Doses maiores

29 de julho de 2022

Jonas, aquele da baleia, desapontado com Deus

Deus estava com os assírios até as tampas. Eles conquistaram Israel, saquearam suas riquezas e dispersaram seu povo favorito. Tava difícil de engolir a Assíria.

Por isso, Deus resolveu enviar um profeta chamado Jonas à sua capital, Nínive, para dizer aos assírios que iria matá-los em quarenta dias. Mas Jonas achava que eles não iam ficar muito felizes com a mensagem e acabariam matando o mensageiro.

Então, Jonas tentou enganar Deus. Fingindo que embarcava para Nínive, pegou um navio para outra cidade. Deus, que nunca foi bobo, enviou uma tempestade contra o barco do profeta.

Os marinheiros acabaram deduzindo que o responsável pela tormenta era Jonas e o jogaram no mar. Foi assim que ele foi parar na barriga de uma baleia.

Vomitado pelo cetáceo no litoral assírio, Jonas finalmente chegou a Nínive. Mas para sua surpresa, quando entregou a mensagem divina, toda a cidade se ajoelhou e implorou por perdão.

Jonas, então, marchou triunfantemente para fora da cidade, sentou-se sob uma árvore e esperou que começasse a matança. Esperou, esperou, esperou e nada.

Jonas ficou ali sentado, desapontado, lamentando-se: “Deus, você me disse que iria destruir Nínive. Você me trouxe aqui especificamente para dizer isso a eles. Eu percorri centenas de quilômetros DENTRO DE UM PEIXE, caramba! Fala sério!”

Deus deu de ombros: “Eu mudei de ideia. Todos estavam tão tristes e se desculpando, que senti pena deles.”

Esta é mais uma versão para um episódio bíblico do livro “God Is Disappointed In You” (“Deus está decepcionado com você”), de Mark Russell.

Mas, nesse caso, o relato original também tem graça.

28 de julho de 2022

Junho de 2013: os erros do PT

Em seu livro “Do transe à vertigem”, Rodrigo Nunes destaca a desastrosa forma como o PT respondeu às manifestações de junho de 2013. “Com uma mão”, diz ele, o partido:

...pactuava a reestabilização do sistema político com as forças à sua direita; com a outra, chantageava a esquerda acusando tudo que não fosse apoio incondicional de “fazer o jogo” da oposição. O objetivo dessa operação de fechamento do espaço que havia sido aberto era claro: reconduzir a realidade pós-2013 às coordenadas políticas que Junho embaralhara, forçando o retorno a uma situação em que a única polarização existente, logo a única escolha possível, era entre o PT e os partidos tradicionais de direita.

Segundo Nunes, essa estratégia continha dois grandes erros: “associar ainda mais a imagem do partido ao establishment e deixar a pista livre para que a extrema direita se apresentasse como legítima depositária dos desejos antissistema”.

“Desse modo, continua ele, o impeachment foi a expressão de uma polarização assimétrica entre uma oposição rumando para a direita e um PT cada vez mais alinhado ao centro. Tal polarização acabou distorcendo e falseando o real antagonismo entre a elite econômica, que se preparava para transferir os custos da crise integralmente aos mais pobres, e uma classe trabalhadora cujos interesses não eram defendidos naquele momento por ninguém”.

E conclui:

Dilma não caiu por prometer medidas radicais, mas porque a elite viu na conjunção da crise econômica com a desmoralização do PT uma oportunidade histórica para “recontratar” o “contrato social da redemocratização” unilateralmente, sem precisar negociar com a esquerda, os movimentos sociais ou a classe trabalhadora.

Difícil discordar.

Leia também: Modernidade tecnológica e arcaísmo social

27 de julho de 2022

Alguns provérbios bíblicos interessantes

O Livro dos Provérbios, da Bíblia, é uma coleção de ditos sábios, escritos principalmente por Salomão. A versão que Mark Russell apresenta dele em “God Is Disappointed In You” (“Deus está decepcionado com você”) é meio avacalhada, mas respeita o sentido original.

Vejamos alguns exemplos:

Não durma com a esposa de outro homem. Uma prostituta só lhe custará o preço de um pão, mas se dormir com a mulher de outro cara, você terá que olhar por cima do ombro pelo resto da vida.

Nunca perca uma boa oportunidade de calar a boca. Caras inteligentes não sentem a necessidade de tagarelar o tempo todo. Caras burros só são confundidos com inteligentes quando não estão falando.

O dinheiro é como um pássaro: quando você pensa que vai pegá-lo, ele voa para longe, fazendo você parecer um idiota enquanto pula atrás dele.

Se você é rico ou poderoso, não beba demais. Isso o tornará preguiçoso, depressivo e insignificante. Se, por outro lado, você é miserável ou está morrendo... beba.

