Doses maiores

31 de março de 2011

Adriano é ficha limpa

Piada nova entre os torcedores de futebol: já que a lei da Ficha Limpa só vale para 2012, Adriano já pode começar a jogar no Corinthians.

Não tem graça. Adriano tem hábitos condenados pela moral vigente. Gosta da favela em que nasceu. Parece que bebe além da conta. Tem amigos de infância que viraram adultos que cometem crimes. Mas, o tratamento que o jogador vem recebendo por grande parte da mídia mistura hipocrisia com racismo e elitismo.

O jornalista Milton Neves, por exemplo, vive referindo-se aos hábitos privados de Adriano. Gosta de comparar sua vida particular com a de Kaká. Disse que a privacidade do jogador branco e bonitão não é discutida pela mídia devido a seu comportamento impecável.

Impecável? Será que não há pecado na relação que Kaká manteve com o casal Hernandes? Nada de errado em ter sido protegido dos fundadores da Igreja Renascer? Apadrinhado de pessoas acusadas de lavagem de dinheiro, estelionato e falsidade ideológica?

Não há acusação formal contra Adriano. Sua ficha policial está limpa. Bem diferente de muitos políticos, empresários, jornalistas, artistas. Gente engravatada ou vestida com marcas da moda. Portadores da "cor certa", da "origem correta", criados na "melhor vizinhança", freqüentadores dos mais "elevados" círculos sociais.

Sócrates foi um importante líder da Democracia Corinthiana. Um movimento dos anos 80 que lutou pela abolição da escravidão dos jogadores no futebol. Sempre gostou de bar, música e política. Foi respeitado pelo que fazia em campo. Continua digno fora dele. Mas, é médico formado. Não tem a pele escura. A luta que liderou ainda tem muito a conquistar.

A marcação sobre a vida particular de Adriano é anti-esportiva. Jogo sujo.

Leia também: O Corinthians e o futebol têm pouco a comemorar

30 de março de 2011

O mundo árabe é ocidental

As lutas dos povos árabes estão nas manchetes dos jornais. Mas, são mostradas como reações de povos afundados no passado. Vítimas de sua própria ignorância e fanatismo, estariam reagindo para entrar na modernidade capitalista.

Nada disso é verdade. O que revolta os povos árabes não é apenas a falta de liberdade. Sua luta é contra ditaduras instaladas pelos modernos poderes ocidentais. São baixos salários, desemprego elevado, injustiça social. Problemas causados pelo pesado investimento imperialista na região. Tudo muito atual e moderno.

É verdade que os povos árabes sofrem com desgraças muito próprias. É alto o nível de repressão e opressão. Mas, isso não é exclusividade daquela parte do planeta.

O fanatismo religioso elegeu duas vezes George Bush nos Estados Unidos. O ódio aos estrangeiros se espalha pela Europa. O fascismo tenta renascer nos países germânicos e na Itália. Tudo muito capitalista.

Foi o Ocidente que transformou o mundo árabe em um barril de pólvora. Foi sua ganância pelo petróleo e gás da região. Para controlar estes recursos, vive a acender o pavio dos conflitos religiosos, étnicos e históricos. E onde eles não existem, o imperialismo provoca seu surgimento.

Os maiores problemas do mundo árabe são de origem recente e capitalista. Precisam de uma saída à altura: a revolução dos explorados contra ditadores e governantes submissos ao imperialismo.

Leia também Líbia: não há escolha entre dois diabos

29 de março de 2011

Líbia: não há escolha entre dois diabos

O principal alvo dos ataques imperialistas não é Kadafi. O ditador era compadre de Berlusconi e Sarkozy até o mês passado. Semanas atrás, seu governo ainda mantinha negócios com poderosos grupos capitalistas. Tornou-se inimigo deles quando virou alvo da ira de seu povo.

A verdadeira ameaça é o controle popular de um país com enormes reservas de petróleo e gás. A resistência sanguinária de Kadafi foi o pretexto que os imperialistas precisavam para se meter na briga. Querem esfriar os ânimos na região e assumir o controle direto da Líbia e suas riquezas.

Nesse confusão toda, muitos setores da esquerda mundial estão presos num jogo sem sentido. Alguns consideram os ataques estrangeiros um mal menor. Outros acham o mesmo em relação a apoiar Kadafi. Para os socialistas, optar por um dos dois lados é o mesmo que escolher o diabo mais manso para fazer um pacto. Qualquer que seja a opção, a alma estará condenada.

Um texto do marxista espanhol David Karvala deixa bem claro o que está em jogo na Líbia. “Não se pode fazer uma revolução sob a proteção militar dos Estados Unidos e seus aliados”, diz ele. “Bombardeios ocidentais não vão favorecer a revolução, só fortalecerão o ditador”, afirma.

