Doses maiores

31 de maio de 2013

Os neoliberais e a inflação realmente perigosa

Os neoliberais costumam se apresentar como libertários. Campeões da luta contra o autoritarismo estatal. Mas, na verdade, defendem outro tipo de autoritarismo: o da liberdade de mercado. É como disse Marx em “O Capital”: “A concorrência impõe a cada capitalista as leis imanentes do modo capitalista de produção como leis coercitivas externas”.

Se as leis do mercado são coercitivas em relação aos próprios capitalistas, o que dizer sobre aqueles que são por eles explorados. Um século e meio depois da publicação do livro de Marx, podemos enxergar isso muito mais claramente.

É só abrir os jornais e ver as expectativas que cercam as periódicas decisões do Banco Central, aqui e em muitos outros países. Estes minúsculos comitês decidem o destino de dezenas de milhões de vidas. São compostos por meia dúzia de pessoas, nenhuma delas eleitas pelo voto direto.

Portanto, o Estado não é o oposto autoritário de uma sociedade libertária. É a garantia do autoritarismo econômico que preserva os interesses de poucas e poderosas empresas. Governos e parlamentos limitam-se a aprovar medidas recomendadas pelas “autoridades monetárias” que só agravam o desemprego e a miséria.

A favor dos neoliberais, apenas o fato de que escancaram o verdadeiro espírito da democracia capitalista. A inflação realmente perigosa não é aquela que desvaloriza a moeda. É a que dá a cada cédula de dinheiro o valor de milhares de cédulas eleitorais.

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A cigarra grega nas garras das formigas capitalistas

29 de maio de 2013

Aos “caras pálidas” de todas as cores

Um grupo de 170 indígenas voltou a ocupar o canteiro de obras da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em Vitória do Xingu, Pará. Lançaram o manifesto “Governo federal, nós voltamos”.

Eles já haviam ocupado o local por 8 dias, no início deste mês. Saíram sob a garantia de que seriam ouvidos pelo governo federal. Diante da quebra da promessa, os indígenas retornaram, muito a contragosto: “Não queríamos estar de volta no seu deserto de buracos e concreto”, disseram.

Mas não tiveram escolha. Como dizem:

Temos que lutar contra barragens que inundam os nossos territórios, que cortam a floresta no meio, que matam os peixes e espantam os animais, que abrem o rio e a terra para a mineração devoradora. Que trazem mais empresas, mais madeireiros, mais conflitos, mais prostituição, mais drogas, mais doenças, mais violência.

Também denunciam as mentiras sobre conflitos com os trabalhadores das obras. “Aqui no canteiro nós jogamos bola juntos todos os dias”, diz o manifesto. Por fim, avisam:

Temos o apoio dos indígenas de todo o Xingu. Temos o apoio dos Kayapó. Nós temos o apoio dos Tupinambá, Guajajara, Apinajé, Xerente, Krahô, Tapuia, Karajá-Xambioá, Krahô-Kanela, Avá-Canoero, Javaé, Kanela do Tocantins e Guarani. E a lista está crescendo.

Os portugueses costumavam aproveitar as guerras entre esses povos para dominá-los. Agora, o governo dos brancos está conseguindo uni-los com seus projetos destruidores. Mas a luta é extremamente desigual. Tropas federais fortemente armadas garantem os interesses das grandes empresas. 

Por isso, a causa indígena precisa de todo o apoio de quem tem um mínimo de vergonha em suas “caras pálidas”.

28 de maio de 2013

A quem serve a poderosa Dilma

Dilma Rousseff foi eleita a segunda mulher mais poderosa do mundo pela revista Forbes. Uma classificação que deveria envergonhar qualquer liderança que se diz de esquerda. Ainda mais quando a primeira colocada é Angela Merkel, campeã do neoliberalismo mundial.

Logo depois, ficamos sabendo que o Brasil registrou em 2012 o maior número de greves dos últimos 16 anos. É o que mostra um levantamento feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).

O número pode até ser animador. Muitas greves indicam uma classe trabalhadora confiante e exigente. Mas há um detalhe feio. O setor público foi responsável por quase metade das greves, mesmo empregando cerca de 12% dos trabalhadores.

O fato é que os patrões do setor público recusam-se a negociar até que não reste outra alternativa que a paralisação. Iniciada a greve, continuam a ignorar os grevistas por 30, 60, 90 dias. E, mesmo assim, a pesquisa indica que somente metade deles têm suas reivindicações atendidas integralmente.

As greves do nível federal representam apenas 4% das paralisações no setor público. Mas o tratamento autoritário e intransigente pouco difere daquele dispensados por governantes tucanos, por exemplo. Neste caso, são todos 100% parecidos.