No livro Eclesiastes há mais ditados atribuídos a Salomão. É o caso deste: “Melhor ser condenado por um sábio do que elogiado por idiotas”.

Os provérbios acima talvez sejam engraçados. Mas o último tem seu valor:

Só porque a vida é inútil, não significa que você pode ficar sentado o dia todo reclamando. Tem muito trabalho a ser feito. Você ainda deve ajudar os oprimidos, cuidar dos abandonados e fazer o outro feliz, se puder. Só porque não há sentido em nada disso não significa que não seja a coisa certa a fazer.

Tá na Bíblia. Então, tá certo.

Leia também: Lições de moral, tolerância e paz da Bíblia

26 de julho de 2022

Modernidade tecnológica e arcaísmo social

Em seu livro “Do transe à vertigem”, Rodrigo Nunes destaca setores intermediários da população que, segundo suas palavras:

...estão permanentemente numa espécie de meio do caminho: consumo elevado, mas à custa de endividamento; diploma universitário, mas sem brilho e em instituições de pouco prestígio; empresa própria, mas nunca operando numa margem inteiramente confortável sem recorrer à evasão de impostos e outros expedientes ilegais.

Para Nunes, é daí que sai a maioria dos seguidores mais aguerridos da nova direita. E também muitos de seus organizadores e intelectuais orgânicos.

Mas diferente dos “fascistas históricos”, que contavam com organizações de massa altamente disciplinadas, concebidas à imagem de um exército paralelo, esses similares contemporâneos:

...se assemelham mais a um enxame de empreendedores desbravando um nicho de mercado. Valendo-se de plataformas digitais em vez de formas mais tradicionais de organização, eles conectam uma demanda (frustrações, mágoas e desejos variados) a uma oferta (acolhimento, explicações, soluções e válvulas de escape).

Assim, afirma o autor:

...tudo indica que vivemos numa espécie de era de ouro da fraude. Se no passado um bom embusteiro sempre plantava um ou dois cúmplices no meio do público para ajudá-lo a atrair suas vítimas, na internet ele pode ter tantos cúmplices quanto lhe couberem no orçamento.

O prêmio para quem “vence na vida”, afirma ele, é ocupar uma posição na qual as normas que se aplicam aos outros se tornam facultativas: pagar impostos e ser punido por infrações, por exemplo.

Não difere muito, portanto, da posição do antigo senhor de engenho ou do patriarca, conclui o filósofo.

Modernidade tecnológica e arcaísmo social. Tudo a ver com o capital.

Leia também: A sintonia do fascismo com as dissonâncias capitalistas

25 de julho de 2022

Lições de moral, tolerância e paz da Bíblia

Mais pérolas do livro “Deus está decepcionado com você”, ou “God Is Disappointed In You”, em que Mark Russell dá uma versão muito pessoal da Bíblia.

Comentando “Levíticos”, por exemplo, ele imaginou o seguinte “memorando”:

Para: Os filhos de Israel
De: Moisés
Ref: Algumas Novas Regras

Durante nosso encontro no Monte Sinai, Deus me transmitiu 613 regras fáceis de seguir. Deus também determinou várias penalidades por quebrar essas leis, a maioria das quais são bastante desagradáveis e, francamente, complicadas. Por exemplo, se um casal comete adultério à moda antiga, ambos devem ser mortos. Mas se um cara complica as coisas dormindo com a mãe de sua esposa, então todos os três têm que ser queimados vivos, incluindo a esposa, que pode nem saber o que estava acontecendo.

Já a versão dele para o Segundo Livro de Samuel conta que o rei Davi ao se apaixonar pela Rainha de Betsabá e descobrir que ela era casada, enviou seu marido, um soldado chamado Urias, em uma missão suicida contra o povo amonita. Tendo se livrado dele, David se casou com Betsabá, que logo se tornou sua esposa favorita.

Uma vez coroado rei dos judeus, Davi percebeu que precisava de uma capital para seu reino, onde construiria um palácio e um harém. Havia uma cidade chamada Jebus na fronteira de Israel, que era um lugar perfeito. Então, como seu primeiro ato oficial no cargo, David conquistou a cidade e matou os habitantes locais. Depois de limpar todo o sangue e queimar os cadáveres, batizou sua nova capital com o nome de Jerusalém, que significa “Cidade da Paz”.

Leia também: A graça e a graça da Bíblia

22 de julho de 2022

As imprevisíveis transformações na ordem mundial

A nova ordem mundial está cada vez mais parecida com seu modelo original criado pela Paz de Westfália de 1648. A grande diferença é que agora esse sistema incorporou definitivamente a China, a Rússia, a Índia e mais outros 180 países, e não terá mais uma potência ou região do mundo que seja hegemônica e defina unilateralmente suas regras.

