Doses maiores

27 de abril de 2017

Numa certa encruzilhada, Marx, Gramsci, Trotsky e Lênin

Este ano completam-se 150 anos da publicação do primeiro volume de “O Capital”, 100 anos da Revolução Russa e 80 anos da morte de Gramsci.

Esses três eventos fazem lembrar uma espécie de encruzilhada teórica onde se encontraram Gramsci, a obra de Marx e os personagens principais da revolução bolchevique, Lênin e Trotsky.

Ao saber dos acontecimentos de outubro de 1917 na Rússia, Gramsci escreveu um artigo intitulado “A revolução contra O Capital”.  O revolucionário italiano considerava a façanha bolchevique uma negação das conclusões simplistas deduzidas das leituras oficiais da obra-prima de Marx.

Segundo essa “receita”, revoluções socialistas somente seriam possíveis em nações altamente industrializadas, como Inglaterra, França, Alemanha. Países “atrasados”, como a Rússia, teriam que superar algumas etapas. Primeiro, industrialização e democracia, a cargo da burguesia. Depois, socialismo e liberdade, conquistados pelos trabalhadores.

Contra essa formulação, Trotsky dizia que se a burguesia não fosse capaz de cumprir as tarefas que lhe cabiam, o proletariado deveria assumi-las. Era a Revolução Permanente. Demorou, mas Lênin acabou concordando com Trotsky. Daí surgiu o vitorioso lema “todo poder aos operários, soldados e camponeses”.

Muito provavelmente, Marx concordaria. Em 1881, uma revolucionária russa escreveu a ele para saber se era possível evoluir da comuna rural russa ao socialismo, sem passar pelo capitalismo. Marx e Engels responderam o seguinte:

Se a revolução russa tornar-se o sinal para a revolução proletária no Ocidente, de modo que uma complemente a outra, a atual propriedade em comum da terra na Rússia poderá servir de ponto de partida para um desenvolvimento comunista.

É de saídas criativas para encruzilhadas como essas que costumam surgir as revoluções.

Leia também: O partido de Lênin era pouco “leninista”

26 de abril de 2017

A solidariedade de classe na origem da previdência social

Quando a industrialização começou, os trabalhadores não contavam com um mínimo de proteção legal. A jornada de trabalho era determinada pelo patrão. Salário-mínimo, indenização por demissão, aposentadoria, seguro acidente-de-trabalho, nem pensar. 

Se alguém fosse demitido e não arranjasse logo outra ocupação, sarjeta. Se um acidente impedisse o trabalho por semanas, mendicância. A morte de um dos que sustentavam a família podia encurtar a vida dos sobreviventes. Pobre, a partir dos 7 ou 8 anos de idade, ia pra fábrica. Não tem dinheiro para fazer o enterro? Vem daí a expressão “não tem onde cair morto”.

Resumindo, era uma “terra sem lei”. Ou melhor, valia a lei do patrão. Mas pode chamar de “Lei do Cão”.

Diante disso, os trabalhadores começaram a organizar caixas de auxílio-mútuo. Cada um contribuía com um pouco, de tempos em tempos. Quando alguém precisasse em momentos de desemprego, acidente, invalidez, viuvez, orfandade, podia contar com aquela economia surgida da solidariedade dos trabalhadores. Era pouco e por pouco tempo, mas muitas vezes evitava o pior.

A Previdência Social foi surgindo da junção dessas caixas de auxílio. Não eram mais apenas caixas de ferroviários, portuários, tecelões, metalúrgicos, bancários. Foram unificadas para que o máximo de trabalhadores pudesse contar com algum auxílio.

Mas o grande volume de dinheiro reunido por esse sistema despertou a cobiça dos poderosos. A história da Previdência Social é também disputa pelo controle de seus recursos. De um lado, a rapina de governos e patrões. De outro, a solidariedade dos explorados.

É isso que estamos vendo acontecer novamente. Defender a solidariedade de classe sempre exigiu e vai continuar exigindo muita luta!