O pior é que essa atitude afeta diretamente a população pobre. Não só pela falta de serviços essenciais. Também contribui para reforçar o discurso privatizante da direita exatamente entre as maiores vítimas da destruição dos serviços públicos.

Seria errado caracterizar o governo petista como neoliberal. Mas o tratamento que dispensa aos servidores públicos certamente lembra o governo alemão. Nesse vergonhoso campeonato, Dilma e Merkel parecem muito próximas.

Leia também: As privatizações de Dilma

27 de maio de 2013

As privatizações de Dilma

Em 13/05, várias entidades do movimento popular e sindical publicaram a “Carta à presidenta Dilma contra os leilões do petróleo e a privatização das hidrelétricas”. O documento queria o cancelamento dos leilões de petróleo previstos para 14 e 15 de maio.

Porém, os leilões foram realizados e 289 blocos de exploração de petróleo foram entregues ao setor privado. Renderam R$ 2,8 bilhões por reservas estimadas em mais de R$ 1 trilhão. São pelo menos 13,5 bilhões de barris à disposição de grandes exploradores de trabalho humano e do meio ambiente.

Mas o governo petista não se dedica apenas a privatizações escancaradas. As constantes e permanentes isenções fiscais para empresários representam uma privatização indireta de recursos públicos. O financiamento do MEC de vagas em universidades privadas é outro exemplo dessa prática. 

Já na Saúde Pública, a mais recente medida foi a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. A empresa é pública, mas de direito privado e contrata trabalhadores somente pela CLT. Começou a ser implantada nos hospitais universitários e já está fazendo estrago ao adotar critérios empresariais de gestão. O próximo passo é fazer o mesmo com os hospitais federais.

Não há proposta para atender clientes de planos de saúde na rede pública. Mas nem é preciso. O SUS já vem ampliando esse atendimento há muitos anos. Em 2012, foram mais de as 276 mil internações desse tipo, a um custo de R$ 537 milhões. Desse total, nem 100 bilhões foram reembolsados.

A carta dirigida a Dilma terminava assim: “Sem mais, aguardamos resposta”. A resposta veio sem meias palavras, mesmo para mau entendedor.

24 de maio de 2013

E nós com Bangladesh?

No final de abril, uma fábrica desabou em Bangladesh matando mais de 1.200 trabalhadores têxteis e ferindo outros 2 mil. Reportagem de Jamil Chade publicada pelo Estadão, em 20/05, traz algumas informações importantes sobre o caso.

O pequeno país asiático é o segundo maior produtor têxtil do mundo, com 3.500 empresas exportadoras, 4 milhões de trabalhadores e investimentos externos no valor de US$ 19 bilhões. O resultado são lucros de US$ 1 trilhão anuais.

As razões por trás de tanta prosperidade? 90% dos trabalhadores do setor recebem US$ 1,1 por dia e leis trabalhistas inexistem. Afinal, cerca de 70 parlamentares do país são donos de empresas têxteis.

Entre os destroços do prédio foram encontradas etiquetas ensanguentadas da Benetton e da Kik. Mas o sangue respingou em outras grande grifes. É o caso de H&M, Zara, Hennes & Mauritz PVH, Tchibo, Tesco, Marks & Spencer, El Corte Inglés, Mango, Carrefour, Esprit e C&A.

Depois da tragédia, representantes dessas gigantes se comprometeram a investir na segurança das fábricas. Mas também culparam a corrupção do governo de Bangladesh pelas muitas irregularidades. Como se este não fosse outro elemento importante para os baixos custos da produção no país.

Enquanto isso, na capital Daca, pelo menos mil fábricas estão paralisadas pelos protestos de trabalhadores e seus familiares. A repressão policial é violenta, mas, nesse caso, ninguém reclama do governo.

E nós com tudo isso? Notícia na mesma edição do jornal responde: “Brasil amplia compras de produtos de Bangladesh”. Desde 2005 o volume de comércio entre os dois países aumentou 26 vezes e chegou a US$ 185 milhões, em 2012.

Leia também: Escravidão de grife

23 de maio de 2013

Crise capitalista: jogo de cartas marcadas

Luiz Carlos Mendonça de Barros publicou artigo arriscado no Valor, em 20/05. Um dos principais responsáveis pelas privatarias tucanas, o ex-ministro das comunicações afirma no título: “Crise global em seus últimos capítulos”.

As razões para tanto otimismo? Seriam dois eventos, segundo ele. Primeiro, a redução do déficit público nos Estados Unidos de 6% para 4% do PIB, no primeiro trimestre deste ano. Segundo, a leve reação da economia japonesa, que teve ligeiro crescimento do PIB depois de duas décadas empatada no zero.