As palavras acima são de um recente artigo de José Luís Fiori, especialista em geopolítica e autor do livro “A Síndrome de Babel”, entre outros.

O texto merece ser lido. Contêm muitos elementos para entender o que está em jogo no conflito envolvendo Ucrânia e Rússia, com consequências muito importantes para ordem mundial.

A começar pela situação de impasse que pode levar a guerra a durar por muito tempo.

De um lado, a derrocada econômica da Rússia devido às sanções econômicas impostas pelo “ocidente” não dá sinais de acontecer no nível esperado. De outro, o conflito está desmantelando a União Europeia e evidenciando as enormes dificuldades dos Estados Unidos para manter seu papel de potência hegemônica absoluta.

Além disso, vai se consolidando uma aliança e uma integração “de largo fôlego” entre Rússia, China e Índia. Países cada vez mais estratégicos no cenário geopolítico mundial.

Por fim, Fiori afirma que fica escancarado o fato de que:

“capital financeiro globalizado” tem dono, obedece a ordens e pertence à categoria das “tecnologias duais”: pode ser usado para acumular riqueza, mas também pode ser usado como arma de guerra.

O fato é que tudo indica que as relações internacionais se tornarão ainda mais complexas e imprevisíveis os seus desdobramentos.

Leia também: Mais turbulências lá fora, mais fumaça por aqui

21 de julho de 2022

A sintonia do fascismo com as dissonâncias capitalistas

“Do transe à vertigem: ensaios sobre bolsonarismo e um mundo em transição” é o mais recente livro de Rodrigo Nunes, professor de filosofia da PUC-Rio.

Importante contribuição ao debate, os textos da obra ajudam a entender a atual onda ultraconservadora por aqui e na política mundial.

Ao discutir sobre o descontentamento generalizado com as injustiças do capitalismo, o autor argumenta que a extrema direita dialoga melhor com as frustrações delas decorrentes.

Cita o filósofo Louis Althusser, que definiu a ideologia como representando “a relação imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência”.

A questão é que o imaginário que a esquerda vem adotando procura defender a razoabilidade e sensatez de um sistema que se mostra cada vez mais irracional e tresloucado.

Enquanto isso, diz Nunes, “a história que a extrema direita conta corresponde mais claramente ao mundo que a maioria das pessoas conhece em seu dia a dia; ela ressoa com sua experiência vivida”.

Claro que a extrema-direita “conta com uma infraestrutura informacional muito superior à de seus adversários”. Porém, diz nosso autor, não se trata apenas dos grupos de WhatsApp ou de influenciadores digitais. O fato, afirma, é que essas “narrativas chegam às pessoas por meio de pessoas de confiança, na igreja, no rádio, no ambiente familiar, no convívio social e assim por diante”.

Portanto, conclui, precisamos não apenas criar redes de comunicação mais extensas e eficazes, como nos fazer “presentes de maneira regular e confiável na vida das pessoas. Isso, por sua vez, demanda organização”.

Teríamos que voltar à militância organizada e atenta às mazelas populares. Só que dá muito trabalho né?

Leia também: Por uma obscenidade de esquerda

20 de julho de 2022

A graça e a graça da Bíblia

“Deus está decepcionado com você”, ou “God Is Disappointed In You”, é o título de um livro de Mark Russell, sem tradução do inglês. O autor procurou resumir a Bíblia em menos de 300 páginas, fazendo uma compilação engraçada e meio blasfema do livro sagrado da tradição judaico-cristã.

Russell compara a Bíblia àquele hot-dog cheio de molhos estranhos que nunca sabemos exatamente do que são feitos. Sua pretensão seria revelar alguns de seus ingredientes. Ou nas palavras dele:

Se você quer rejeitar a Bíblia como superstição antiga ou digeri-la como a palavra sagrada de Deus, problema seu. Eu só pensei que você gostaria de saber o que realmente está no hot-dog.

Para ter uma ideia, vejamos como o autor inicia sua leitura do Gênesis:

Deus criou a raça humana para ser seus animais de estimação. Como dono de um animal de estimação principiante, Deus sabiamente escolheu começar devagar, criando apenas duas pessoas: Adão e Eva. Mas, muito parecido com os jacarés bebês, eles provaram ser animais de estimação terríveis e, assim, foram jogados no esgoto, onde se propagaram, até que os esgotos estivessem transbordando de humanos selvagens, assobiando e cuspindo, fornicando e adorando ídolos. Então, Deus resolveu lavar e enxaguar toda a raça humana com um dilúvio...

Quando se multiplicam fanáticos que usam a Bíblia para defender as piores barbaridades, uma versão bem humorada cai bem. Mas se o tom é ácido na abordagem do Velho Testamento, a interpretação dos evangelhos respeita o espírito solidário dos ensinamentos cristãos.

Em breve, mais trechos deste livro que mostra que o sagrado precisa tanto da graça como de graça.