25 de abril de 2017

Reforma da Previdência e Revolta da Vacina, tudo a ver

O governo lançou nova campanha em defesa da Reforma da Previdência. Com o mote "tudo que é novo assusta", as peças publicitárias atribuem a antipatia e desconfiança com que é recebida a proposta pela maioria da população a sua suposta novidade.

Os vídeos citam alguns exemplos de novidades que “assustaram” ao surgir, mas que se revelaram positivas. O Plano Real é citado como um deles, ainda que se esconda o fato de que ele serviu como Cavalo-de-Tróia para a destruição neoliberal posterior. Foi através dele que uma terrível inflação deu lugar ao pesadelo do desemprego e à enorme dívida pública que, até hoje, suga os recursos públicos das áreas sociais, incluindo a própria previdência.

Outro exemplo que chama a atenção é o da vacinação obrigatória: “...quando surgiu a vacinação teve até revolta, hoje não dá pra viver sem”. O vídeo se refere à Revolta da Vacina, que aconteceu em 1904, quando moradores pobres do Rio se insurgiram contra a vacinação forçada, com direito a batalhas travadas em ruas tomadas por barricadas.

A história oficial considera esse episódio fruto da ignorância popular. Na verdade, foi uma reação legítima ao autoritarismo e violência com que a vacinação era feita. Verdadeiras invasões militares invadiam os bairros pobres, sem qualquer respeito por seus moradores.

Foi a primeira das muitas operações de “higienização social” que atingem o Rio e muitas outras cidades brasileiras, desde então. Seus alvos sempre foram os mais pobres, não doenças e outros males.

Neste aspecto, até faz sentido comparar a Reforma da Previdência à Revolta da Vacina. Seria muito bom que a reação popular fosse semelhante.

20 de abril de 2017

O partido de Lênin era pouco “leninista”

O historiador britânico Alexander Rabinowitch escreveu vários livros contando a história da Revolução Russa. Um deles é “The Bolsheviks Come to Power” (“Os Bolcheviques Tomam o Poder”), ainda sem tradução. Um dos trechos da obra afirma o seguinte em relação ao Partido Bolchevique:

...gostaria de enfatizar a estrutura e os métodos de operação internas relativamente democráticos, tolerantes e descentralizados do partido, bem como seu caráter essencialmente aberto e de massas - em marcante contraste com o modelo leninista tradicional.

Em outro momento, diz:

... em 1917, em todos os níveis da organização bolchevique de Petrogrado, a discussão era livre e animada no debate sobre as questões teóricas e táticas mais básicas. (...) não poucas vezes Lênin foi derrotado nesses debates.

Ou seja, o historiador está dizendo que aquele que é considerado o partido leninista por excelência não era assim tão leninista. Na verdade, nem Lênin era.

O livro “O que fazer”, de Lênin, é considerado a “receita” do partido leninista. Mas a obra é de 1902, quando as condições para a militância eram as piores possíveis. Depois da Revolução de 1905, a situação melhorou e Lênin escreveu uma resolução para o 3º Congresso do Partido afirmando que "em condições políticas de liberdade, nosso partido pode e deve refazer inteiramente as regras de funcionamento...". E foi mais ou menos isso que aconteceu.

O mito do partido puramente leninista dirigindo a revolução começou, mesmo, após a chegada dos bolcheviques ao poder. Em especial, com a contrarrevolução stalinista. Mas, isso já é assunto para outro momento. E a obra de Rabinowitch certamente pode nos ajudar a entender esse processo.

Leia também: Lênin e a ira de um operário simples

19 de abril de 2017

O cerco do suicídio

Parece que o grande assunto do momento tem sido o suicídio. A série “Os 13 Porquês”, da Netflix, e um jogo macabro chamado Baleia Azul são temas obrigatórios. Ambos tratam da busca pela morte voluntária entre adolescentes.

Quase um milhão de pessoas morrem por suicídio anualmente segundo a Organização Mundial de Saúde.

