Doses maiores

26 de junho de 2021

Derrota de Bolsonaro, só as ruas garantem

As últimas pílulas expuseram uma série de análises e elementos sobre o cenário para as eleições de 2022. Na primeira dessas pílulas, Marcos Nobre considerava Bolsonaro candidato fortíssimo à reeleição.

As análises que se seguiram chegavam a conclusões semelhantes. Bolsonaro atravessa seu pior momento, mas ainda contaria com uma série de fatores que poderiam virar o jogo a seu favor.

Os acontecimentos da última semana, com o escândalo da Covaxin em meio à CPI da Pandemia, parecem ter piorado muito a situação de Bolsonaro. Mas, ainda assim, é preciso cautela na análise e ousadia na ação.

Esperar uma derrota do atual governo impulsionada apenas pelo alto é perigoso. As próximas semanas serão decisivas para o destino de Bolsonaro, mas o mais provável é que o andar de cima não arrisque um impeachment.

Um Bolsonaro fraco demais para ser reeleito seria mais útil para também tornar menos necessária a candidatura Lula, única alternativa eleitoral viável atualmente.

Por outro lado, há tempo suficiente para que, mantido em seu posto, e contando com alguma sorte, Bolsonaro se recupere. Volte a se credenciar como alternativa para uma elite incapaz de substituí-lo e que teima na ingratidão em relação a todos os bons serviços que Lula lhe prestou.

A única maneira que as forças populares têm de influenciar nesse processo é mantendo e ampliando suas manifestações e protestos. Inclusive, para que negociações que envolvam um possível governo petista de “salvação nacional” sejam obrigadas a incluir a reversão dos inúmeros ataques a conquistas históricas dos oprimidos e explorados.

Como em outros momentos decisivos, a saída tem que ser por baixo.

Leia também: Bolsonaro: testa de ferro do Partido dos Militares?

24 de junho de 2021

Bolsonaro: testa de ferro do Partido dos Militares?

Para o antropólogo Piero Leirner, pesquisador das Forças Armadas desde o início da década de 1990 e professor da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), a ascensão de Bolsonaro à presidência não foi mero acidente, mas construída dentro do alto comando militar desde 2014.

É assim que o jornalista Carlos Eduardo Vasconcellos introduz sua entrevista com Leirner, recentemente publicada no portal Último Segundo.

Trata-se da mesma tese apresentada pelo estudioso em seu livro “O Brasil no espectro de uma guerra híbrida”. Segundo ele, o papel de Bolsonaro seria “dar uma 'cara' ao governo, isto é, manter a aparência de que tudo é consequência das eleições”. Para Leirner, o presidente seria:

...um agente ideológico terceirizado para dar a sensação que isto que estamos vivendo é um governo (ou desgoverno, dependendo do ponto de vista), e não um sistema de comando, controle e informações militar.

Ou seja, por trás de Bolsonaro haveria uma espécie de Partido Militar do qual ele seria mero “testa de ferro”. A tese é bastante pertinente, mas dá a impressão de que Bolsonaro estaria sob controle de um comando superior fardado.

O problema é que o sistema político nacional ainda depende fortemente de votos. E Bolsonaro é o único nome do Partido Militar capaz de conquistá-los. Isso é suficiente para dar ao capitão grande autonomia frente aos generais, seus supostos comandantes.

O mais provável é que haja muitos problemas e contradições também no interior do Partido Militar. Por enquanto, não seria nada que viesse a causar um verdadeiro racha entre Bolsonaro e seus “correligionários”, mas pode atrapalhar bastante os planos para sua reeleição.

Tomara!

Leia também: Reeleição: entre a ameaça golpista e o golpe

23 de junho de 2021

Reeleição: entre a ameaça golpista e o golpe

Em 11/06/2021, Fernando Abrucio publicou no jornal Valor um interessante artigo sobre os possíveis planos de Bolsonaro para continuar no poder.

Para o cientista político, o plano A do bolsonarismo é a reeleição e seu principal trunfo seria um cenário econômico melhor para o ano que vem: PIB maior, alta no preço das commodities e espaço orçamentário para criar um equivalente do Bolsa-Família (veja mais na pílula de ontem).

Mas o analista enxerga vários problemas nesse cenário. A melhoria econômica pode não ser suficiente para causar na população uma sensação de bem-estar. Os valores previstos para o novo Bolsa-Família ficarão longe do que pagou o Auxílio Emergencial, grande responsável pela sustentação do apoio popular ao governo durante a pandemia, apesar do descaso com a doença.

Além disso, os estados do Nordeste, região com maior número de beneficiários do Bolsa-Família, hoje são todos governados por forças que sempre foram oposição ao atual governo federal ou dele se afastaram.