Vale a pena ler o texto na íntegra: Gaddafi mata e o imperialismo mata mais

Leia também: Fora as tropas imperialistas da Líbia!

28 de março de 2011

Jirau e o direito de ser pelego

O conflito entre trabalhadores e as empreiteiras nas obras da Usina de Jirau ganharam as manchetes dos jornais. Os direitos mais básicos dos operários estão sendo desrespeitados pela poderosa empreiteira Camargo Corrêa.

Maus tratos, irregularidades no pagamento, péssimas condições de trabalho, higiene e alojamento. O episódio é triste não só pela humilhação sofrida pelos trabalhadores. O comportamento pelego da dos sindicalistas oficiais também é de chorar.

No dia 22 de março, Vagner Freitas, tesoureiro da CUT, esteve no local. Segundo reportagem de Leonencio Nossa para O Estado de S.Paulo, Freitas pediu aos operários que voltassem ao trabalho. O sindicalista teria dito que o "Brasil precisa de energia limpa. A obra da usina precisa voltar a funcionar, porque a sociedade está sendo prejudicada".

Em artigo publicado em 27 de março, no Globo, Elio Gaspari comentou a posição da central rival da CUT. O presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, teria admitido dificuldades em dar resposta aos trabalhadores. Segundo ele, “nenhuma das duas grandes centrais está habituada a lidar com multidões”.

Segundo Gaspari, as obras de Jirau e Santo Antônio empregam 38 mil trabalhadores. A multidão que realmente vem interessando aos sindicalistas é outra, diz o jornalista. É aquela formada pelos associados que lhes garantem R$ 1 milhão anual em impostos sindicais.

Nem O Estado de São Paulo, nem Gaspari merecem grande confiança. Mas, alguém duvida de que representantes da CUT e da Força Sindical tenham se prestado a um papel feio como este? Não se trata apenas desse episódio específico. O lulismo tem feito muito sindicalista abusar do direito de ser pelego.

Leia também Jirau é senzala. Lula, capitão-do-mato

25 de março de 2011

Comuna de Paris: socialista sem querer

Há 140 anos, a classe trabalhadora dominou Paris durante 72 dias entre março e maio de 1871. Foi durante uma guerra entre França e Prússia. O povo assumiu o controle da capital francesa depois que seus governantes fugiram diante da aproximação das tropas inimigas.

Era a primeira vez que a plebe tomava o poder. Um péssimo exemplo para os povos de todo o mundo. A resposta foi rápida e traiçoeira. As elites da França e da Prússia esqueceram suas divergências. Juntaram seus exércitos para esmagar a Comuna. Morreram mais de 20 mil parisienses.

Para Marx, a Comuna foi primeiro governo operário da história. Mas ele sabia que a maioria de seus líderes não era socialista. Tratava-se de uma revolta iniciada por motivos patrióticos. Contra a traição da elite francesa ao povo parisiense, ameaçado por um inimigo estrangeiro.

Apesar disso, é possível dizer que os “comuneiros” eram socialistas. Sempre que era perguntado sobre o que seria o socialismo, Marx lembrava a experiência da Comuna. Destacava algumas das principais medidas adotadas.

Referia-se ao voto direto e universal, inclusive para mulheres. Parlamentares e juízes eleitos para mandatos revogáveis a qualquer momento. Salários de trabalhadores para todos os funcionários e deputados. Fim do exército permanente. Polícia sob controle da Comuna.

A Comuna era um corpo executivo e legislativo ao mesmo tempo. Uma república democrática em que a classe dominante era classe trabalhadora. Uma verdadeira socialização do poder político. Nada a ver com um Estado forte, centralizado e militarizado, que decide tudo de cima para baixo.

Socialismo, para Marx, era a radicalização da democracia dos trabalhadores contra seus exploradores.

Leia mais em Comuna Republicana ou Comuna Operária?

24 de março de 2011

Carta à Roma Antiga

Ave, irmãos romanos. Dirijo-vos esta mensagem de muito longe, no futuro. Estou mais de 21 centúrias anuais à frente de nossa época.

São muitas as maravilhas que encontrei. Não teria como descrevê-las tão brevemente. Por isso, vou me ater à vida política destes tempos. A maioria dos povos atuais vive em repúblicas. Tal como nós, em Roma.

Muito me surpreendeu que já não haja escravidão. Ainda mais espantoso: até as mulheres são consideradas aptas a opinar nas coisas públicas. Isso permite o exercício do que eles chamam de “voto universal”. Portanto, vejo que rendeu frutos a luta que nós, plebeus, iniciamos em nosso tempo.