No livro “Sapiens – Uma Breve História da Humanidade”, Yuval Harari constata que, em 2002, dos 57 milhões de mortos no planeta, apenas 172 mil morreram em guerras e 569 mil foram vítimas de crimes violentos. Por outro lado, 873 mil cometeram suicídio.

O Mapa da Violência 2014 trouxe dados assustadores sobre o Brasil. Mortes voluntárias tendem a aumentar em países com melhores índices sociais. Mas nosso índice é igual ao de países como Japão, França, Suécia e Noruega: 30 por 100 mil habitantes.

Como hoje é “Dia do Índio”, não custa lembrar que o suicídio é uma pandemia entre os indígenas. Eles parecem funcionar como uma espécie de antena sensível demais para as loucuras que vêm dominando a humanidade. Principalmente, suas crianças e adolescentes.

É o que mostra o relatório sobre Violência Letal contra crianças e adolescentes no Brasil, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais. Municípios da Amazônia estão no topo da lista de suicídios entre crianças e adolescente indígenas. Em São Gabriel da Cachoeira, a taxa de 2003 a 2013 foi de 33,3% na faixa etária entre 10 a 19 anos. Em Tacuru, o índice chegou a 100%.

O suicídio é o sintoma da doença social que cerca suas vítimas. Enquanto não a combatermos, seremos parte deste cerco.

Errata: está incorreto o dado sobre o índice de suicídios no Brasil. O número real médio é algo em torno de 5 por 100 mil habitantes, não 30 por 100 mil. Esta proporção é real apenas para os crianças e jovens indígenas. Ainda assim, continua sendo um número assustador. 

Leia também: Suicídio indígena, branco e ocidental

18 de abril de 2017

Lênin e a ira de um operário simples

23 de outubro de 1917. O Comitê Central do Partido Bolchevique reuniu-se para decidir se iniciaria ou não uma insurreição para transferir o poder aos sovietes. Somente Lênin e Trótski votaram a favor. A insurreição fora rechaçada. 

Levantou-se então um operário simples, com o rosto contraído de tanta ira. “Falo aqui em nome do proletariado de Petrogrado”, disse ele, rudemente. “Somos favoráveis a uma insurreição. Façam como acharem melhor, mas eu lhes digo que, se vocês permitirem que os sovietes sejam destruídos, nós acabaremos com vocês!"

Houve nova votação e a insurreição foi aprovada.

Mas ainda era preciso decidir qual o melhor momento para o levante revolucionário. Em nova reunião, Lênin, referindo-se ao Congresso Pan-Russo dos Sovietes, disse:

O 6 de novembro será cedo demais. Precisamos do apoio de toda a Rússia para o levante; até o dia 6 não terão chegado todos os delegados do Congresso… Por outro lado, 8 de novembro será tarde demais. Nesse momento o Congresso estará em pleno andamento, e é difícil um grupo grande de pessoas assumir uma ação rápida e decisiva. Temos de agir no dia 7, dia de abertura do Congresso, de modo que assim poderemos dizer aos delegados: “Aqui está o poder! O que vocês farão com ele?”

E foi exatamente assim que aconteceu.

Os trechos acima são do livro “Os dez dias que abalaram o mundo”, de John Reed. Mostram um daqueles raros momentos em que o papel de um indivíduo determina os rumos da história. Mas o que seria de Lênin, e da história, sem aquele “operário simples com o rosto contraído de tanta ira”?

Leia também: O dia em que Lênin perdeu por 12 a 1

17 de abril de 2017

E eles só falam da Odebrecht...

Uma radiografia da captura corporativa em alguns dos principais setores da economia brasileira: alimentos, com destaque para o caso dos transgênicos; educação; finanças e juros; meio ambiente; mídia; saúde; segurança; e setor imobiliário.

O trecho acima resume o conteúdo de “A privatização da democracia – um catálogo da captura corporativa no Brasil”. Trata-se de uma publicação do Vigência, “grupo de ativistas cujo foco de atuação é a denúncia dos efeitos sociais do capitalismo extremo no Brasil”.