Por fim, diz ele, o presidente vem sendo “cada vez mais rejeitado pelas classes médias do Sul e Sudeste”, assim como pelos pobres das regiões metropolitanas, lugares onde “os movimentos sociais estão crescendo frente ao aumento da vulnerabilidade social”.

Diante disso, o plano B consistiria em unir forças civis e militares e “emparedar parte da classe política” para manter-se no poder. Entre o blefe e a realidade, a ideia seria criar um “clima golpista permanente e crescente”. Reeleição ainda, mas sem descartar um golpe.

Desse modo, conclui ele, serão os 18 meses mais tensos desde o fim da ditadura militar.

Na pílula de amanhã, mais elementos.

Leia também: Contra a reeleição, avançar na jugular de Bolsonaro

22 de junho de 2021

Contra a reeleição, avançar na jugular de Bolsonaro

É preciso ter cuidado com expectativas muito otimistas quanto a uma derrota do governo Bolsonaro nas próximas eleições. Já comentamos as entrevistas concedidas por Marcos Nobre, que advertem para a forte possibilidade de uma reeleição. Mas há outras boas análises nesse sentido.

É o caso de um artigo de Paulo Nogueira Batista Jr. Nele, o economista aponta alguns fatores econômicos para que Bolsonaro seja reeleito. Para começar, um expressivo aumento do PIB. Exatamente por partir de uma base extremamente baixa, qualquer elevação substantiva pode causar uma sensação de melhora inflacionada.

Por falar nisso, é bom lembrar que o teto de gastos do governo é corrigido pela inflação. A inflação elevada deve proporcionar folga orçamentaria suficiente no próximo ano para que Bolsonaro aprove um “Bolsa Família para chamar de seu”. Ainda que se mostre inviável mantê-lo depois da eleição, o estrago já estaria feito.

Outro fator importante é a atual alta dos preços das commodities exportadas pelo Brasil. Provavelmente, trata-se de um ciclo curto, mas seus efeitos podem perdurar até a época das eleições.

Por fim, o economista acha que boa parte da economia já se adaptou à pandemia. Adaptação cruel, com desemprego, precarização, salários baixos, muita doença e mortes. Mas esse tipo de adequação infelizmente nunca foi novidade em nossa história.

Batista Jr. admite que podem ocorrer muitas coisas que joguem todas essas previsões por terra. Mas, pelo sim, pelo não, acredita que o momento é de “partir para a jugular de Bolsonaro”. Ou seja, manter e ampliar as mobilizações e protestos. Quanto a isso, total acordo.

Traremos outras análises a seguir.

Leia também: Contra o golpista Bolsonaro, uma frente com golpistas?

21 de junho de 2021

Contra o golpista Bolsonaro, uma frente com golpistas?

Continuamos a comentar duas recentes entrevistas concedidas por Marcos Nobre sobre as próximas eleições. Nelas, o professor da Unicamp defende a necessidade de unir contra Bolsonaro não só a esquerda, mas também os democratas de direita.

O problema é que a maioria desses “democratas” é formada por golpistas que colocaram Bolsonaro no poder. Para deixar isso mais claro, vale a pena citar o depoimento de Vladimir Safatle para o site Carta Maior. Segundo o filósofo e psicanalista:

Hoje a gente sabe que não houve eleição em 2018. Foi uma eleição de República Velha, completamente forjada. Você tira um candidato e aí vence o candidato que querem eleger. Isso com direito a ameaça das Forças Armadas em relação ao Supremo Tribunal Federal dizendo “se o processo não for esse a coisa muda de figura”.

Safatle se refere à enorme conspiração feita para impedir o PT de vencer as eleições. Um conluio que uniu praticamente todos os que hoje se dizem arrependidos por apoiarem Bolsonaro.

Mas esse suposto arrependimento nada tem a ver com a defesa da democracia. O que os preocupa é o comportamento errático e irresponsável do capitão, escancarado pela pandemia. Mas, principalmente, sua dificuldade em aprovar as reformas ultraliberais que esperavam dele.

Nesse cenário, tanto a recente habilitação eleitoral de Lula como a CPI da Pandemia parecem mais tentativas de colocar um cabresto em Bolsonaro do que uma opção fechada em torno de sua deposição ou derrota em 2022.

Claro que Nobre tem razão ao dizer que Bolsonaro segue forte. Mas nem tanto ao depositar esperanças numa grande frente democrática.

Continua na próxima pílula.

Leia também: Bolsonaro ainda fortíssimo

18 de junho de 2021

Bolsonaro ainda fortíssimo

O professor da Unicamp Marcos Nobre deu duas entrevistas recentes. Respeitado cientista social e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), ele costuma fazer análises precisas em relação à política institucional.