Ele também conta com a manutenção do crescimento chinês mais ou menos no mesmo ritmo atual. Mas não cita a recessão que já toma conta de nove dos 17 países da Zona do Euro. Os que cresceram, ficaram pouco acima do zero. O resultado é uma taxa de desemprego acima dos 12% da população na região, em média.

Na mesma edição, o artigo “Retomada industrial nos EUA", de Marcello Averbug, apresenta uma visão diferente sobre a reação americana. Admite um certo crescimento industrial no país, mas adverte que isso não contribui para amenizar “o agravamento da iniquidade social” ou garantir taxas elevadas de crescimento do PIB. Portanto, não é suficiente para impedir novas “ondas recessivas”.

De que lado estaria a razão? Difícil saber, mas uma coisa é certa. Seja no cenário mais otimista, seja no pessimista, as consequências já são trágicas para a grande maioria das populações afetadas.

Em seu texto, Mendonça de Barros avisa: “não apostem contra o capitalismo”. Ele sabe do que está falando. As cartas, o dados, as roletas estão viciados desde o início do jogo, há uns 200 anos.

22 de maio de 2013

Fazer viver, deixar morrer

“Fazer morrer, deixar viver. Fazer viver, deixar morrer”. Estas atitudes opostas representam duas formas de dominação, segundo Michel Foucault em seu livro “Em defesa da sociedade”.  A primeira corresponderia ao poder soberano dos reis. A segunda, ao poder disciplinador das sociedades atuais.

Um rei podia fazer seus súditos morrerem quando bem entendesse. Afinal, vidas humanas pertenciam aos domínios soberanos como tudo mais presente em seus territórios. Mas se não houvesse razão para se livrar deles, deixava que vivessem do modo que pudessem.

Atualmente, não interessa à maioria dos governantes mandar matar seus governados. O mais importante é determinar como eles devem viver. Principalmente, de que forma devem se comportar para servir à reprodução do capital.

É por isso que tudo deve estar sujeito a leis, regras, regulamentos, prescrições. Para cada doença, um remédio. Para cada tarefa, um treinamento. Para cada saber, um manual. Tudo em escala populacional. É o que Foucault chamava de biopolítica.

Um dos fenômenos típicos dessa forma contemporânea de dominação é a medicalização da vida. Um exemplo recente foi a publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais dos EUA. Publicado pela Associação Americana de Psiquiatria, o livro traz uma lista de mais de 300 patologias.

São tantas “doenças”, que dificilmente alguém poderia ser considerado “saudável”. Na verdade, a insanidade está no ritmo que a sociedade contemporânea nos impõe. Um estilo de vida que fabrica a doença para vender o tratamento. Aos que não se ajustam, resta a morte, simbólica ou real.

Antes, os reis podiam castigar seus súditos com a morte. Os atuais poderosos só precisam nos condenar à vida.

21 de maio de 2013

O capitalismo é viciado em guerras

Há uma polêmica entre os marxistas sobre o papel dos gastos armamentistas na economia capitalista. Principalmente, quanto a seu papel na redução da tendência de queda na taxa de lucro enfrentada pelo sistema.

Mas a quantidade de guerras por que vem passando o planeta desde a consolidação do capitalismo não deixa dúvidas. Investimentos bélicos são parte integrante de sua economia. E um recente artigo publicado no Valor aborda isso de maneira muito clara.

Trata-se do texto de Sergio Lamucci, publicado em 20/05, sob o título “Economia dos EUA sofre com corte de gastos militares”. Segundo o autor, a queda de gastos com armamentos estaria causando “um impacto negativo sobre o crescimento da economia, tendência que deve se manter ao longo dos próximos anos”.

Os cortes nesse tipo de despesa seriam causados, principalmente, pela retirada das tropas americanas do Iraque e a possível saída do Afeganistão em 2014. O artigo diz que a redução pode retirar 0,3% da expansão do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e mais 0,3% no ano que vem.

Lamucci lembra que os “gastos federais com defesa subiram com força entre 2001 e 2010”, após os atentados de 11 de setembro. Em 2000, elas representavam cerca de 3,7% do PIB, chegaram aos 5,7% em 2010 e recuaram para 4,8% no primeiro trimestre deste ano.

Como se vê, o caso americano comprova uma espécie de dependência química do capitalismo em relação às armas. Vício que alimenta as corporações da guerra, mas faz vítimas entre os povos do mundo todo, incluindo as próprias tropas imperialistas.