Os dados mostram que o atual escândalo é apenas uma parte do sequestro dos recursos públicos nacionais pelo grande capital. Tanto do local como do estrangeiro, se é que faz sentido separar os dois.

Mas um dos aspectos mais relevantes nessa “captura” é seu quase perfeito ocultamento. E isso acontece graças a uma área sensível, controlada estrategicamente pelo poder econômico. Estamos falando da mídia. Em especial, da Globo. O catálogo revela, por exemplo, que em 2012:

...a receita líquida da Globo é, pelo menos, três vezes maior do que a receita líquida somada dos grupos Abril, RBS, O Estado de São Paulo e SBT. Já o seu lucro líquido é mais de 11 vezes maior do que o lucro líquido dessas outras empresas reunidas.

Este poderio todo permite formar, deformar, omitir, mentir em gigantesca escala. E sempre com a cumplicidade de seus “concorrentes menores”.

É esta situação que cada vez mais faz da Lava-Jato um daqueles novelões das oito com final manjado. Ou, como disse Janio de Freitas em sua última coluna, nada mais do que o “estouro de um esgoto na mansão da classe dominante”.

Acesse o catálogo, aqui

Leia também: A educação pública sob assalto de bilionários

13 de abril de 2017

Três versões da traição

Há um conto de Jorge Luis Borges em que Judas é elevado à condição de mártir. Segundo a hipótese fictícia do grande escritor argentino, o mais odiado dos personagens bíblicos sacrificou sua honra e o reino dos céus por uma causa maior. Sem seu ato vergonhoso, não teria ocorrido o terrível sacrifício que redimiu a humanidade e mudou a história do mundo.

Segundo o conto, Judas teria intuído:

...a secreta divindade e o terrível propósito de Jesus. O verbo havia se rebaixado a mortal; Judas, discípulo do Verbo, podia rebaixar-se a delator. (o pior delito que a infâmia suporta) e ser hóspede do fogo que não se apaga. A ordem inferior é um espelho da ordem superior; as formas da terra correspondem às formas do céu; as manchas da pele são um mapa das incorruptíveis constelações; Judas refletiu de algum modo a Jesus.

Claro que tudo isso não passa da genial imaginação de Borges expondo as contradições envolvendo valores humanos e divinos. Mas em tempos prenhes de delações, esse jogo espelhado parece forçar sua aparição nos jornais.

É o caso da matéria de Marina Dias publicada na Folha, em 13/04. O título diz que “Temer, Lula e FHC articulam pacto por sobrevivência política em 2018”. A aproximação dos três estaria sendo intermediada por Gilmar Mendes e Nelson Jobim. A principal motivação, diminuir os estragos causados pela avalanche de denúncias de corrupção a envolver nomes graúdos dos partidos que lideram.

Onde Borges encaixaria seu Judas nesse cenário confuso até para ele? Difícil saber. De qualquer maneira, o título do conto é “As Três Versões de Judas”.

Leia também: Sobre provas, convicções e hóspedes indesejáveis

12 de abril de 2017

Os golpistas que usam terno

Em 10/04, o economista grego Yanis Varoufakis publicou artigo na Carta Maior lembrando como a “breve rebelião da Grécia contra a depressão permanente foi impiedosamente sufocada”, em 2015.

Um dos episódios que ele viveu durante o breve período que foi ministro de finanças no governo do Syriza envolveu as estratosféricas remunerações da cúpula do banco central grego. Para dar exemplo, Varoufakis decidiu cortar-lhes o salário em cerca de 40%, “correspondente à média das reduções salariais por toda a Grécia desde a crise de 2010”.

Imediatamente, a União Europeia (UE), tão zelosa na hora de diminuir “salários e pensões” dos trabalhadores, protestou. Os atingidos seriam seus funcionários de confiança. E foi assim que:

Após a UE forçar nosso governo à submissão e após minha demissão, aqueles salários foram aumentados em 71% – o pagamento anual dos executivos-chefes foi elevado a 220 mil euros (R$ 732 mil). No mesmo mês, aposentados recebendo 300 euros (R$ 1.000) por mês teriam esses proventos cortados em até 100 euros.