No depoimento que deu ao Globo, destaque-se o trecho em que Nobre duvida do clima otimista quanto a uma derrota eleitoral de Bolsonaro:

Quando alguém me pergunta se Bolsonaro está fraco ou forte, respondo “nenhuma das duas coisas”. Está forte o suficiente para ir ao segundo turno e evitar um impeachment, e está fraco o suficiente para mostrar a esse eleitorado que ele é alguém que luta permanentemente contra o sistema.

O título da entrevista concedida ao site Marco Zero reforça essa avaliação pessimista: “Bolsonaro é um candidato fortíssimo e as instituições estão em colapso”, disse ele.

Nessa última entrevista, Nobre também chama a atenção para o que significaria a reeleição do atual governo: “...ele vai fechar o país, seguindo os modelos autoritários dos chefes de governo de Polônia, Hungria e Filipinas”.

Tanto na primeira quanto na segunda entrevista, Nobre é convincente em sua argumentação. E como resposta a esse quadro ameaçador para a democracia, ele:

...receita a Frente Ampla, mas sem candidatura única. Uma frente que, no segundo turno, una as esquerdas e a direita não bolsonarista contra o presidente. “Ninguém consegue dar golpe contra 70% da população se esses 70% estiverem com o mesmo intuito de preservar a democracia. Por isso é que é difícil. Mas é o que precisa ser feito.”

Novamente, Nobre tem razão. Mas só no atacado. No varejo, não é bem assim. Continuaremos na próxima pílula.

Leia também: Qual democracia devemos defender contra Bolsonaro (2)

17 de junho de 2021

Em Nomadland, a Amazon é um labirinto de perigos

Despejados de suas casas pela crise das hipotecas de 2008, muitos estadunidenses de classe média formaram comunidades nômades que circulam pelo país em trailers, buscando trabalho temporário.

Nos eventos que essas comunidades organizam, a Amazon monta quiosques de recrutamento. Vestindo camisetas da empresa, os recrutadores distribuem panfletos onde se lê "CONTRATANDO AGORA", junto com adesivos, calendários e outros brindes promocionais.

O relato acima é baseado no livro "Nomadland", de Jessica Bruder, assim como o testemunho abaixo, de um dos recrutados:

“Vocês vão fazer muito esforço físico aqui. Provavelmente, vão se agachar umas mil vezes por dia, sem exagero", avisou nosso instrutor. Alguns estagiários riram. Sentamos em longas mesas em ordem alfabética, como crianças em idade escolar. A maior parte da multidão estava acima dos 60 anos. Eu era o único com menos de 50, um dos três trabalhadores sem cabelos grisalhos. Disseram-nos que os gerentes do depósito solicitaram oitocentos trabalhadores e apareceram mais de novecentos.

O maior galpão equivale a 19 campos de futebol e tem 32 quilômetros de correias transportadoras. É um labirinto de perigos. Cabelos precisam ficar amarrados para não se prenderem nos rolamentos e os crachás têm cordões quebráveis para evitar estrangulamentos.

No verão, as temperaturas de um armazém na Pensilvânia ultrapassam os 45 graus. Os gerentes não abrem as portas por medo de roubo. Em vez disso, deixam ambulâncias prontas para retirar funcionários adoecidos pelo calor.

Nessas condições, os contratados cumprem jornadas superiores a 10 horas, com dois intervalos, de quinze e trinta minutos, para refeições. Tarefas rigidamente cronometradas por sensores completam o quadro.

Com isso, concluímos essa viagem exaustiva e revoltante.

Leia também: Nomadland: a vida humana como efeito colateral

16 de junho de 2021

Nomadland: a vida humana como efeito colateral

Muitos dos trabalhadores que conheci nos galpões da Amazon faziam parte de um grupo demográfico que nos últimos anos cresceu com velocidade alarmante: americanos mais velhos, perdendo rapidamente qualidade de vida. Nos melhores dias do Império – com uma classe média forte, estabilidade no emprego e boas aposentadorias – essa situação era inimaginável.

O trecho acima é do livro "Nomadland", de Jessica Bruder, sobre trabalhadores despejados de suas casas pela crise das hipotecas de 2008. Nômades, eles passaram a circular pelo país a bordo de seus motor-home.

Formaram uma espécie de comunidade itinerante que costuma se encontrar nos locais que oferecem trabalho temporário. Muitos deles são os enormes centros de distribuição da Amazon.