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20 de maio de 2013

A ilusória agonia do imperialismo

Ignacio Ramonet publicou “O mundo em 2030” na Carta Maior, em 16/05. O artigo cita algumas conclusões de um documento elaborado pela CIA chamado “Tendências mundiais 2030: novos mundos possíveis”. Trata-se de um relatório entregue aos presidentes americanos a cada início de mandato.

Entre as muitas constatações do documento estaria o “declínio do Ocidente”. Por “Ocidente” entenda-se Alemanha, Reino Unido, França e o nada ocidental Japão. Potências que estariam perdendo participação na economia mundial. Enquanto isso, países como China, Índia, Brasil, Rússia, África do Sul estariam em ascensão.

E ainda haveria o surgimento de novos ”polos hegemônicos regionais”. Seria o caso de Colômbia, Indonésia, Nigéria, Etiópia, Turquia e Vietnã. Desse modo, estaria se configurando um “mundo multipolar”, em que “novos atores” poderiam “disputar a supremacia internacional a Washington e aos seus aliados históricos”, diz Ramonet.

Mas, afinal, o que significa “disputar a supremacia internacional” se não competir pelos mercados mundiais? Imperialismo não é sinônimo de dominação por parte de impérios nacionais. É a forma como o sistema capitalista funciona em nível mundial. No ocidente e no oriente.

Os tais “novos atores” estão apenas lutando por uma participação maior no saque aos povos e recursos do planeta. Aliás, a China já vem assumindo esse papel claramente. Inclusive, avançando sobre regiões de interesse da economia brasileira. Entre elas, a América do Sul, que o capital que tem sede aqui considera seu quintal.

Que a CIA esteja preocupada é natural. Que o relatório mostra contradições que devem ser aproveitadas pelas forças anticapitalistas é inegável. Mas que setores da esquerda estejam comemorando uma suposta agonia do imperialismo é miopia.

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17 de maio de 2013

O Globo e o progresso racista da sociedade brasileira

Em 12/05, o Globo publicou matéria sobre a trajetória da família Machado, iniciada pelo escravo Vicente, no século 19. Entre seus atuais descendentes, estão Robson, doutor em História pela Unicamp, e seu filho, Daniel, estudante de Geografia na UERJ.

Um percurso feliz, sem dúvida. Mas a matéria recebeu o seguinte título: “Família avança no ritmo do progresso do Brasil”. O título refere-se apenas àquele grupo familiar, mas pode sugerir que o mesmo acontece com os negros em geral.

Primeiro, uma das sociedades mais desiguais do mundo não tem motivos para comemorar um suposto progresso. Segundo, isto é ainda mais verdade para a grande maioria negra de nossa população. Veja-se o caso do nível de escolaridade, destacado pelo Globo.

Em setembro de 2006, o IBGE fez um estudo baseado na Pesquisa Mensal de Emprego nas seis maiores regiões metropolitanas do país. Os dados mostravam que negros com a mesma escolaridade de brancos recebiam salários menores.

Em 2004, foi divulgado o estudo “Características da População em Idade Ativa Segundo a Cor ou Raça nas Seis Regiões Metropolitanas”. A pesquisa indicava que negros empregados possuíam 7,7 anos de estudos, enquanto os desempregados, 8 anos.

Ou seja, para os negros, mais anos de estudo pode significar menos chances de emprego. Afinal, os postos de trabalho mais qualificados estão reservados aos brancos. Apesar disso, somos obrigados a ler e ouvir afirmações como “Maioria dos negros já é de classe média”, presente na mesma edição do Globo.

A quem interessa um recorte dourado como este da questão racial no Brasil? Certamente, à nossa ideologia racista, mais conhecida como democracia racial.

Leia também: O lugar que o racismo brasileiro destina aos negros

16 de maio de 2013

Espiritualidade, sim. Religiosidade, talvez

Em 05/04, o jornalista Pedro Sprejer divulgou no caderno “Prosa e Verso”, do Globo, o livro “Aldeia do silêncio”, de Frei Betto. Na entrevista que fez com o autor, destaca-se o seguinte trecho:

É preciso lembrar que as religiões surgiram há apenas oito mil anos. Já a espiritualidade é tão antiga quanto o ser humano, mais de 200 mil anos.

Em tempos de tantas intolerâncias religiosas é uma afirmação que faz pensar.

Por espiritualidade, os melhores materialistas poderiam entender a infinita capacidade humana de transformar tudo o que o rodeia. De iniciar no imaginário aquilo que resultará em coisas reais. Mas, ao produzir essas coisas, transforma também o próprio processo de feitura. De tal modo que o resultado final não é nem o projetado nem o que vinha sendo executado. É outra coisa.