Segundo o texto, este episódio mostra que a Grécia sofreu um “golpe moderno”: “as instituições europeias utilizaram os bancos, não tanques. E os golpistas, no lugar de fardas, usam “ternos e tomam água mineral”.

Podemos dizer que algo parecido aconteceu em muitos países, incluindo o Brasil. Muito antes do golpe de Temer, já tínhamos burocratas de confiança das finanças mundiais em postos-chave do governo local.

Agora, em meio a tantos indiciamentos de políticos por corrupção, adivinhem quem governa  impune e tranquilamente, mesmo causando enorme e criminosa miséria social? Henrique Meirelles, que, com seu terno e muita água mineral, afoga o Pais na recessão.

11 de abril de 2017

O dia em que Lênin perdeu por 12 a 1

O livro “Os dez dias que abalaram o mundo”, de John Reed, é o mais famoso relato da Revolução Russa de outubro de 1917. Uma de suas edições traz uma introdução do historiador A. J. P. Taylor.

Taylor explica como, após a Revolução de Fevereiro ter derrubado a monarquia russa, foi instalado um governo provisório controlado por uma elite que continuou insensível aos interesses da maioria.

Apesar disso, os bolcheviques aceitaram o novo governo sem maiores questionamentos. Afinal, ele representaria um avanço em relação à ditadura do Czar.

Mas Lênin não concordava com isso. Saiu correndo de seu exílio na Suíça rumo a Petrogrado e ao chegar:

...não perdeu tempo. Encaminhou-se diretamente para o quartel-general dos bolcheviques e disse: “Defendo a realização de uma segunda revolução”. A proposta de Lênin foi derrotada por doze votos a um, sendo este último dele próprio.

O episódio mostra como os bolcheviques travavam enormes e incansáveis debates. E que é falsa a ideia de que o partido era controlado com mão-de-ferro por Lênin. De ferro, mesmo era sua determinação. Tanto é que derrotado na votação, ele “simplesmente riu e afirmou: ‘O povo russo é mil vezes mais revolucionário do que nós’”.

A afirmação se mostraria correta meses depois. Mas antes disso, até mesmo Lênin chegou a dizer que talvez não vivesse para ver a revolução acontecer.

Estes elementos mostram que a grande Revolução de 1917 não aconteceu graças a líderes geniais e infalíveis. Se houve alguma grande sabedoria por parte dos bolcheviques foi a de terem respeitado as pressões populares vindas de baixo. Mesmo assim, aos trancos e barrancos.

Leia também:

10 de abril de 2017

Nossa ordem social injusta permanece intacta

“Brasil ganha milionários, mas perde poupadores”. Com este título, Ana Paula Ribeiro publicou reportagem no Globo, em 05/04.

O texto diz que o restrito grupo de pessoas que tem ao menos R$ 1 milhão em investimentos no Brasil ganhou dois mil membros, em 2016. Já as aplicações de 63,8 milhões de pessoas cujo principal investimento é a poupança recuaram 4% em relação a 2015.

Aquele pequeno grupo milionário é formado por apenas 112 mil pessoas que, juntas, possuem R$ 756,3 bilhões. Enquanto isso, a grande maioria que guarda economias com sacrifícios, tem R$ 854,7 bilhões. É só calcular a média de aplicações de cada grupo para descobrir a enormidade da concentração da riqueza nacional.

Em 10/04, Bruno Albernaz divulgou no portal G1: “Número de moradores de rua com curso superior cresce 75% em 1 ano no RJ". A reportagem cita recente estudo da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos.

Segundo o levantamento, de 2015 a 2016, o número de moradores de rua com ensino superior completo aumentou de 40 para 70. Um crescimento de 75%. No Centro, “muitos deles dormem por ali para ficar perto do trabalho, sem gastar passagem ou aluguel”, relata Albernaz.

