mesmo de 3,5% neste ano. O previsto está em 0,8%. A caminho da adesão às 17 economias, entre as 20 da região, já comprometidas com o ano de desaceleração. Mas as nossas classes altas não emitiram, até agora, nem a mais sussurrante insatisfação com algo do governo Bolsonaro. Bem ao contrário.

Ratificando o que diz Freitas, há uma recente entrevista com Dan Ioschpe, presidente do Instituto para Estudos do Desenvolvimento Industrial, entidade privada mantida pelo empresariado, que reúne 50 representantes de grandes corporações nacionais.

Para ele, provavelmente “nós nunca estivemos em uma situação em que as condições macroeconômicas se aproximavam de uma favorabilidade como a atual".“Favorabilidade”. As condições são certamente muito favoráveis para o aumento vertiginoso da exploração econômica e desigualdade social.

Chile e Bolívia estão em pé de guerra. Mas o crescimento anual da economia dos dois países ficou bem acima do nosso no último período: 2% no primeiro, 5% na segunda. Mantidas as “condições macroeconômicas” elogiadas pelo representante patronal, dificilmente o Brasil escapará de uma situação social tão ou mais desesperadora que a de seus vizinhos.

Mas há quem prefira manter-se na corrida eleitoral jamais abandonada por Bolsonaro.

Leia também: A cor da instabilidade