Doses maiores

28 de fevereiro de 2019

Tecnologia: amor, medo, luta de classes

Atualmente, poucos temas apaixonam tanto como a tecnologia. Mas as paixões envolvidas são, principalmente, amor e medo.

Em “Rua de mão única”, Walter Benjamin afirma:

...que “[a] dominação da natureza, assim ensinam os imperialistas, é o sentido de toda técnica”. Mas a essa visão ele contrapõe outra: “A técnica não é dominação da natureza: é dominação da relação entre natureza e humanidade.” Na segunda versão de seu ensaio sobre “A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica”, ele desenvolve uma distinção entre a primeira técnica, cujo fim é o sacrifício da vida, e uma segunda técnica (...) calcada no jogar junto com a natureza: “A origem da segunda técnica deve ser buscada onde o ser humano, com uma astúcia inconsciente, chegou pela primeira vez a tomar uma distância em relação à natureza. Em outras palavras, ela encontra-se no jogo. […] A primeira [técnica] realmente pretende dominar a natureza; a segunda prefere muito antes um jogo conjunto entre natureza e humanidade.” Ele nota ainda: “Justamente porque essa segunda técnica pretende liberar progressivamente o ser humano do trabalho forçado, o indivíduo vê, de outro lado, seu campo de ação (...) aumentar de uma vez para além de todas as proporções...

(Acesse aqui o comentário acima)

O jogo a que se refere Benjamin, nas sociedades divididas em classes, torna-se luta. Luta de classes. Ou como sintetiza com perfeição meu amigo de Facebook, Caio Almendra: “Tecnologia é técnica mais ideologia”.

Só a partir dessa perspectiva, podemos começar a entender o maravilhoso ou catastrófico potencial da tecnologia. A partir do amor e do medo, mas para muito além deles.

Leia também: Tempos da aceleração sem sentido (2)

27 de fevereiro de 2019

Tempos da aceleração sem sentido (2)

Em 04/02/2019, Jean-Claude Guillebaud publicou artigo no portal “La Vie”, sobre “A grande inquietude contemporânea”.

Para o jornalista e escritor francês, as mudanças por que passamos nos últimos trinta anos, por sua “amplitude e, especialmente, sua velocidade, foram suficientes para deixar todos atordoados”. Elas teriam acontecido “mais rápido do que o pensamento”.

Para o articulista:

...o colapso do Império Romano, o Renascimento, o Iluminismo ou as duas Revoluções Industriais, deram origem a outro mundo. Mas nós ainda temos dificuldades, por enquanto, para ler o atual turbilhão planetário.

Vivemos “às apalpadelas”, continua Guillebaud:

Vivemos, pela força das circunstâncias, num universo impensado, o que não significa que seja impensável. Essa opacidade faz nascer em nós mais terrores obscuros do que esperanças, mais medos instintivos do que confiança, e mais perguntas do que (...) a nossa inteligência é capaz de apreender.

Ainda segundo o texto:

As disciplinas do conhecimento, como a sociologia ou a filosofia, não tiveram tempo, por assim dizer, para forjar os conceitos que possibilitariam compreender essas mudanças. E para exorcizar a ansiedade que elas inspiram.

“Nosso entendimento do mundo não está ‘em pane’. Está atrasado”, conclui Guillebaud.

Muito interessante. Mas corre o risco de sugerir que basta que o conjunto do conhecimento humano alcance a velocidade da vida contemporânea para dar conta de sua angustiante inquietude.

Na verdade, seria preciso encontrar um rumo radicalmente diferente para a humanidade. Um que torne possível que sejamos nós a decidir a velocidade dos acontecimentos e não o contrário.

Um passo importante nessa direção seria entender melhor qual é, afinal, o papel da tecnologia. Tentaremos fazer isso na próxima pílula.

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Tempos da aceleração sem sentido
Sobre esquisitões e Inteligência Artificial

26 de fevereiro de 2019

Tempos da aceleração sem sentido

Parece inegável que vivemos tempos extremamente acelerados. Uma percepção que teria origem na frenética circulação da informação. Da informação, não do conhecimento. Este é produto da elaboração da primeira. Processo a que cada vez menos pessoas podem se dedicar.