Mesmo assim, o produtor se reconhece nela porque é algo que nasceu de sua prática concreta. E surge carregada com os significados acumulados durante todo o processo. Estamos falando tanto de um utensílio doméstico, quanto de um poema, uma ideia filosófica, uma descoberta mística...

Digamos que esta definição de espiritualidade agrade a alguns crentes e muitos ateus. E que a afirmação de Frei Betto levante a seguinte questão: por que em mais de 190 mil anos de existência, nossa espécie não precisou engessar sua espiritualidade na forma de religiões?

Talvez pelo fato de que a experiência religiosa é apenas uma de nossas muitas possibilidades.  A espiritualidade humana não cabe nos limites impostos por verdades eternas, imutáveis e infalíveis. Ainda mais quando elas servem à dominação e à exploração.

15 de maio de 2013

O lugar que o racismo brasileiro destina aos negros

No dia em que se comemorava a abolição da escravidão legal no País, a BBC Brasil trouxe a matéria “Após ação afirmativa, negros enfrentam preconceito na universidade e no trabalho”. Nela, o jornalista Caio Quero trata do livro “Afrocidadanização – Ações Afirmativas e Trajetórias de Vida no Rio de Janeiro”, de Reinaldo da Silva Guimarães.

A obra destaca os primeiros beneficiados por um programa de ação afirmativa no país, promovido pela PUC-RJ, em 1994. Os depoimentos dos entrevistados ajudam a entender o peculiar racismo brasileiro, cheio de ataques rasteiros.

É o caso da jornalista Luciana Barreto. Hoje, ela é âncora da emissora pública TV Brasil, mas enfrenta questionamentos do tipo:

Ah, você está no vídeo porque é negra, porque eles precisam de alguém negro.

Outro depoimento é da advogada Miracema Alves dos Santos:

Às vezes eu converso com meus colegas brancos sobre situações que eu passo e eles dizem: “ah, mas pode não ter sido preconceito”. É, realmente pode não ter sido, mas quando você é negro, você sente a diferença, porque é com você.

Ou seja, há sempre uma forma para o preconceito se manifestar. E ele fica mais pesado em posições consideradas de prestígio. Como o autor do livro diz:

Nos espaços de poder e visibilidade é onde você encontra menos negros, mesmo os que já estão qualificados.

Todas as pesquisas confirmam isso. Negros em postos de comando continuam ser raros. Como dizia Florestan, o racismo brasileiro afirma não incomodar os negros, desde que eles saibam ficar no seu lugar.

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14 de maio de 2013

Os povos árabes sacrificados no altar imperialista

A guerra na Síria entra em seu terceiro ano. O conflito não só parece longe do fim, como ameaça se espalhar pela região. Do lado da ditadura Assad, xiitas da região, chineses e russos. Contra o regime sírio, Israel, Estados Unidos e Inglaterra. No meio, 70 mil mortos e centenas de milhares de feridos e desabrigados.  

É mais um capítulo na sangrenta história do Oriente Médio. Algo que já dura tanto tempo que temos a impressão de que faz parte do DNA dos povos da região. Mas não é verdade. Os verdadeiros responsáveis por toda essa tragédia têm pouco a ver com as tradições árabes. Tudo começou com o acordo Sykes-Picot, assinado em segredo pelos governos inglês e francês, em maio de 1916.

O objetivo era definir como essas potências dividiriam a região depois da Primeira Guerra. Terminado o conflito, Estados completamente artificiais foram formados, ignorando os interesses e características das populações envolvidas. A gradual descoberta de enormes jazidas de petróleo na região só piorou a situação.

Após a Segunda Guerra, os Estados Unidos assumiram a liderança da pilhagem das riquezas do Oriente Médio. Para isso, transformaram o Estado de Israel em feroz e belicoso representante de seus interesses. Nos anos 1960, as fronteiras impostas militarmente já não conseguiam conter as tensões acumuladas.

Desde então, a região atrai abutres de todos os lados para bicar a carne dos povos árabes. Mais recentemente, Rússia e China juntaram-se à carnificina. No berço das três maiores religiões monoteístas, muitos milhares de inocentes queimam no altar do petróleo. Sacrificados ao deus implacável do imperialismo.