Lei também: A redução da maioridade e o culto a Herodes

19 de julho de 2022

A ecologia dos nazistas

João Bernardo é um marxista heterodoxo português, estudioso do fascismo e militante antifascista. Em 2011, publicou um artigo sobre os vínculos entre o nazismo e a ecologia. Abaixo, um trecho:

Preservar a natureza e preservar a raça, cuidar dos animais domésticos e dos escravos eslavos considerados sub-humanos, arrancar as ervas daninhas e aniquilar os judeus, tudo isto era integrado pelos nacionais-socialistas numa esfera ideológica única. As primeiras reservas naturais na Europa foram criadas pelo Terceiro Reich, que levou a cabo um conjunto de medidas que qualquer ecologista dos nossos dias não deixaria de aplaudir. Em 1935, precisamente no mesmo ano em que foram promulgadas as chamadas Leis de Nuremberg, destinadas a assegurar a preservação da raça germânica, publicou-se um complexo legal visando a preservação da natureza, com um escopo sem precedentes. Muito claramente, foi uma mesma inspiração que presidiu a todas estas disposições, e a gratidão dos ambientalistas não se fez esperar. Em 1939 estavam inscritos no partido nacional-socialista 60% dos membros das principais associações de proteção da natureza que haviam existido durante a república de Weimar. “O artificial está por todo o lado”, queixou-se Heinrich Himmler, Líder das SS; “por todo o lado os alimentos são adulterados com ingredientes que supostamente os fazem durar mais tempo ou ter melhor apresentação ou que os fazem passar por “enriquecidos” ou por qualquer outra coisa em que a publicidade da indústria queira que acreditemos (...) estamos nas mãos da indústria alimentar, cujo poderio económico e cuja publicidade lhes permitem ditar o que podemos e não podemos comer”.

Surpreendente! Clique aqui para ler a íntegra.

18 de julho de 2022

Sobre abortos clandestinos e estupros diplomados

No artigo “Hipocrisia”, publicado no portal “A Terra é Redonda”, a psicanalista e escritora Maria Rita Kehl aborda a questão do direito ao aborto.

Ela argumenta, por exemplo, que considerar o feto uma vida humana não faz sentido. Afinal, afirma, a sociedade não dispensa ao embrião que sofreu aborto espontâneo “os rituais religiosos, orações e sepultamento digno”, que seriam devidos “à forma de vida incipiente que, acidentalmente, se perdeu”.

Ainda segundo Maria Rita, não se trata de defender sacramentos religiosos “para os embriões perdidos por abortos espontâneos”. Mas de “argumentar contra a carolice hipócrita de quem condena o aborto incondicionalmente”.

“Sou obrigada a ser rude, continua ela, por falta de um bom jeito de nomear o que se faz, nas choupanas mais pobres e nos mais caros hospitais, com o embrião de poucas semanas expulso do corpo da mãe por um aborto espontâneo: ele é jogado no lixo.”

O texto foi escrito antes do escândalo envolvendo os terríveis crimes do anestesista estuprador no Rio de Janeiro. Mas serve para colocar em evidência as condições em que ocorrem anualmente os milhares de abortos clandestinos.

Afinal, se nem mesmo intervenções médicas legalizadas estão livres das piores violências contra as mulheres, o que esperar de clínicas que realizam interrupções de gravidez à margem da lei?

A articulista encerra afirmando que o “machão carola que condena o aborto com frequência é o mesmo que abandonou mulher e filhos e desaparece para não ter que conceder a pensão prevista em lei”.

Mas também podem ser aqueles que se sentem autorizados a cometer os crimes mais hediondos porque são diplomados.

Leia também: A Bíblia, o aborto, a homossexualidade

15 de julho de 2022

A luta contra a exploração digital

Nos últimos comentários sobre o livro “A Fábrica Digital”, de Moritz Altenried, é importante destacar a persistência das lutas de resistência dos explorados, mesmo sob o capitalismo de plataforma.

O autor lembra, por exemplo, que em 2013 ocorreu em Bad Hersfeld, na Alemanha, a primeira greve em uma instalação da Amazon. Com o slogan “Não somos robôs”, os trabalhadores protestaram contra as formas de taylorismo digital encontradas nos centros de distribuição. A vigilância digital, a pressão por desempenho, bem como a natureza, às vezes, ilógica e impositiva da gestão algorítmica surgiram como problemas centrais ao lado de questões de remuneração e negociação coletiva.

Essas lutas vêm mostrando que a mais importante das contradições continua ser aquela entre capital e trabalho, diz Altenried. O setor de logística foi atingido por uma onda de lutas, desde o fechamento do Porto de Oakland, em 2011, até recentes greves e protestos em Hong Kong e Valparaíso, no Chile.