E nem falemos da sabedoria, produto de uma compreensão da realidade que vai muito além de sua racionalidade. Exige um tempo ainda menos compatível com os atuais canais de comunicação, tão alucinantes na velocidade quanto superficiais na qualidade.

Uma explicação para este fenômeno tem raiz em um sistema econômico que recompensa a troca apressada de valores quantitativos e pune a reciprocidade ponderada de experiências qualitativas.

Essa lógica tem levado a reviravoltas tecnológicas tão frequentes que dificultam sua apreensão pela grande maioria. Por exemplo, do arado ao trator passaram-se uns 5 mil anos. Já da calculadora eletrônica ao smartphone, cerca de 70 anos. No primeiro caso, centenas de gerações. No segundo, algumas.

É o que alguns chamam de lacuna geracional, que vinha se alargando a cada ano. Agora, podem ser meses. Rapidamente tornam-se obsoletos não apenas saberes, mas ocupações. O mesmo mundo que impôs o trabalho como o sentido da vida, priva de sentido bilhões de vidas.

Daí o surgimento das mais variadas moléstias. As do corpo, mas principalmente as do espírito. As pessoais, mas perigosamente as sociais. E cada vez mais desastrosamente, as políticas.

Tudo isso diz respeito ao domínio da técnica sobre a vida. Mas em “Rua de mão única”, Walter Benjamin lembra que “a técnica não é dominação da natureza: é dominação da relação entre natureza e humanidade.”

Voltaremos ao tema, o mais rápido possível...

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25 de fevereiro de 2019

Do menos pior ao muito ruim, rumo a mais derrotas

A janela de Overton é um conceito que descreve como certas ideias passam a ser toleradas em determinados contextos. O nome é derivado de seu criador, Joseph P. Overton, professor do Centro de Políticas Públicas de Mackinac, Michigan, Estados Unidos.

Segundo essa teoria, a aceitação de algumas ideias depende menos das preferências dos políticos e mais da capacidade de torná-las aceitáveis pela opinião pública.

A extrema-direita afirma que esse mecanismo é utilizado pela indústria cultural para normalizar taras sexuais e ideias esquerdistas através de novelas e filmes. Pura bobagem.

Mas a teoria pode ajudar a entender como antigas posições politicamente ruins vêm se transformando em alternativas razoáveis. O fator decisivo nessa metamorfose entre nós foi a eleição de Bolsonaro.

Diante de tamanho desastre, tudo seria menos ruim. A janela passa a iluminar valores conservadores enquanto as posturas mais à esquerda vão perdendo visibilidade. Desse modo, o general Mourão seria preferível à lunática família do presidente. Ou a Globo, menos pior que o SBT.

Enquanto isso, organização de base, jornadas de lutas, manifestações, greves vão sendo esquecidas como instrumentos de resistência.

Claro que a situação exige as alianças mais amplas possíveis. Mas uma coisa é buscar todo o tipo de apoio para defender conquistas importantes para a grande maioria. Outra é se juntar àqueles que sempre combateram essas mesmas conquistas.

Recentemente, o deputado federal Alessandro Molon (PSB), da oposição, brincou: “Este governo está se enrolando sozinho. Por enquanto, nossa maior tarefa é não atrapalhar”.

Mas se continuarmos a limitar nossos movimentos aos deslocamentos da janela de Overton, nossa maior tarefa será assistir passivamente a muitas outras derrotas.

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Sob as patas de Bolsonaro

22 de fevereiro de 2019

A guerra de guerrilhas do clã Bolsonaro

Logo após demiti-lo, Bolsonaro divulgou um vídeo elogioso a Gustavo Bebianno. Mas o pronunciamento não apareceu nas redes virtuais dos bolsonaristas mais fiéis.

Ao contrário, reportagem de Daniela Lima, publicada na Folha em 20/02/2019, relata que filhos e pessoas próximas a Bolsonaro retrataram Bebianno como traidor, agente infiltrado, quinta coluna, conspirador aliado à “grande mídia”...