Leia também: Intolerância religiosa e fanatismo neoliberal

13 de maio de 2013

Abaixo a tolerância. Viva a indiferença

Quando se fala em intolerância religiosa, os muçulmanos são logo lembrados. De fato, há muitos seguidores do islamismo que merecem essa fama. Mas eles não representam todos os muçulmanos. Há até quem diga que o livro sagrado islâmico é o único há defender claramente a liberdade religiosa. Pelo menos é o que se pode deduzir do seguinte trecho do Corão:

Nenhuma obrigatoriedade em religião. O caminho da retidão distingue-se por si mesmo do caminho do desvio (Corão, 18, 29)

Enquanto isso os dez mandamentos, adotados por judeus e cristãos, começam ordenando: “Não terás outros deuses diante de mim”. E o livro do Êxodo, também presente nas duas tradições religiosas, diz o seguinte em relação a outras religiões:

Não te inclinarás diante dos seus deuses, nem os servirás, nem farás conforme as suas obras; antes, os destruirás totalmente e quebrarás de todo as suas estátuas. (Êxodo 23, 24)

Isso não quer dizer que cristãos e judeus sejam necessariamente mais intolerantes que muçulmanos. Tudo depende do uso que se faz da fé. Muitas vezes, ela é posta a serviço de objetivos bem terrenos e rasteiros, como o domínio e a exploração de povos e territórios.    

Mas nem a tolerância recomendada pelo Corão deveria nos bastar. Tolerar é o mesmo que suportar, aguentar, deixar passar. A ideia de um “caminho da retidão” ainda contém um núcleo negativo e preconceituoso.

Só nos trataremos como irmãos de espécie quando adotarmos uma espécie de indiferença curiosa. Quando a fé, a orientação sexual, a cor da pele, o gênero não causarem incômodos mútuos. Quando tudo isso servir para enriquecer a condição humana.

10 de maio de 2013

A suave xenofobia oficial a serviço do capital

Levantamento divulgado em abril pelo Conare (Comitê Nacional para Refugiados), do Ministério da Justiça, mostra que o número de estrangeiros que solicitam refúgio no Brasil mais que triplicou nos últimos três anos.

O dado é da reportagem “Entrada de estrangeiros pouco qualificados divide governo” de Camilla Costa, publicada pela BBC Brasil, em 07/05. Ela diz que setores do governo brasileiro concordam quanto a atrair “estrangeiros altamente qualificados” para o País, “mas divergem quando se trata da mão de obra pouco qualificada”.

O problema é que refugiados, em geral, não são “qualificados”. E de que qualificação se trata? Daquela que serve ao mercado. Deve ser por isso que o secretário de Ações Estratégicas do governo, Ricardo Paes de Barros, defende a criação de limites para a admissão de estrangeiros. Mas não de todos. A coisa é diferente em relação a estrangeiros “qualificados”: "Queremos que eles possam vir a qualquer hora, carregá-los no colo", diz Barros.

Mas há gente no governo que admite a importância dos menos qualificados. O presidente do Conare e secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão, afirma que cada vez mais empresários aproveitam essa “mão de obra animada”. Essas pessoas “com muita disposição ao trabalho, que querem contribuir para o desenvolvimento do país".

O fato é que estrangeiros são bem vindos desde tenham serventia para a produção de mercadorias. Já estas, têm total liberdade para circular, assim como os investimentos que as viabilizam. As atitudes do governo não chegam a caracterizar o preconceito contra estrangeiros conhecido como xenofobia. É só uma variação suave dela, adaptada aos interesses do capital.

Leia também: Haitianos e racismo estatal

9 de maio de 2013

Os ataques petistas aos povos da floresta

Chico Mendes foi fundador do PT. Também ajudou a criar a "União dos Povos da Floresta", para organizar indígenas, seringueiros, castanheiros, pequenos pescadores, quilombolas e populações ribeirinhas.

30 anos depois, os petistas completam uma década no governo federal e uma das maiores vítimas de sua política desenvolvimentista selvagem são os índios, atropelados por um progresso que só interessa ao grande capital.

O mais recente ataque do governo foi a criação da Companhia de Operações Ambientais da Força Nacional de Segurança Pública. Uma verdadeira militarização da questão das terras indígenas.

Felizmente, os indígenas vêm reagindo. Desde 2 de maio, ocupam o canteiro de obras da Usina de Belo Monte. São 150 índios apoiados pelos 4 mil trabalhadores da obra, que estão em greve. Eles exigem que todas as atuais e futuras construções de grandes hidrelétricas sejam suspensas até que suas comunidades sejam ouvidas.

Em nota, a Secretaria-Geral da Presidência da República acusou os indígenas agirem como criminosos. A resposta veio na carta intitulada “O governo perdeu o juízo”, em que acusam: "O governo está ficando mais violento". Dizem que a área da ocupação foi militarizada, com presença de tropas armadas que "revistam as pessoas, a nossa comida, tiram fotos, intimidam e dão ordens", além de impedir a entrada de jornalistas, advogados e até parlamentares.