Na Europa, surgiram protestos dos trabalhadores da Amazon na Itália, Polônia, França e Itália. Os operários da Foxconn e de outras fábricas chinesas radicalizam cada vez mais suas lutas por melhores condições de trabalho.

Segundo Altenried, tudo isso também mostra que, apesar de toda a digitalização do processo produtivo das últimas décadas, o capitalismo continua a depender da exploração do trabalho vivo para sua existência.

Por outro lado, o trabalho vivo não apenas persiste como meio de produção fundamental, mas como resistência ao processo de destruição e degradação social de parcelas cada vez maiores da população mundial. Como alternativa à barbárie capitalista.

Abaixo todo o capitalismo, inclusive o digital.

Leia também: Trabalho aglomerado, exploração e contradições acumuladas

14 de julho de 2022

Trabalho aglomerado, exploração e contradições acumuladas

Hoje, milhões de trabalhadores estão conectados a plataformas de trabalho digital para filtrar fotos, testar softwares, transcrever áudios ou otimizar resultados de ferramentas de pesquisa. Muitas vezes, estão escondidos da vista e dispersos ao redor do mundo. Mas formam um componente crescente da classe trabalhadora digital, bem como da economia política da internete em geral.

Eles atuam no que se costuma chamar “crowdwork”. Conceito presente no livro “A Fábrica Digital”, de Moritz Altenried, ainda sem tradução do inglês. A palavra pode ser traduzida como “trabalho coletivo”, mas “trabalho aglomerado” talvez seja mais adequado.

Trata-se de atividade terceirizada por meio de plataformas online para pessoas trabalhando remotamente em seus dispositivos digitais, como laptops ou smartphones. Essas plataformas intermedeiam trabalho digital, definido pelo autor como aquele que envolve, principalmente, manipulação de dados.

Os “crowdworkers” costumam ser descritos como “contratados independentes”, mas não passam de mão-de-obra precarizada.

A tecnologia digital permite novos modos de padronização, decomposição, quantificação e vigilância do trabalho. Frequentemente, por meio de formas de gerenciamento, cooperação e controle total ou parcialmente automatizados.

A maioria das plataformas de crowdwork presta serviços a outras corporações, terceirizando tarefas junto a trabalhadores espalhados pelo mundo, em troca de remunerações irrisórias.

Há quem estime o número de trabalhadores registrados nessas plataformas em cerca de 70 milhões. Considerada a alta rotatividade, essa cifra pode ser consideravelmente menor. Mas, com certeza, ultrapassa os dois dígitos em milhões.

É muita exploração e são muitas as contradições. Mas uma e outras podem gerar resistência e lutas radicais. É o que veremos na próxima e última pílula desta série.

Leia também: Novo trabalho digital, velha exploração de gênero

13 de julho de 2022

Novo trabalho digital, velha exploração de gênero

Muitas mulheres que trabalham em plataformas digitais foram obrigadas a deixar seus empregos regulares para cuidar de idosos e familiares com doenças crônicas. Em vários países, isso aconteceu devido ao alto custo dos serviços de atendimento e à ausência de um sistema público de saúde.

Segundo Moritz Altenried, em seu livro “A Fábrica Digital”, essas trabalhadoras se engajam no trabalho digital como única opção para ganhar algum dinheiro enquanto também cuidam de filhos, cônjuges ou parentes

Mas nada disso é novo. Em “O capital”, Marx cita serviços de costura e tecelagem feitos predominantemente em casa e quase exclusivamente por mulheres e crianças.

“A indústria doméstica, escreve Marx no século 19, tornou-se um departamento externo da fábrica”. Além dos operários das fábricas, “o capital também põe em movimento outro exército, por meio de fios invisíveis: os trabalhadores terceirizados nas indústrias domésticas”.

Essas formas de divisão do trabalho por gênero e sua organização social e espacial são importantes precursores da atual “economia do bico”. Na verdade, trata-se de uma reciclagem do velho acúmulo de tarefas que impõe múltiplas e exaustivas jornadas diárias de trabalho às mulheres.

A grande ironia é que há até 50 anos, grande parte das tarefas de computação em projetos científicos ou industriais era feita por mulheres formadas em matemática e outras ciências exatas. Foram algumas dessas mulheres que executaram os cálculos para o programa espacial estadunidense antes da implantação dos computadores.

Mas o reconhecimento público pelo desenvolvimento da computação foi colhido por cientistas e engenheiros homens. E não faltam denúncias do velho machismo no “inovador” Vale do Silício.

Leia também: O Turco Mecânico da Amazon

12 de julho de 2022

O Turco Mecânico da Amazon

Em seu livro “A Fábrica Digital”, Moritz Altenried relata que, ao construir seu mercado online, a Amazon tentou desenvolver um software capaz de reconhecer automaticamente todos os produtos duplicados e inadequados em seu site. Mas a inteligência artificial não conseguiu dar conta da tarefa. Para sanar o problema, a empresa desenvolveu a plataforma “Mechanical Turk”, terceirizando o trabalho para uma multidão de internautas.