A conduta corresponde ao que diz Pedro Dória em artigo publicado no Globo, em 24/01/2019. Segundo ele, a estratégia digital do clã Bolsonaro busca alcançar objetivos muito claros. Um deles é:

...agir sobre as conversas, interromper o diálogo. Qualquer um que critique o presidente é imediatamente inundado de respostas, em geral ataques duros e com poucas palavras até para padrões do Twitter. E a enchente de respostas torna impossível filtrar no meio quais os comentários interessantes, quem de fato buscava o diálogo. Ataques sistematizados assim, nos quais a turba é orientada a apontar para uma pessoa e bombardear, correspondem a uma das formas modernas de censura. Cala-se não proibindo a fala, mas fazendo com que ela desapareça no ruído.

Mas o mais importante nisso tudo é “municiar de argumentos sua própria militância quando precisa lidar com críticas”. E, com isso, mantê-la “em constante estado de alerta”.

Ou seja, trata-se de manter um grupo de fanáticos em constante mobilização para travar uma espécie de guerra de guerrilhas. Tendo entre seus principais alvos não apenas a oposição, mas a grande mídia e outros setores da burguesia não totalmente alinhados ao governo.

Não temos nada a aprender com o fanatismo e as mentiras bolsonaristas. Mas alguma coisa sobre guerras de guerrilhas pelas redes, talvez.

Leia também: As famílias como hospedeiras de fake news

21 de fevereiro de 2019

Bolsonaro e petismo num perigoso jogo de espelhos

Bolsonaro foi eleito aproveitando-se de um forte sentimento antipetista. Grande parte de sua sustentação política vem dessa imagem como reflexo negativo do petismo.

Mas é tentador enxergar outros efeitos de espelho na cena política atual. Tal como o primeiro governo petista, o atual também assume precisando se mostrar confiável para a grande burguesia.

Erroneamente, Lula era visto como sindicalista incendiário pelo patronato. O ex-capitão sempre fez pose de estatista e defensor dos servidores militares. Como o petista, ele também tem uma “fama de mal” da qual precisa se livrar.

Em 2003, Lula apresentou uma proposta de Reforma da Previdência como prova de seu compromisso com a continuidade da ortodoxia econômica neoliberal. Agora, Bolsonaro faz o mesmo.

A reforma do governo Lula atacou principalmente direitos de servidores públicos. Ótimo sinal para o “mercado”. Bilhete de continuidade no poder renovado. Provisoriamente, claro.

Se eliminar os direitos previdenciários para a grande maioria da população, Bolsonaro também poderá desfrutar de algum sossego. Verá abafadas as denúncias que pipocam sobre suas laranjadas e minimizadas as negociatas que vem fazendo.

Tal como os petistas passaram a conciliar com a velha classe política sob pretexto de continuar no poder, Bolsonaro não consegue esconder sua ligação com o que há de mais velho na política. De torturadores corruptos a corruptos torturadores.

Assim funciona o grande show ilusório da dominação capitalista. Mas se o jogo de reflexos petista era menos enganoso, o atual é como o daquelas salas espelhadas dos parques de diversão. Diante das múltiplas imagens falsas que distraem o público, poucos notariam caso um incêndio começasse a devorar tudo à sua volta.

20 de fevereiro de 2019

O bode de estimação do Facebook

A Cambridge Analytica é uma empresa que analisa os dados disponíveis nas redes virtuais. Ficou famosa por trabalhar para as campanhas de Donald Trump e do Brexit, pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Sua atuação foi considerada decisiva para a vitória em ambas os casos. Mas há quem ache que a ação da empresa funcione apenas como cortina de fumaça para ocultar um ator bem mais poderoso: o Facebook.

Entre os adeptos dessa hipótese está Siva Vaidhyanathan, que a defende em seu livro “Mídia antissocial: como o Facebook nos desconecta e enfraquece a democracia”.

No caso das eleições estadunidenses, ele relata que a Cambridge trabalhou para Ted Cruz, rival de Trump na disputa pela indicação como candidato republicano.