Lembro nosso primeiro grande movimento. Daqui, deste século, já se vão uns 2.500 anos. Retiramo-nos da cidade de Roma. Os patrícios ficaram sem nossos serviços. Foram obrigados a reconhecer o direito de elegermos um representante plebeu para o Senado.

Uns 20 anos depois, conquistamos a primeira Assembléia da Plebe. Foram precisos outros 20 anos para derrubar a diferença legal entre nossa gente e os patrícios. Aprovamos a Lei das Doze Tábuas. Gloriosas vitórias, sem dúvida.

Mas, percebi que a vida pública permanece vítima do mesmo mal que acometeu nossa república. A grande maioria do povo continua a influenciar pouco as coisas públicas. Agora como antes, só alguns têm condições de deixar de lado atividades relacionadas à sobrevivência. Apenas uma minoria se dedica aos afazeres políticos. Desse modo, governam conforme os interesses dos que têm o poder econômico.

Ao que parece, somente com o fim da classe dos que vivem do trabalho alheio, a verdadeira república será alcançada.

Leia também Carta ao século 16: imagens vazias

23 de março de 2011

Papas da elite, santos do povo

Em janeiro passado, o Vaticano anunciou que a beatificação de João Paulo II deve acontecer em 1¤ de maio. O atual chefe da Igreja Católica reconheceu lhe um milagre. Que seja. Mas o papa polonês ficou famoso mesmo pelos serviços que prestou aos poderosos no mundo. Adequado antecessor de Bento 16, cujas posturas se aproximam perigosamente do fascismo.

Enquanto isso, santos abençoados pela luta popular ficam esquecidos. É o caso de Dom Romero, assassinado em El Salvador, em 24 de março 1980. O bispo foi morto em plena celebração da missa. Sacrificado por denunciar a ditadura que dominava o país e defender os agricultores famintos. As posturas do salvadorenho eram mal vistas no Vaticano. A começar pelo atual candidato à beatificação.

Outro a desagradar a cúpula católica é Dom Pedro Casaldáliga, bispo de São Félix do Xingu, no Mato Grosso. Ele é o responsável pela maior diocese do mundo. Apesar disso, reza suas missas em uma catedral que mais parece uma igreja humilde. Há muitas décadas apóia a luta dos povos da região contra latifundiários. Por isso, sofre constantes ameaças de morte. O Vaticano só lhe tem desprezo.

Sobre conversões santificadoras, Casaldáliga tem opiniões bastante claras. Elas estão relatadas em reportagem de Claudia Fanti para a mais recente edição da revista italiana “Adista-Documenti”. Segundo o bispo brasileiro, ninguém deve canonizar Romero porque "lhe fariam uma ofensa". Seria o mesmo que considerar que não serve “a primeira canonização", aquela realizada pelo povo.

Que os papas fiquem com seus santos. Sempre prontos a dobrar os joelhos diante dos poderosos.

Mais em: A inesquecível grandeza de Romero: um homem que sabia vencer o medo à morte

22 de março de 2011

Jirau é senzala. Lula, capitão-do-mato

Em agosto do ano passado, Lula esteve no canteiro de obras da usina hidrelétrica de Jirau. Elogiou o ar condicionado nos alojamentos construídos nas margens do Rio Madeira, em Rondônia:
Isso demonstra que os trabalhadores vão aprendendo a conquistar seus direitos, os empresários vão aprendendo que é importante que, quanto mais conforto, mais os trabalhadores produzem e assim a gente vai mudando a cara do nosso País.
Em 20 de março passado, no mesmo local, os trabalhadores da obra se revoltaram. Mais de 40 ônibus, carros, alojamentos e outras instalações foram queimados.

A Aliança dos Rios da Amazônia publicou uma nota sobre o episódio:
Jirau concentra todos os problemas possíveis: em ritmo descontrolado, trouxe à região o “desenvolvimento” da prostituição, do uso de drogas entre jovens pescadores e ribeirinhos, da especulação imobiliária, da elevação dos preços dos alimentos, das doenças sem atendimento, e de violências de todos os tipos.
Segundo o documento, em 2009, 38 pessoas foram libertadas de trabalho análogo à escravidão em uma empresa que prestava serviços à empreiteira. Em 2010, foram registradas 330 infrações trabalhistas. A construtora Camargo Correia é acusada por maus tratos, irregularidades no pagamento, não-pagamento de horas-extras, intimidação, etc.