A matéria também afirma que a população sem-teto no município carioca saltou de 5.580, em 2013, para quase 15 mil em 2016. Praticamente triplicou em três anos.

O governo golpista é grande responsável por este cenário desastroso. Mas também é fato que as políticas públicas da era petista levaram a um ilusório e frágil alívio para os mais pobres. Deixaram intacta uma das mais injustas ordens sociais do planeta.

8 de abril de 2017

Uma espécie de morte a ser superada

Publicado em 1981, o livro “Não Verás País Nenhum”, de Ignácio de Loyola Brandão, antecipa fenômenos com os quais só convivemos mais recentemente. Por exemplo:

Como poderíamos chamar a essa nova fórmula? Sistemas dissimuladores? Assemelham-se, porém não são. São, mas não se assemelham. Um jogo de esconde. Como se entrássemos num labirinto de espelhos e perdêssemos a imagem verdadeira. Ou todas as imagens à nossa volta dadas como verdadeiras.

Como chamar? Que tal “redes sociais”?

Na passagem abaixo, difícil não lembrar dos neoliberais instalados nos governos:

...os tecnocratas adquiriram a supremacia. Suas falanges ocuparam os postos sem dar tempo a ninguém de adaptação. Romperam violentamente com os esquemas, se instalaram. Certos de que o futuro era deles.

O cenário do começo do século 21 descrito pela obra é desolador: “Acredita, nunca vi uma árvore de verdade na minha vida? Sempre morei em São Paulo, nunca deu para viajar”.

Mas o livro também tem alguns momentos de esperança. Como na passagem em que o personagem principal vê surgindo do solo ressecado pelo aquecimento global uma “pequena e alegre planta”. Poderia ser “uma nova espécie vegetal”, imagina ele. “A natureza alarmada desenvolvendo dentro dela um processo de reconstituição. O poder de se recriar. Por que não?”

E conclui:

Me ocorreu que isso é a liberdade. A capacidade de ressurgir continuamente, sob novas formas, revigorado. O processo de se recompor, tombar e erguer nada mais é que tática, dissimulação. Um jeito de enganar a morte, derrotá-la. Que a morte é simples estágio superável.

Realmente, vida sem liberdade é uma espécie de morte. Mas é morte que pode ser revertida.

6 de abril de 2017

Contra o racismo, corajosas professoras brancas

Abolida a escravidão no Estados Unidos, os negros logo descobriram que a promessa de que receberiam "quarenta acres e uma mula" não passava de um boato maldoso. Entenderam rapidamente que teriam que lutar pelo que queriam.

E eles sabiam exatamente o que queriam. Além de terras e direito ao voto, eram “consumidos pela vontade de frequentar as escolas”. Depois de séculos, exigiam o direito de satisfazer seu profundo desejo de aprender.

Foi esse anseio que a jovem professora branca, Prudence Crandall, tentou heroicamente atender. Inicialmente, ela desafiou os habitantes brancos de Canterbury, Connecticut, aceitando uma garota negra em sua escola.

Diante dos protestos, Prudence foi além e decidiu aceitar mais meninas negras e, se necessário, administrar uma escola só para elas.

Lojistas se recusaram a vender suprimentos a “Miss Crandall”. O médico não atendia suas alunas. O farmacêutico não fornecia remédios. Criminosos quebraram as janelas da escola, jogaram esterco no poço e iniciaram vários incêndios no prédio.

Além de Prudence, Margaret Douglass e Myrtilla Miner literalmente arriscaram suas vidas enquanto tentavam transmitir conhecimentos a jovens negros.

A história da luta das mulheres pela educação nos Estados Unidos atingiu um verdadeiro pico quando educadoras negras e brancas lideraram juntas a batalha do período pós-Guerra Civil contra o analfabetismo no Sul. Sua unidade e solidariedade são um dos episódios mais bonitos da história do povo estadunidense.