O problema era a qualidade das previsões da empresa. A margem de erro na identificação de eleitores republicanos como apoiadores da Cruz beirava os 50%. Resultado, Trump ganhou a indicação.

Vaidhyanathan cita o cientista político David Karpf, segundo o qual “não há evidências de que a Cambridge Analytica tenha resolvido os problemas com a aplicação de seu modelo psicométrico ao comportamento dos eleitores”.

Alexander Nix, um alto executivo da empresa, chegou a admitir que a campanha Trump jamais implementou o perfil psicométrico da Cambridge. Para quê, pergunta o autor, se já havia o Facebook para fazer todo o trabalho sujo?

Em março de 2018, o Facebook baniu a empresa. Mas há fortes sinais de que a turma de Zuckerberg já sabia de suas violações legais há dois anos. Aparentemente, a cortina de fumaça havia perdido sua utilidade.

Como dizemos por aqui, tiraram o bode da sala.

Leia também: O Facebook apoia um candidato a Hitler nas Filipinas

19 de fevereiro de 2019

No lugar do lucro, a reciprocidade. Sim, é possível

Os defensores do capitalismo dizem que não há outro comportamento possível na vida em sociedade se não o individualista, competitivo, movido pelo lucro.

Em sua clássica obra “A grande Transformação”, Karl Polanyi mostra a falsidade dessa ideia. Aristóteles, lembra ele, já denunciava a produção voltada para o lucro “como não natural ao homem”

Em muitas sociedades tribais, afirma Polanyi:

...o valor atribuído à generosidade é tão grande em termos de prestígio social que faz com que qualquer outro comportamento que se afaste do altruísmo não seja compensador.

Cita como exemplo os trobriandeses, povo da Melanésia Ocidental, em cuja sociedade:

...a ideia de lucro é rejeitada, regatear é objeto de reprovação, a dádiva gratuita é aclamada como uma virtude e não se manifesta a propensão para negociar, permutar ou trocar umas coisas por outras. O sistema econômico é, na realidade, uma simples função da organização social.

Entre eles, o cerimonial mais importante é o “comércio do kula”. Trata-se de:

...um dar e receber organizado de objetos de valor transportados por longas distâncias pode e deve ser apropriadamente descrito como comércio. E todavia, todo este complexo é governado exclusivamente em termos de reciprocidade.

O ritual “cobre centenas de quilómetros e várias décadas, ligando centenas de pessoas em torno de milhares de objetos estritamente individuais”. Tudo sem livros de registro, administração, lucros ou negócios.

Sociedades como a trobriandesa existiram e existem muitas. Nelas vigora a reciprocidade no lugar da “propensão para a troca”. Ainda daremos um jeito de trocar a primeira pela segunda. E a grande maioria da humanidade verá que só tem a lucrar muito com isso.

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A turbulenta infância da espécie humana

18 de fevereiro de 2019

Reforma da Previdência e luta de classes

Em 2011 82% dos idosos brasileiros estavam protegidos pela Previdência Social. Entre 2001 e 2011, a Previdência Social contribuiu com 17% para a queda da desigualdade medida pelo índice de GINI.

Entre 2009 e 2011, pela primeira vez, os rendimentos da previdência contribuíram em 55% para a queda da desigualdade, ultrapassando a contribuição do mercado de trabalho.

Graças à Previdência, o percentual de pobres no País é de cerca de 30%. Seria de 42%, caso não houvesse as transferências previdenciárias.

Para mais detalhes sobre esses números clique aqui.

Apesar de tudo isso, claro que o sistema público de previdência nacional tem muitos e graves erros e distorções. Mas não é por eles que a Reforma da Previdência tornou-se o teste de todos os governos desde o fim da ditadura.

Afinal, são cerca de R$ 700 bilhões de um orçamento que o mercado sonha colocar sob seu controle total.

Collor não conseguiu fazer a reforma. Não durou muito. FHC fez tudo certo, principalmente ao acabar com a aposentadoria por tempo de serviço.

Já Lula, no começo de seu primeiro governo, aprovou uma reforma previdenciária cortando mais direitos. Era a garantia inicial de que respeitaria a ortodoxia econômica neoliberal. Durou bem mais tempo que Collor.