No Ceará, na mesma época, 6 mil trabalhadores das obras da Termelétrica de Pecém iniciaram uma greve. A situação é parecida com a de Jirau. Um dos patrões envolvidos é Eike Batista, cujas empresas vêm sendo beneficiadas pelos petistas no poder.

As grandes obras em andamento pelo País não causam danos apenas à fauna e à flora locais. Reproduzem a secular lógica da Casa Grande e da Senzala. Os senhores oferecem ração magra e nojenta, chicote e brutalidade. Cobram daqueles que consideram seus escravos agradecimento e respeito.

Lula disse que os empresários estão aprendendo. Na verdade, já são doutores nesse tipo de lição. O ex-metalúrgico é só mais um capitão-do-mato a lhes facilitar o serviço.

Leia também Contra o desmatamento, comunismo indígena

21 de março de 2011

Obama, pálido e triste

A diplomacia brasileira disse que trataria Obama “de igual para igual”. Não foi o que aconteceu. O mundo oficial parou tudo para deixar o presidente americano passar. Obama agiu tal qual um monarca em visita a suas colônias.

No entanto, o reinado de Obama é o da frustração. Traiu praticamente todas as suas promessas de campanha. Não fechou a prisão de Guantánamo. Não retirou as tropas americanas do Iraque. Votou contra resolução da ONU pelo fim da presença israelense na Palestina. Lançou o maior pacote de ajuda econômica da história para salvar banqueiros. O sistema público de saúde criado por ele não passa da entrega do setor à exploração das grandes empresas.

Obama é autor de uma grande façanha. Não é fácil chegar aonde chegou num país racista. Mas, só assumiu o poder porque este já o havia moldado para tanto. A mais perfeita ditadura do mundo não permitiria algo diferente. Não se chega ao topo de um império para enfraquecê-lo. Por isso, o único papel que vem desempenhando bem é o que representou no Brasil. O de imperador.

Quanto aos que o receberam, fizeram o que deles se esperava. Obama fez promessas genéricas, elogios fáceis, arrancou gritinhos e aplausos. De concreto, mesmo, a pretensão de garantir reservas de petróleo e manter o saldo comercial favorável a seu país.

Há uma música de Gilberto Gil que cita Michael Jackson. A letra diz que o grande astro negro “além de branco ficou triste". Barack Obama aparenta alegria. A cor de sua pele não mudou. Mas, tudo o que sua eleição parecia representar tornou-se pálido e deprimente.

Leia também:

Estados Unidos: feios, sujos, malvados

A Doutrina Obama de Imperialismo

18 de março de 2011

Líbia: fora as tropas imperialistas!

Os setores populares podem sofrer uma grande derrota na Líbia. Não é só a possibilidade de Kadafi se manter no poder. Uma intervenção militar estrangeira seria tão ou mais desastrosa.

Resolução do Conselho de Segurança da ONU aprovada ontem permite o uso de força militar na Líbia. A medida foi defendida por França, Reino Unido e Estados Unidos. Ou seja, pelo núcleo do imperialismo ocidental.

Sempre que a resolução de um conflito dessas dimensões começa a depender do poder militar, as forças populares são as grandes vítimas. Trabalhadores e setores explorados não podem contar com grandes arsenais bélicos. Sua arma principal é seu número e o lugar que ocupam no setor produtivo.

É fundamental que os explorados paralisem a produção nacional. Construam comitês políticos locais coordenados nacionalmente. Somente desse modo podem fazer frente ao poder centralizado e repressivo do Estado. Podem conquistar o apoio de soldados das tropas oficiais. Transformar sua revolta em liderança social.

Fortes greves em setores produtivos foram determinantes para a queda das ditaduras na Tunísia e no Egito. Infelizmente, o mesmo não aconteceu no plano político. Não parece haver organismos políticos populares fortes o bastante para transformar a derrubada das ditaduras em luta contra o capitalismo e suas instituições.

Na Líbia, o movimento operário não parece estar à frente das revoltas. Comitês populares ainda estão sendo formados. Sem esses elementos, Kadafi se sentiu fortalecido. O deslocamento da luta para o terreno estritamente militar pode ser desastroso.

Um ataque imperialista poderia ajudar Kadafi a se passar por defensor da pátria. Ou iniciaria uma tragédia como a que vemos no Iraque e Afeganistão.

Leia também: Nem Kadafi, nem imperialismo

17 de março de 2011

Planeta mal humorado ou mal ocupado?

Nos últimos dois anos, terríveis terremotos atingiram Haiti, Chile e Japão. Parece que a terra vem tremendo com mais freqüência. Reportagem de Maria Fernanda Ziegler, publicada no iG em 16/03, afirma que não é bem assim. O título da matéria diz tudo: “Especialistas dizem: mundo não está acabando, só está superlotado”.