As informações acima estão no livro "Mulheres, raça e classe", de Angela Davis. Mostram que só há liberdade possível se sua busca estiver orientada pela luz de um conhecimento que entenda a humanidade como produto da unidade na diferença.

Leia também: O estupro como arma racista

5 de abril de 2017

A volta do conservadorismo que nunca se foi

Um recente estudo da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, está ganhando razoável atenção de veículos da grande imprensa, como Estadão e Globo.

Uma pesquisa qualitativa entrevistou 63 eleitores de bairros pobres de São Paulo que votaram no partido entre 2000 e 2012, mas que não fizeram o mesmo em relação a Dilma Rousseff e Fernando Haddad nas eleições posteriores.

Segundo o Globo, a pesquisa mostraria “um vácuo entre discursos clássicos de partidos de esquerda e a realidade dos grupos pesquisados”. Para estes, não haveria “cisão entre ‘classe trabalhadora’ e ‘burguesia’”. Trabalhador e patrão são diferentes, mas “todos estão no mesmo barco”, afirmaram os entrevistados.

Também não existiriam polarizações como “coxinhas x petralhas” ou “conservadores x progressistas”. O principal confronto da sociedade não seria entre ricos e pobres, mas “entre Estado e cidadãos”, relata o jornal.

Lula é admirado menos pelas políticas de seus governos e mais por ser um caso típico de ascensão social. Assim como Sílvio Santos e João Doria, igualmente citados como vencedores que vieram de baixo.

Não deveria haver grande surpresa nessas conclusões. Afinal, Sílvio Santos já vem sendo exaltado como campeão do esforço individual há mais de meio século.

Surpreendente, mesmo, seria concluir que sob os governos petistas essas concepções tenham se enfraquecido para retomar a força repentinamente nos últimos três ou quatro anos.

Na verdade, a predominância dos valores conservadores não mudou muito nesse tempo todo. A não ser pelo fato de ter conquistado adeptos aos montes em quase toda a esquerda institucional.

A conclusão mais importante do estudo é indireta. Não foi o povo que se tornou mais conservador.

Leia também: Gramsci, conservadorismo e progressismo em São Paulo

4 de abril de 2017

Não verás futuro algum

“Não Verás País Nenhum” foi publicado por Ignácio de Loyola Brandão em 1981. O livro imagina um cenário de destruição ambiental no Brasil no começo do século 21. A seguinte citação abre o romance:

Conde de Oeyras. Alvará com força de Ley, por que Voffa Mageftade be fervido probibier, que nas Capitanías do Rio de Janeiro, Pernambuco, Santos, Paraíba, Rio Grande, e Seará, fe naõ cortem as Arvores de Mangues, que naõ eftiverem já defcafcadas, debaixo das penas nelle conteúdas: Tudo na forma que affima fe declara.

Trata-se de um documento publicado em 1755. Escrito em português antigo, sua tradução seria a seguinte:

Conde de Oeiras. Alvará com força de lei, por que Vossa Majestade é servido proibir, que nas Capitanias do Rio de Janeiro, Pernambuco, Santos, Paraíba, Rio Grande, e Ceará, se não cortem as Árvores de Mangues, que naõ estiverem já descascadas, debaixo das penas nele contidas: Tudo na forma que acima se declara.

Como se vê, já naquela época, normas jurídicas procuravam proteger os manguezais.

Em 2012, foi aprovada a Lei Federal 12.651, que alterou o “Código Florestal”. Segundo esta nova legislação, os apicuns ou “salgados” já não são mais considerados Áreas de Preservação Permanente. Trata-se de extensões alagadas, típicas dos mangues e ricas em nutrientes para várias espécies de fauna e flora.

A alteração foi feita para possibilitar que esses ecossistemas sejam ocupados por grandes empresas de criação de camarão e de extração de sal.

Se o tal conde pudesse surgir do passado, ficaria assustado. Certamente, seria mais um a temer por um país que vai ficando sem futuro nenhum.

Leia também: Bem-vindos aos Campos de Descarregamento