Enquanto isso, a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, fez questão de tranquilizar os empresários da agricultura. Segundo matéria do Valor publicada em 08/05, o governo vai “pedir ao Ministério da Justiça a suspensão de estudos de demarcação de terras indígenas”. Demarcação garantida, só para o latifúndio.

8 de maio de 2013

Intolerância religiosa e fanatismo neoliberal

Longa reportagem publicada no Valor, em 03/05, mostra um quadro muito pessimista das chamadas revoluções árabes. Em “A Primavera na sombra”, Yan Boechat e Dubes Sônego afirmam que:

...Tunísia, Egito e Líbia avançam em direção ao cenário menos esperado quando das revoluções: o acirramento conservador proporcionado pelos movimentos islâmicos, os grandes vencedores políticos da Primavera Árabe.

Mas é a linha conservadora dos muçulmanos que ganha força. São os salafistas, que defendem a adoção do Corão como regra absoluta para a vida civil. Não fazem parte dos atuais governos islâmicos, mas sua grande influência popular empurra os políticos para o conservadorismo.

No Egito, por exemplo, em 2010, 54% da população eram favoráveis à separação por gêneros no ambiente de trabalho e 82% apoiavam o apedrejamento para mulheres adúlteras. Nesse cenário conservador, “até a descriminalização da mutilação do clitóris chegou a ser cogitada pelo atual presidente”, diz a matéria.

Nada disso surgiu do nada. A própria reportagem explica que durante os últimos governos ditatoriais da Tunísia, mulheres que usassem véu e homens com barbas no estilo muçulmano eram perseguidos pela polícia. Semeavam tempestades.

Além disso, os muçulmanos saíram-se vencedores nas eleições “porque, no fim das contas, eram os únicos verdadeiramente organizados politicamente", diz Stacey Gutowski, uma professora inglesa especialista no assunto.

Mas a lenha dessa fogueira é a situação econômica. Os atuais governos não ousam romper com modelos impostos pelo FMI, que penalizam a maioria pobre há décadas. É o fanatismo neoliberal alimentando a intolerância religiosa.

Só a luta unificada a partir de baixo contra o capital e por amplas liberdades pode salvar a primavera árabe.

Leia também: Primavera árabe: melhor o caos que o despotismo

7 de maio de 2013

O “Custo Brasil” dos lucros empresariais

O destaque econômico da grande imprensa tem sido o maior déficit da balança comercial brasileira em sete anos. Traduzindo, o País está comprando muito mais lá fora do que vendendo.

Segundo os especialistas, o maior responsável pelo buraco é a indústria. Em sete anos, o saldo do setor caiu dos US$ 5,2 bilhões positivos para US$ 94,9 bilhões negativos. Trata-se exatamente do setor que recebeu vários incentivos do governo na forma de isenções fiscais.

Perdido entre as matérias e artigos que trataram dessa questão, há um dado revelador. Ele aparece na matéria “Belluzzo: ‘Brasil tem uma indústria atrasada, com déficit de competitividade’”, de Gabriela Valente, publicada no Globo em 5/05. Trata-se do elevado lucro médio dos empresários brasileiros:

Um índice produzido na universidade americana Princeton indica que o lucro no Brasil é alto. O indicador compara o custo da mão de obra de vários trabalhadores do McDonald’s no mundo. Aqui, um funcionário da empresa compra meio Big Mac com o que ganha em uma hora de trabalho. O japonês que faz o mesmo serviço para produzir o mesmo produto pode comer três hambúrgueres com o que recebe por hora de trabalho.

Comentando a informação, André Perfeito, um economista do mercado, admite:

Apesar de o custo da mão de obra ter crescido no Brasil, ele ainda é baixo. Mas os preços não são, e isso indica que o lucro é maior que nos outros países.

O dado mostra aquilo de que já suspeitávamos. Se existe o tal “Custo Brasil”, sua fonte principal são os grandes empresários, não os trabalhadores explorados por eles.

6 de maio de 2013

Trabalho doméstico e preconceitos de mercado

“Lançamentos da indústria miram famílias sem domésticas”, diz matéria do Globo de 05/05. A reportagem de Clarice Spitz e Nice de Paula trata basicamente de produtos para o lar que tornariam a “vida mais prática”. O público-alvo é formado por quem já não pode contratar trabalhadores domésticos devido à recente ampliação de seus direitos.

Mas essa situação também pode gerar lucros em outros ramos. É o que diz a reportagem “Pequeno negócio se prepara para tomar lugar de domésticas”, publicada em 07/04 por Felipe Maia e Reinaldo Chaves na Folha.