Segundo cientistas ouvidos pela reportagem, as estatísticas não confirmam o aumento de terremotos. O problema é que os abalos vêm atingindo áreas muito populosas. Fruto do crescimento demográfico mundial. Mas, será que o planeta está superlotado?

O sistema capitalista de produção exige enormes concentrações urbanas. Locais que reúnam grande quantidade de força-de-trabalho e matéria-prima à disposição da exploração econômica mais extrema.

Por outro lado, enormes extensões de terra são destinadas a monoculturas e criação de animais para abate em larga escala. Enquanto isso, a maior parte da população mundial se amontoa em cidades gigantescas e caóticas.

Tudo indica que não deveria haver tantas pessoas morando no Japão, por exemplo. O país fica localizado sobre a junção de três placas tectônicas. O mesmo vale para muitas outras áreas de risco no mundo.

Não se trata de remover populações à força. As razões que levaram os povos a adotar pedaços do planeta como seu lar são muitas e misturam-se. São históricas, culturais, religiosas, ecológicas. Mas, nos últimos dois séculos, imposições econômicas vêm transformando terras natais em exílios infernais.

Poderosos interesses empresariais determinam uma ocupação desastrosa do planeta. É preciso construir outra relação com os humores biológicos, climáticos e geológicos da Terra. Algo que só será possível quando a maioria livrar-se da obrigação de gerar lucros para poucos.

Mais em Especialistas dizem: mundo não está acabando, só está superlotado

Leia também: Omelete radioativo

16 de março de 2011

Omelete radioativo

A grande imprensa vem elogiando o comportamento do povo japonês. Diante da enorme tragédia que atingiu o país, sua população dá lições de ordem e organização. Até agora, essa avaliação parece correta. Combina com a visão que temos da sociedade nipônica: milenar e sábia.

Mas, como explicar que um povo tão ordeiro e racional tenha aceitado a construção de usinas nucleares em seu território? São 17 usinas e 55 reatores instalados sobre um terreno que vem tremendo há milhares de anos.

Aparentemente, a culpa é da enorme dependência de energia que o país desenvolveu. Não são apenas seus 127 milhões de habitantes vivendo em uma área pouco maior do que o Mato Grosso do Sul. O país também é um dos mais ricos do planeta. Vítima fácil do consumismo que impera em outras sociedades igualmente prósperas. Daí, a fome por eletricidade, petróleo, gás.

O fato é que a respeitável tradição milenar do Japão não impediu que seu povo fosse vítima da lógica suicida do mercado. Além disso, o Wikleaks acaba de divulgar vários documentos reveladores. Eles mostram o descaso em relação à segurança das usinas nucleares. Denunciam a irresponsabilidade das empresas que administram as instalações atômicas. Corporações que deixaram de adotar medidas de proteção contra riscos para não diminuir seus lucros.

Ovos de plutônio depositados num solo movediço e chocados pela cobiça capitalista. Uma combinação nada recomendável.

Leia também: No Japão, Godzilla pode voltar

15 de março de 2011

No Japão, Godzilla pode voltar

Godzilla é um famoso dinossauro da indústria japonesa de filmes. O monstro gigantesco fez sucesso nos anos 60. Seria resultado de mutações causadas por radiação atômica. Na verdade, uma espécie de encarnação dos pesadelos que foram as bombas de Hiroshima e Nagazaki. Um símbolo da amostra de apocalipse com que a estupidez americana atingiu o povo japonês.

Perto das duas únicas armas atômicas já utilizadas em guerra, o atual terremoto pode ser considerado um acontecimento suave. Além de ser um evento natural. Algo que vêm acontecendo há milhões de anos e vai continuar acontecendo.

Já o bombardeio atômico de 1945 é produto da ação humana. Mais precisamente, do selvagem imperialismo americano. Uma ação covarde que matou mais de 300 mil civis. Muito acima das prováveis vítimas fatais causadas pela tragédia natural que vem atingindo o Japão.

Por outro lado, os efeitos da atual catástrofe podem ser agravados por razões nada naturais. Aumentam as chances de que aconteça um novo desastre nuclear. Desta vez, não se trata de bombas. É uma usina atômica que foi sacudida pelo terremoto e pode vazar radiação em quantidades perigosas. As vítimas podem chegar a dezenas ou centenas de milhares.

É uma situação estranhamente macabra. O povo que mais sofreu com a utilização da energia nuclear permitiu que seus governos chocassem ovos atômicos em seu próprio território. Opção certamente adotada em nome do lucro e da rentabilidade para poucos.