Agora é a vez de Bolsonaro. Todo o caos que representa seu governo de quadrilheiros rasos será esquecido caso entregue a reforma previdenciária. E será um primeiro passo para novos ataques. Talvez, piores.

É muito dinheiro em jogo para eles. Para nós, está em questão a defesa de direitos, envolvendo dignidade na vida e na morte. Portanto, é luta de classes também.

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Sarney e Lula: pela governabilidade, contra a Constituição

15 de fevereiro de 2019

Ei, você, a Neflix tem ideologia, sabia?

Em 13/02/2019, Ezequiel Rivero, pesquisador da Universidade Nacional de Córdoba, Argentina, publicou interessante artigo sobre a Netflix no portal Página/12.

Segundo ele, a grande promoção de conteúdos como “Narcos”, “El Chapo” ou “O Mecanismo”, gerou suspeitas quanto à linha editorial adotada pela Netflix na América Latina. Um levantamento descobriu que dos 90 títulos de séries oferecidos para sete países da América Latina e Caribe, trinta abordam temáticas vinculadas com crime organizado, narcotráfico, corrupção política e violência social. Mas, diz Rivero, esses números são mais reveladores se levarmos em conta que são os conteúdos mais divulgados e com maior relevância ou visibilidade dentro do catálogo.

Em meio a sua imensa vastidão e fragmentação, o que diferencia a Netflix é precisamente a personalização, afirma. Ou seja, a formação de “silos culturais” que transcendem nacionalidades e que a empresa consegue criar com a ajuda de um fantástico e opaco trabalho de automatização de seu funcionamento. Assim, consegue ser muitos serviços ao mesmo tempo e cada usuário terá mais possibilidades de ver “sua Netflix”, ignorando, em geral, as outras opções do catálogo total.

Ainda que se mostre imprevisível, aleatória e nos envolva por horas em sua amigável interface, a Netflix, sabe muito bem como induzir o gosto de seus assinantes. Cada vez fica mais claro que por trás de caracterizações tão assépticas como “plataforma” ou “aplicativo”, esconde-se uma empresa de meios audiovisuais que toma decisões editoriais, tem ideologia e influencia na formação da opinião pública, conclui Rivero.

Deveria ser óbvio, mas nossas incessantes interações com telas nada inocentes andam nos cegando para as coisas mais óbvias.

Leia também: Jornada de trabalho e vampirização de almas

14 de fevereiro de 2019

O Facebook apoia um candidato a Hitler nas Filipinas

Rodrigo Duterte é uma espécie de Bolsonaro das Filipinas. Eleito presidente em 2016, afirmou durante sua campanha eleitoral:
Hitler massacrou três milhões de judeus. Há três milhões de viciados em drogas nas Filipinas. Eu ficaria feliz em massacrá-los.
Sua chegada ao poder é mais uma história suja envolvendo o Facebook, relatada no livro “Mídia antissocial: como o Facebook nos desconecta e enfraquece a democracia”, de Siva Vaidhyanathan.

Segundo Vaidhyanathan, em 2015, as Filipinas convidaram o Facebook a oferecer seu serviço “Free Basics”, que permite acessar suas páginas sem desconto no pacote de dados das operadoras.

Com isso, o Facebook tornou-se o único serviço de mídia importante nas Filipinas. Um país com mais de 105 milhões de habitantes, rico em recursos naturais e com uma corajosa história de resistência anticolonial.

A campanha de Duterte foi fortemente centrada em postagens falsas, caluniosas e cheias de ódio no Facebook. Faltando um mês para a eleição, ele ocupava 64% de todas as conversas relacionadas às eleições na rede de Zuckerberg.

Apenas o Facebook teve permissão para transmitir a posse presidencial.

Poucas semanas após Duterte assumir, policiais ou milicianos já haviam executado quase 2 mil suspeitos de ligação com o tráfico. Até novembro de 2018, eram mais de 12 mil mortos dessa maneira.