A matéria destaca o aumento “na demanda por serviços terceirizados de alimentação, lavanderia e limpeza”. Ou seja, a mais que justa regulamentação do trabalho doméstico não se deve apenas a razões humanitárias. Uma fatia do mercado deve crescer e render lucros que dificilmente serão aproveitados somente pelos “pequenos negócios”.

Claro que relações profissionalizadas são muito melhores que o tratamento escravocrata dispensado à grande maioria das domésticas. Mas não se espere nada além daquilo que o “mercado” costuma oferecer.

Corre pela internete o anúncio de uma empresa de serviços domésticos de Sorocaba. Uma das perguntas do formulário a ser preenchido queria saber se o interessado tem “preconceito de cor”. Muito provavelmente, para que clientes racistas pudessem receber atenção diferenciada.

Após muitas denúncias, o site foi tirado do ar, mas não a lógica que está por trás dele. O racismo, o machismo, preconceitos de todo tipo são elementos atuantes nas “leis de mercado”. Continua a valer a velha combinação de humilhação e superexploração com leis facilmente ignoradas.

Leia também: Vozes escravagistas contra os direitos das domésticas

3 de maio de 2013

Inflação nos alimentos é culpa do agronegócio

Em 25/04, a página do MST na internete publicou um artigo esclarecedor. Trata-se de “Inflação dos alimentos está ligada à hegemonia do agronegócio”, de José Coutinho Júnior. O texto responsabiliza o agronegócio pela recente alta de preço dos alimentos. Coutinho explica:

De 1990 para 2011, as áreas plantadas com alimentos básicos como arroz, feijão, mandioca e trigo declinaram, respectivamente, 31%, 26%, 11% e 35%. Já as de produtos do agronegócio exportador, como a cana e soja, aumentaram 122% e 107%.

Com menor área para seu plantio, a oferta de alimentos cai e seu preço sobe. É por isso que:

No ano passado, o país importou US$ 334 milhões em arroz, equivalente a 50% do valor aplicado no custeio da lavoura em nível nacional. No caso do trigo, o valor das importações foi de US$ 1,7 bi, duas vezes superior ao destinado para o custeio da lavoura, e a produção de mandioca atualmente é a mesma de 1990.

Segundo o artigo, a agricultura familiar e os assentamentos da Reforma Agrária “ocupam 30% das terras agricultáveis do país, mas produzem 70% dos alimentos consumidos pelos brasileiros”. No entanto, dados do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) revelam que, entre 2003 e 2012, o financiamento para o plantio de feijão sofreu queda de 81%. Para o arroz, caiu 77,4%, mandioca, 69%, e milho, 44%.

Ou seja, os governos petistas não apenas engavetaram a Reforma Agrária e trocaram a o MST pelo agronegócio. Também abandonaram a agricultura familiar e os assentamentos. E usam o fantasma da inflação para subir os juros, reafirmando a receita neoliberal que nunca abandonaram.

Leia também: Reforma Agrária: nem aos bispos adianta reclamar

2 de maio de 2013

A origem racista do drible brasileiro

Os jogadores negros de futebol inventaram o típico drible brasileiro para fugir do racismo. É o que afirma o artigo “O conceito de drible e o drible do conceito”, de Renato Noguera, na revista Z Cultural. Exagero? Vejamos.

O autor cita Antônio Jorge Soares e sua “História e a invenção de tradições no futebol brasileiro”:

Quando começaram a jogar o futebol por aqui, os negros não podiam derrubar, empurrar, ou mesmo esbarrar nos adversários brancos, sob pena de severa punição: os outros jogadores e até os policiais podiam bater no infrator.

E o grande craque, Domingos da Guia, confirma:

Ainda garoto eu tinha medo de jogar futebol, porque vi muitas vezes jogador negro, lá em Bangu, apanhar em campo, só porque fazia uma falta, nem isso às vezes (…) Meu irmão mais velho me dizia: “Malandro é o gato que sempre cai de pé… Tu não é bom de baile?” Eu era bom de baile mesmo, e isso me ajudou em campo… Eu gingava muito… O tal do drible curto eu inventei imitando o miudinho, aquele tipo de samba.

É assim que os jogadores negros se apropriaram do drible para inová-lo, usando “passes do samba e quiçá da capoeira”, diz Noguera. Era uma forma de “defesa e, ao mesmo tempo, tática de ataque diante das limitações impostas pelas regras do futebol”, afirma.

Como se vê, até o mais popular esporte do País nasceu contaminado pela sujeira racista. E o preconceito de cor continua a entrar em campo, mesmo hoje em dia.

O artigo de Noguera também traz profundas questões filosóficas. Clique aqui para ler.