Godzilla pode atacar novamente. Faria companhia ao monstro capitalista, que nunca deixou de fazer estragos.

Leia também: Desastre aéreo e cobiça

Especulação, guerra e comida

Em “A desordem financeira global e a ameaça da fome”, publicado em Carta Maior, somos informados sobre a possibilidade de mais uma rodada de crise alimentar no mundo. Os preços de alimentos subiram até 10% no último ano no Reino Unido e na Europa. Segundo a ONU, já há 75 milhões de pessoas mal nutridas em função desses aumentos. A mesma fonte diz que esses preços poderão subir 40% na próxima década.

O orçamento do governo norte-americano registrou déficit de US$ 222 bilhões em fevereiro, de acordo com comunicado do Tesouro dos Estados Unidos, divulgado em 10/03. Resultado muito pior do que os US$ 196 bilhões esperados pelo mercado. O país gasta 104 bilhões anuais para matar e oprimir os povos do Iraque e do Afeganistão.

Mas, todo este dinheiro ainda é pouco perto do socorro de 700 bilhões dado pelo governo americano aos bancos em 2008. Ao que parece, grande parte destes recursos foram utilizados para especular com alimentos. E está ameaçando disparar nova crise no setor mais vital para a vida humana.

E tem gente que ainda acha que a saída para o capitalismo é regular a riqueza. Mas, se regular de um lado, escapa para o outro. O fluxo especulativo saiu de um lado e ataca no outro. É como enxugar gelo no Saara. Outra torneira que não fecha são as guerras. Elas são a praga dos povos desde que o capitalismo dominou o planeta.

11 de março de 2011

Que nem pinto no dólar

De janeiro até o início de março, entraram no País mais de 24 bilhões de dólares. O mesmo volume que ingressou na economia brasileira durante todo ano de 2010. Não é à toa. Oferecemos as maiores taxas de juros do planeta. Os investidores trocam dólar por real, compram papéis da dívida pública e lucram adoidado.

A enxurrada de dólares torna baratas as importações. Diminui a procura por produtos brasileiros. O resultado pode ser a chamada “desindustrialização relativa”. É o que diz Rogério César de Souza, economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Souza não se anima com os 10,5% de crescimento da produção industrial brasileira em 2010. Segundo o economista, a taxa só é alta em comparação com 2009, quando a indústria caiu 7,4%. Além disso, diz ele, de abril a dezembro, houve uma queda de 2,7% no setor.

O economista alerta para a perda de participação da indústria no PIB. Nos anos 1980, representava 27% do PIB. Hoje, está em torno de 16%. Ele admite que quando “um país cresce, as importações também aumentam para complementar a oferta nacional”. O problema é “que as importações já estão tomando lugar da produção nacional”, diz ele.

Confirmando tais temores, a China já não vende apenas bugigangas para o Brasil. É a segunda maior vendedora de máquinas e equipamentos, também. Nuvens pesadas se acumulam no horizonte. Menos produção leva a menos emprego e pressão por queda nos salários.

Em geral, dólar fraco só agrada a uma minoria. São os milionários, que podem viajar pra fora. Felizes como pinto no lixo. Lugar bem adequado para eles.

Mais informações em Desindustrialização relativa atinge indústria brasileira

Leia também: A bomba-relógio do dólar

10 de março de 2011

Laerte: feminino e divino

“É o maior cartunista brasileiro”. Palavras de Angeli sobre os 40 anos de carreira de Laerte.

É a mais pura verdade. Não é só o seu humor. É sua capacidade de mostrar o absurdo e os ridículos do poder e das convenções sociais. São os piratas navegando pelo Tietê fazendo miséria. Os palhaços mudos, que invadem a sede da TFP para avacalhar fascistas nojentos. E, claro, seu traço espetacular, detalhista, limpo, preciso, com gestos e ritmo perfeitos.

Agora, ele dá outra chacoalhada geral. Levanta novamente o tapete para revelar mais preconceitos que ficaram escondidos. Resolveu vestir-se de mulher. Por que? Porque gosta, claro. Mas, não só isso. É mais uma de suas explorações sobre o comportamento humano. Vejam o que ele diz em uma entrevista para o IG Moda, de outubro passado:
O que eu quero é romper essa fronteira de feminino e masculino, e isso não está só no vestir. Está na postura, nos modos. Me interessa esse movimento. As mulheres são educadas para ter uma contenção corporal, isso é cultural. Elas são condenadas a um tipo de vida. Me interessa romper isso. Hoje estou assim, mas não há uma meta definida. Não estou interessado em virar mulher, é uma questão de gênero.
É novamente Angeli que fala sobre seu grande amigo em documentário postado no Youtube:
...peço que olhem com atenção o Laerte. Olhem com carinho e com possibilidade de se alterar também lendo ele. Acho que ele nem acredita que pode alterar a vida de alguém, mas ele altera sim. Ainda mais se estiver com uma echarpe, uma coisa assim...
A postura de Laerte é muito clara. É libertária. Em suas tirinhas diárias, ele coloca o mundo de ponta cabeça através de centenas de personagens. Deus é um deles. E quem conhece a obra de ambos, sabe. Deus é uma criação genial de Laerte, não o contrário.