Outras empresas começaram a copiar a solução e hoje são milhares de plataformas nas quais trabalham milhões de pessoas encarregadas de tarefas repetitivas, mentalmente desgastantes e psicologicamente abusivas, em troca de alguns centavos por hora.

Estima-se que são 20 milhões fazendo etiquetagem de dados para empresas como Google, Amazon e Tesla. Ou removendo imagens de violência e pornografia infantil em plataformas como o Facebook.

Essas pessoas são pagas por tarefa e acredita-se que o salário médio seja inferior a 2 dólares por hora. Estão, principalmente, na Índia, Uganda, Palestina, Venezuela, nos campos de refugiados de Dadaab, no Quênia, e de Shatila, no Líbano.

Muitas vezes, são pagos com “pontos” ou cartões, que só podem ser usados em sites ou lugares específicos, ferindo a legislação trabalhista de muitos países. É o equivalente digital do sistema de “barracões” das fazendas de trabalho escravizado do mundo presencial.

“Mechanical Turk” era um boneco com roupas árabes que ficou muito famoso no século 18 jogando xadrez com seres humanos. Na verdade, era um dispositivo que escondia uma pessoa, que movia as peças em uma posição muito desconfortável.

Até quando escolhe o nome de um de seus dispositivos de superexploração de trabalho humano, a Amazon capricha no cinismo.

Leia também: Os garimpeiros de ouro das fábricas digitais

11 de julho de 2022

Os garimpeiros de ouro das fábricas digitais

Estima-se que entre 400 mil e um milhão de trabalhadores digitais “garimpam ouro” em ambientes de videogames no mundo todo.

Funciona assim: há áreas de alguns videogames muito populares destinadas à coleta de pontos simbolizados por ouro ou outras formas de riqueza. Os garimpeiros entram neles apenas para cumprir essa tarefa, utilizando contas inventadas por seus “empregadores”. A premiação recolhida é posteriormente vendida a outros participantes.

Também há pessoas pagas para avançar pelos vários níveis do jogo, acumulando poder, habilidades, armas e pontos. Depois, a conta é entregue ao comprador, que economiza tempo e esforço.

Uma terceira forma de trabalho digital consiste em formar grupos com dezenas de jogadores de alto nível, que agem como um exército de mercenários virtuais para clientes que precisam de apoio para lutar contra inimigos nos níveis finais dos jogos.

Por ser uma indústria global paralela, é difícil estimar o tamanho das receitas desse tipo de atividade, mas estima-se que variam de US$ 300 milhões a US$ 10 bilhões anuais.

Um dos garimpeiros descreve seu cotidiano: “Sete dias por semana, fazendo pelo menos 10 horas de garimpagem, olhando para a tela do computador, parado no mesmo cenário do jogo”. Mas há problemas mais graves.

Os jogos são compartilhados por milhares de participantes. Como a grande maioria é recrutada em países periféricos, quando os “garimpeiros” são surpreendidos pelos jogadores regulares, costumam receber pesadas ofensas racistas e, muitas vezes, são eliminados por hordas de participantes que concentram neles seus ataques.

As informações acima estão no livro “A Fábrica Digital”, de Moritz Altenried. Mostram como é brutal o jogo do capitalismo digital.

Leia também: O taylorismo do capitalismo digital

8 de julho de 2022

O taylorismo do capitalismo digital

Em seu livro “A Fábrica Digital”, Moritz Altenried mostra como a atividade do selecionador de mercadorias em grandes depósitos como os da Amazon e Walmart constitui um excelente exemplo do que ele chama de taylorismo digital: “A inserção do trabalho humano em máquinas algorítmicas complexas de forma a inverter a relação entre tecnologia e trabalho humano”.

Esses funcionários, diz Altenried, atuam como meros executores de softwares que ditam o caminho que eles devem percorrer pelo espaço codificado nos enormes galpões. Mas cita um relatório de 2014, de um centro de logística da Amazon, na Alemanha, para evidenciar a persistência de antigos métodos de controle e vigilância:

XY (funcionário) estava inativo em 29.08.2014 no horário de 07:27h até 07:36h (9 minutos). A ocorrência foi feita por XA (supervisor) e XB (gerente de área). XY e XZ (funcionários) estavam conversando entre os locais de recebimento 05-06 e 05-07 no transportador de nível 3 no Hall 2. Já em 01.10.2014, XY ficou inativo entre 08:15h e 08:17h (2 min). Fato observado por XC (líder) e XD (gerente de área). XY voltou do banheiro junto com XW (funcionário) às 08:15h. Depois disso, conversou com XV no Hall 2 durante 01:01 minutos, voltando ao trabalho às 08:17h.