A autora cita a experiência de uma dessas pessoas. Quando partiu em seu trailer sete meses antes:

...a sobrevivência financeira não era seu único objetivo. Ela também sonhava em se juntar a uma comunidade maior de pessoas. Pessoas que estavam dispostas a refazer radicalmente suas vidas em busca de realização e liberdade. Mas na Amazon, os turnos massacrantes eram exaustivos e solitários. Seus dias de folga serviam mais para recuperação do que socialização, não deixando muito tempo para se relacionar com outros nômades.

Mas a Amazon não criou tais centros especificamente para explorar esses deserdados do sonho americano. A empresa também surgiu na esteira da crise de 2008, mas como alternativa para o capital cortar radicalmente os custos com o trabalho humano utilizado no varejo comercial. A exploração desses sem-tetos motorizados foi apenas um lucrativo efeito colateral.

Na verdade, vidas humanas sempre foram tratadas como desagradáveis efeitos colaterais pelo capitalismo.

Mais na próxima parada.

Leia também: Nomadland: muitas horas e quilômetros trabalhando para a Amazon

15 de junho de 2021

Nomadland: muitas horas e quilômetros trabalhando para a Amazon

Em um capítulo de seu livro "Nomadland", Jessica Bruder revela como funciona o trabalho temporário na Amazon estadunidense. Um aspecto pouco desenvolvido no premiado filme inspirado pela obra.

Em 2011, a Amazon começou a criar grandes centros de distribuição chamados “CamperForce”, que empregam milhares de trabalhadores nas temporadas de vendas elevadas. Entre eles, muitos idosos.

Segundo o livro, esses galpões são tão grandes que os trabalhadores apelidaram seus setores com nomes de estados americanos. Os contratados trabalham dez horas ou mais caminhando cerca de 8 ou 9 quilômetros, por US$ 12 a hora. Enquanto examinam, classificam e embalam mercadorias, eles agacham-se, inclinam-se, empurram carrinhos, sobem e descem escadas.

Em um grupo fechado de funcionários da Amazon no Facebook, uma mulher disse que perdeu 12 kg durante seus três meses no emprego. Alguém respondeu: “É fácil perder peso caminhando meia maratona todos os dias. Você fica cansado demais para comer!” Outro participante se gabou de caminhar quase 900 km em dez semanas de trabalho.

Quando os períodos das grandes compras terminam, os “CamperForce” são desativados e os trabalhadores partem no que os gerentes chamam de "desfile de lanternas traseiras". Referem-se à fila de furgões e trailers que servem de moradia para esses condenados à vida nômade porque perderam suas casas na crise das hipotecas de 2008.

No total, esses períodos de contratação não passam de 90 dias por ano. Durante esse tempo, os idosos ou quase idosos ficam fora dos programas governamentais de assistência. E a Amazon consegue gordas isenções fiscais por empregar “pessoas em situação desvantajosa”.

Mas vantagem, mesmo, só para os capitalistas da Amazon.

Continua...

Leia também: Na terra dos nômades, a Amazon e os “amazumbis”

14 de junho de 2021

Na terra dos nômades, a Amazon e os “amazumbis”

"Nomadland" recebeu o Oscar de melhor filme, atriz e direção em 2021. O longa foi inspirado no livro homônimo da jornalista Jessica Bruder, publicado em 2017.

Em formato de reportagem, o livro mostra o cotidiano de idosos que se deslocam pelo território estadunidense em furgões e trailers. São os nômades a que se refere o título.

A grande maioria deles não está na estrada a passeio. Moram sobre rodas porque suas casas lhes foram tiradas pelos bancos que as financiaram. É uma das consequências da crise das hipotecas de 2008.

A produção cinematográfica não é um documentário nem pretendia ser uma obra de denúncia. Talvez por isso tenha sacrificado alguns aspectos importantes dos relatos de Jessica. Principalmente, maiores informações sobre o trabalho executado por idosos nos galpões da Amazon.

A empresa começou a criar grandes centros de armazenamento e triagem em território americano, em 2011. Acabou atraindo essas pessoas em constante deslocamento para executar tarefas temporárias nos períodos de alta nas compras. Elas formam comunidades transitórias no entorno dos armazéns da empresa.

Segundo um dos entrevistados pela autora, a Amazon gosta de recrutar idosos porque executariam suas tarefas com maior responsabilidade. “Nós tiramos poucas folgas e não deixamos as coisas inacabadas”, diz ele, aparentemente orgulhoso.

O trabalho não é dos mais pesados, mas exige resistência física. Depois das longas jornadas noite adentro, os trabalhadores voltam para seus veículos extenuados. Transformados em “amazumbis”, costumam brincar, ainda que não pareça nada divertido.

Nas próximas pílulas, mais detalhes do capítulo do livro que descreve essa fábrica de zumbis que já instalou oito de seus depósitos no Brasil.
 
Leia também: Google e Amazon de olho nas oportunidades do apocalipse