Clique aqui e assista mini-documentário sobre o cartunista

9 de março de 2011

Oscar merecido para a pior obra

O mundo todo presta atenção, mas nada é mais americano que o Oscar. E a última premiação poderia simbolizar a combinação entre a decadência e a arrogância do império estadunidense.

É verdade que o grande vencedor deste ano foi uma produção inglesa. Mas, “O Discurso do Rei” é uma boa metáfora do declínio do poder anglo-saxão. Estados Unidos e Inglaterra ainda mandam e vão mandar no mundo por muito tempo. O que está cada vez mais difícil é justificar esse poder todo sem gaguejar.

Em “Bravura indômita”, um xerife caolho, envelhecido e bêbado enfrenta sozinho três homens. Parte pra cima deles com uma pistola em cada mão e os arreios do cavalo entre os dentes. Até parece o vacilante poder mundial dos Estados Unidos. Sua economia anda muito mal das pernas. Inspira nojo ao invés de admiração. Provoca mais medo que respeito. Por isso mesmo, não tira o dedo gatilho. Atira no que vê e no que não vê.

“127 horas” conta a história verdadeira de um montanhista que caiu num buraco. Com o braço direito preso sob uma rocha não consegue sair. Por mais de cinco dias sofre à espera de socorro. No fim acaba amputando parte do braço para salvar a vida.

A situação lembra vagamente a invasão americana de Iraque e Afeganistão. Incapazes de sair do atoleiro militar que eles mesmos criaram, os Estados Unidos gastam U$ 2 bilhões semanais na ocupação. A sangria ajuda a gangrenar a já fraca economia ianque. Infelizmente, os grandes responsáveis estão bem longe de sofrer mutilações e mortes.

Oscar de pior produção mais que merecido!

Leia também Facebook: solidões acompanhadas

4 de março de 2011

“Então, não sou uma mulher?”

Em seu livro “Uma história do povo dos Estados Unidos”, Howard Zinn diz que a primeira convenção sobre direitos da mulher aconteceu em 1848, em Seneca Falls, New York.

Depois dela, muitas outras foram organizadas em várias partes dos Estados Unidos. Em uma delas, em 1851, havia uma mulher idosa negra, nascida escrava em Nova York. Seu nome era Sojourner Truth. Alta, magra, trajando um vestido cinza e um turbante branco, ouvia alguns representantes do sexo masculino que estavam dominando a discussão. Ela levantou-se e juntou a indignação de sua raça à indignação de seu sexo:
Aquele homem ali diz que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens e passar por valetas. Ninguém nunca me ajudou em carruagens, nem me carregou sobre poças de lama, nem me cedeu o melhor lugar. Então, não sou uma mulher?

Olhem os meus braços! Eu arei e plantei, e enchi celeiros inteiros, e nenhum homem fez isso melhor que eu! Então, não sou uma mulher?

Trabalhei tanto quanto os homens, e comi tanto quanto eles, quando pude, e do mesmo jeito agüentei chicotadas. Então, não sou uma mulher?

Pari treze filhos e vi a maioria deles ser vendida como escravos, e quando eu chorei minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! Então, não sou uma mulher?
Assim eram as mulheres que lutavam nas décadas de 1830 e 1840 e 1850. Negavam-se a se manter em seu "lugar de mulher." Participavam de todos os tipos de movimentos. Dos presos, dos loucos, dos escravos, e também da luta de todas as mulheres.

Leia também: O falso feminismo de silicone

3 de março de 2011

Contra o desmatamento, comunismo indígena

Em 23/02, o Boletim Transparência Florestal acusou aumento no desmatamento na floresta amazônica de quase 994% em um ano, desde dezembro de 2009. Os dados são do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Se for considerada a área degradada, o aumento vai para 4.818% no mesmo período.

Estes números dizem tudo sobre o que representam as declarações governamentais quanto à “sustentabilidade” da exploração da Amazônia. Assustam pelo que ainda pode vir por aí, com a construção de hidrelétricas como Belo Monte, no Rio Xingu, e Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira. Esta última já está em construção em Rondônia. Não é mera coincidência que exatamente este estado tenha sido campeão na derrubada florestal indicada pelo Imazon.