O autor adverte, porém, que uma diferença crucial em relação ao taylorismo original é que sua aplicação na fábrica digital pode reunir diferentes trabalhadores sem homogeneizá-los em termos espaciais ou subjetivos. O trabalhador digital está longe de ser massificado como seu equivalente industrial. E isso traz novos e maiores desafios para a luta permanente contra a exploração e opressão capitalistas.

Continua...

7 de julho de 2022

Gestão científica (e digital) da exploração

Em seu livro “A Fábrica Digital”, Moritz Altenried conta que a Companhia Siderúrgica Bethlehem iniciou suas atividades em Baltimore, Maryland, em 1916. O engenheiro Frederick W. Taylor fez uma contribuição fundamental para o sucesso da empresa.

Ele criou uma teoria de administração centrada na separação entre planejamento e execução, decomposição e padronização das tarefas e vigilância meticulosa dos operários. Mudanças cruciais para racionalizar o fluxo de trabalho, mas principalmente para tentar quebrar a resistência dos trabalhadores.

Também em Baltimore, quase cem anos depois, os 4.500 trabalhadores das duas unidades locais da Amazon ganham cerca de metade do que seus predecessores ganhavam na Bethlehem. Muitos deles só trabalham meio período e dependem de cupons de alimentação fornecidos pela prefeitura.

Os locais de trabalho são saturados de software. A produtividade de cada funcionário é automaticamente medida e comparada com a dos demais. Quem não atinge as cotas é dispensado. Anualmente, são, pelo menos, trezentos demitidos por causa de sua “baixa produtividade”.

Esse novo taylorismo não está mais vinculado à arquitetura disciplinar da fábrica clássica. De fato, a fábrica digital de hoje pode assumir muitas formas diferentes. E não apenas na Amazon, mas em companhias como Uber, Facebook, Walmart e outros gigantes do capitalismo de plataforma.

A tecnologia digital permitiu uma atualização peculiar da gestão científica da exploração do trabalho. Mas Altenried adverte que é preciso evitar proclamá-la como novidade absoluta. Ao invés disso, é importante buscar continuidades, ecos e reconfigurações dos regimes anteriores. Até para criar novas formas de resistência a partir das lições aprendidas em antigas lutas contra o inimigo de sempre: o grande capital.

Continua...

Leia também: Contêineres, capitalismo digital e revolução logística

6 de julho de 2022

Contêineres, capitalismo digital e revolução logística

Em 1956, foi embarcado no porto de Nova Jersey o primeiro contêiner cujo modelo viria a ser adotado no mundo todo. 

Essa inovação representou, em primeiro lugar, um golpe nas organizações sindicais dos portos. Tradicionalmente combativos, os portuários viram seu poder de mobilização fragilizado pela drástica diminuição de suas ocupações devido à “conteinerização”.

Mas em seu livro “A Fábrica Digital”, Moritz Altenried também diz que a introdução dos contêineres revolucionou a logística, tornando o manejo e a circulação das mercadorias elementos cruciais do próprio processo produtivo.

O autor lembra que em seus esboços para “O Capital”, Marx chegou a argumentar que no capitalismo o comércio tende a deixar de ser uma função que ocorre entre momentos independentes da produção para se tornar inerente a ela.

Altenried considera a computação digital bastante semelhante ao contêiner, com seus modelos de padronização, modularização e processamento. A tecnologia digital se espalhou e agora permeia a maioria das operações logísticas, contribuindo para a aceleração da circulação global, afirma ele.

Um impacto crucial da revolução logística impulsionada por contêineres e algoritmos é uma mudança de poder entre empresas que produzem bens e aquelas que os vendem. Segundo Altenried, a ascensão de gigantes do varejo Amazon e Walmart, duas das maiores e mais importantes corporações da economia atual, além da gigante chinesa Alibaba, está intimamente ligado à revolução logística.

Mas, mesmo assim, esses enormes centros de distribuição permanecem altamente dependentes do trabalho humano. E é para dar conta de mantê-lo disciplinado e produtivo que o capitalismo de plataforma precisa do que nosso autor chama de “taylorismo digital”. Tema da próxima pílula.

Leia também: A disciplina de fábrica da Amazon

5 de julho de 2022

A disciplina de fábrica da Amazon

Em muitos centros de distribuição (CD) da Amazon espalhados pelo mundo, há pôsteres enormes com o slogan: “Trabalhe duro. Divirta-se. Faça história". Em regime de turnos que variam de acordo com as condições e regulamentações locais, esses lugares empregam normalmente entre mil e quatro mil trabalhadores. São, principalmente, selecionadores, cuja função é recolher mercadorias nas prateleiras. “Tudo aqui tem código de barras, até eu”, explica um deles.