Nada disso impediu que Zuckerberg mantivesse e ampliasse sua parceria com o governo filipino. Afinal, por meio dela, o Facebook financiará links submarinos para facilitar os fluxos de dados digitais para a Ásia Oriental e o Pacífico Sul.

Desse modo, o Facebook confirma que, tal como aconteceu com Hitler, ao grande capital pouco importa que milhões possam morrer.

Leia também: Facebook, um psicopata de 15 anos

13 de fevereiro de 2019

A grande transformação e a grande escolha

“A grande Transformação” é um clássico da história econômica. Escrito por Karl Polanyi, o livro foi publicado em 1944. O mundo começava a sair da Grande Guerra e o pensador húngaro tentava entender o que dera tão errado.

Segundo introdução escrita por Diogo Ramada Curto, Nuno Domingos e Miguel Bandeira Jerónimo para uma edição portuguesa de 2010:

A grande transformação teria consistido na libertação dos mercados do controle das instituições sociais e, ao invés, na determinação da economia, das próprias instituições sociais e, tendencialmente, de todos os aspectos da vida social e humana pelos padrões da troca mercantil.

Nesse sentido, os regimes totalitários representariam um “ricochete violento das massas humanas contra a desumanização da sociedade pela lógica mercantil”, dizem eles.

Já nas palavras do próprio autor, a “verdade é que o papel desempenhado pelo fascismo foi determinado por um único fator: a situação do sistema de mercado”.

Entre 1924 e 1929, diz Polanyi, quando o restabelecimento do sistema de mercado parecia assegurado, o fascismo apagou-se completamente enquanto força política. A partir de 1930, a economia de mercado mergulhava numa crise geral. Passados poucos anos, o fascismo se transformaria em força mundial.

Ou seja, o fascismo é uma resposta à crise provocada pela lógica avassaladora da mercadoria imposta à sociedade. A pior das respostas. A outra possível é o socialismo, defende Polanyi. Ainda que o socialismo dele fosse diferente daquele defendido pelos marxistas.

De qualquer maneira, antes como agora, uma profunda crise toma dimensões ainda mais planetárias. E a grande escolha continua a ser entre a barbárie fascista e o socialismo.

Continuaremos a comentar essa importante obra.

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Dez anos de uma crise que não terminou

12 de fevereiro de 2019

Facebook, um psicopata de 15 anos

O Facebook acaba de completar 15 anos. Comporta-se cada vez mais como um perigoso jovem psicopata do que como um adolescente desastrado. É o que mostra mais um relato do livro “Mídia antissocial: como o Facebook nos desconecta e enfraquece a democracia”, de Siva Vaidhyanathan.

Bem antes de Trump, veio a Índia. O país tem o maior número de usuários do Facebook, com mais de 250 milhões. Nas eleições de 2014, a poderosa rede virtual foi fundamental para a eleição do primeiro-ministro Narendra Modi, do Partido Bharatiya Janata (BJP).

O BJP pertence a um movimento nacionalista, cujo maior objetivo é transformar o país em uma teocracia hindu. Além disso, Narendra Modi construiu grande parte de sua candidatura sobre a discriminação aos muçulmanos indianos, cuja população é a segunda maior do mundo.

Foi sob o governo de Modi no estado de Gujarat, em 2002, que ocorreu um grande massacre de muçulmanos. Das mais de mil pessoas mortas, 790 eram islâmicas.

Além disso, grande parte do eleitorado de Modi identifica-se com posturas machistas, desprezando as constantes agressões e violações sexuais sofridas pelas mulheres indianas.

Nada disso impediu que a equipe do Facebook trabalhasse diretamente com o comitê eleitoral do BJP durante a campanha de Modi.

Para um candidato ligado a forças violentas e nacionalistas, o Facebook era ideal. As mensagens mais violentas e carregadas de ódio circulavam abaixo da visão de jornalistas e observadores internacionais.

Há outros e piores exemplos da atuação política do Facebook. É o caso do apoio ao presidente Rodrigo Duterte, das Filipinas. Mas fica para a próxima.

E nada de parabéns para o Facebook!

Leia também: No Facebook, a sincera amizade da intolerância