Mas a floresta também foi cenário para uma pesquisa divulgada em 2010. É o estudo “Mobilidade Yanomami e os efeitos à paisagem florestal de seu território”. Sob responsabilidade de Maurice Seiji Tomioka Nilsson, foi feito um levantamento dos efeitos da ocupação de uma tribo de índios da floresta amazônica.

Foram analisadas imagens feitas por satélite durante quase 30 anos. Elas correspondem à movimentação indígena em uma área da floresta. Mostram como os Yanomami utilizam um sistema de rodízio no uso das terras para o cultivo e a caça. O método não apenas diminui o impacto da presença humana. Ele também consegue restaurar grande parte do ambiente original.

Claro que isso exige a propriedade comunitária da terra. O fim de sua exploração para benefício de poucos. É o comunismo, enfim. Praticado pelos indígenas há tantos séculos. Incompatível com o capitalismo. Mas não com os seres humanos.

Leia também: O comunismo sob ameaça, no Brasil

2 de março de 2011

Eleger ladrão pode. Ateus e gays, não

Escândalo! Deputados “fichas sujas” fazem parte de uma comissão da Câmara sobre reforma política. Entre eles, Maluf (PP), Valdemar Costa Neto (PR) e Eduardo Azeredo (PSDB). É vergonhoso. Mas, não é nenhuma surpresa. Todo mundo sabe que a política oficial admite e estimula o “rouba, mas faz”.

O que assusta mesmo são os resultados de uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo feita em 2010. Segundo o estudo, 74% dos entrevistados nunca votariam em defensores da legalização da maconha. Ateus não teriam o voto de 66%. Defensores da legalização do aborto não seriam eleitos por 57%. Praticantes de umbanda e candomblé perderiam os votos de 51%.

O moralismo e o fanatismo religioso cegam a população. Impedem que seja revelado quem é que ganha com a corrupção na política. Afinal, os que mais se beneficiam com a ação de parlamentares e governantes ladrões são os bancos e as grandes empresas.

O fato é que os parlamentos quase sempre são túmulos das exigências populares. Chocadeiras de grandes fortunas para poucos. De um lado, o poder econômico. Do outro, uma população sem consciência política. Ambos tornam os parlamentos casas de representação dos ricos e poderosos.

Apesar disso, a esquerda deve participar das eleições. Lançar candidaturas que desmascarem o caráter conservador das instituições atuais. Jamais abandonar a luta dos explorados, perseguidos e humilhados em troca de votos. Nunca deixar de organizar a população nos locais de trabalho, escolas e bairros. Lugares de onde realmente podem vir as mudanças necessárias.

Muito difícil eleger alguém com essas propostas. O que importa é trocar milhares de eleitores alienados por centenas de militantes conscientes.

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1 de março de 2011

Líbia: redes tribais fazem revolução?

As revoluções na Tunísia e no Egito aconteceram em situação de grande desigualdade social, desemprego alto, elevado custo de vida. Não parece ser o caso da Líbia. O país tem mais alto Índice de Desenvolvimento Humano da África. A produção de petróleo permite uma renda anual por pessoa de US$ 12 mil. Maior que a do Brasil, Argentina e Turquia. O desemprego é relativamente baixo e o Estado oferece bons programas de assistência a aposentados e deficientes.

Então, por que a revolta surgiu tão rápida e radicalmente? Artigo de Antonio Luiz M. C. Costa, na CartaCapital de 22/02, aponta uma possível resposta. A insatisfação estaria relacionada “às 30 tribos, às quais pertencem 85% dos líbios nativos”. Segundo Costa, através desses laços tribais os líbios teriam acesso a direitos, como emprego e assistência à saúde.

O poder de Kadafi estaria baseado na manutenção dessa divisão secular da sociedade líbia. Mas, a excessiva centralização política teria durado tempo demais. Romperam-se os laços de lealdade que poderiam ter aplacado a fúria popular. As lideranças tribais estariam apostando na queda de Kadafi para recuperar o poder perdido.

Segundo essa hipótese, a mobilização teria muito pouco a ver com facebook e twiter. As redes de poder local teriam tido papel importante na revolução líbia. Resta saber se a aposta dos líderes tribais não pode voltar-se contra eles.

A Líbia está no meio do caldeirão que ferve no norte da África e no Oriente Médio. Não é impossível que o atual tremor de terra torne-se um terremoto na região. Golpeie o imperialismo, seus aliados e ditadores em geral. Inclusive, os tribais. Oxalá!

Leia também: Redes sociais não fazem revolução, mesmo