O armazenamento não depende de agentes humanos que conheçam a posição dos itens, mas de um algoritmo. Somente o software da Amazon sabe exatamente onde cada mercadoria está armazenada e pode orientar os trabalhadores até ela. Em casos de problemas no programa ou falta de energia, o estoque instantaneamente se torna uma bagunça onde nada pode ser encontrado. Quando o sistema funciona, porém, otimiza tanto a capacidade de armazenamento quanto a eficiência das operações do depósito.

O CD é mapeado de acordo com o tempo que os trabalhadores levam para se deslocar entre locais identificáveis. Essas instalações são espaços algoritmicamente organizados, governados pela velocidade e eficiência.

Os selecionadores recebem metas de desempenho que variam entre 60 e 180 coletas por hora. No entanto, as metas parecem aumentar ao longo do tempo: “Depois de atingir minhas metas, elas quase sempre são mais altas no dia ou hora seguintes”, relatou um funcionário da unidade de Leipzig, Alemanha.

As informações acima estão no livro “Fábrica Digital”, de Moritz Altenried. Mostram o quanto de trabalho humano superexplorado e disciplinado está por trás do chamado capitalismo digital. E como sua organização se parece muito com a do modelo fabril clássico.

Continua nas próximas pílulas.

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4 de julho de 2022

A exploração humana nas fábricas digitais

Moritz Altenried é pesquisador da Universidade Humboldt, de Berlim, e lançou recentemente um livro sobre o trabalho em plataformas digitais. Ainda sem edição em português, o título original em inglês pode ser traduzido como “A Fábrica Digital - O Trabalho Humano da Automação”.

O autor começa dizendo que, aparentemente, as fábricas perderam o papel central que ocuparam por mais de um século na maioria das análises sobre o capitalismo. Mas isso não quer dizer que não haja uma lógica fabril que persistiu para além do declínio das grandes construções de cimento e aço. Altenried enxerga essa dinâmica, especialmente, em empresas como Google, Amazon, Facebook, Uber e outras gigantes do chamado capitalismo de plataforma.  Segundo ele, a investigação presente no livro:

...abrange locais que nem sempre parecem fábricas, mas onde sua lógica e funcionamento estão muito presentes, frequentemente acelerados pela crescente difusão da tecnologia digital. São funcionários de digitalização do Google na Califórnia; trabalhadores de depósitos na Alemanha ou Austrália; testadores e elaboradores de jogos eletrônicos ou moderadores de conteúdo na China e Filipinas; entregadores da Deliveroo ou avaliadores de mecanismos de busca no Reino Unido e Hong Kong; motoristas do Uber em Berlim e Nairóbi. Todos estes trabalhadores estão imersos na fábrica digital de hoje.

Esse contingente é formado principalmente por mulheres e migrantes precarizados e mal pagos, fazendo tarefas que a maioria das pessoas acha que são realizadas por algoritmos. Suas atividades são uma parte crucial, mas esquecida, do capitalismo digital contemporâneo. Tão ou mais exploradoras, opressoras e ambientalmente insustentáveis como aquelas desempenhadas em lugares encimados por chaminés.

Mais nas próximas pílulas.

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2 de julho de 2022

Mais turbulências lá fora, mais fumaça por aqui

Dois elementos importantes se destacaram no cenário internacional, recentemente. O primeiro aparece em artigo publicado por José Eustáquio Diniz Alves.

Em seu texto, o demógrafo e pesquisador ambiental chama a atenção para o encontro ocorrido em junho passado, em Pequim, do chamado BRICS, grupo de países que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

Para começar, o autor lembra que os BRICS surgiram no começo do século em desafio à hegemonia do G7, grupo formado pelos maiores países capitalistas: EUA, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Canadá.

No período recente, os BRICS perderam espaço no noticiário internacional, mas Alves lembra que, em termos econômicos, o grupo ultrapassou o G7 em 2020. Dados do FMI, diz ele, mostram que em 1980, o G7 representava cerca de 50% do PIB global e o BRICS, cerca de 10%. Mas, atualmente, cada um dos dois grupos é responsável por 30% da produção mundial.

No encontro de Pequim, a China deu o tom, com o presidente Xi Jinping, criticando os Estados Unidos e afirmando que “a hegemonia Ocidental tem provocado inúmeras tragédias, conflitos e guerras”. Segundo Alves, a China “pretende liderar um BRICS renovado e ampliado”.

Outro novo elemento importante no panorama global é o fortalecimento da Organização do Tratado do Atlântico Norte. Em meio à crise militar na Ucrânia, a Otan anunciou o aumento de suas forças de reação rápida de 40 mil para 300 mil homens na Europa.

A ambição chinesa e a disposição bélica ocidental podem causar mais turbulências no já agitado panorama global e atiçar o incêndio em nosso circo local.

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