Foram 2.975 postagens desde maio de 2010, trazendo “comentários curtos sobre assuntos diversos, procurando sempre ajudar no combate à exploração e opressão”, como diz a apresentação do blog.
No início, as pílulas se resumiam a citar e comentar frases ou episódios publicados na grande mídia. Com o tempo, também se tornaram reflexões e comentários sobre leituras de livros e artigos teóricos.
Há 15 anos, havia um sentimento de que a rede mundial de computadores seria mais uma ferramenta de luta e mobilização por uma sociedade mais justa. Nada mais equivocado.
É verdade que, já em 2011, algumas pílulas alertavam para os limites das mobilizações via internete. É o caso de “Redes sociais não fazem revolução”e “Google e Facebook não têm nada de revolucionário”. Mas ninguém previu o serviço sujo que a rede mundial prestaria ao fascismo, poucos anos depois. Incluindo alterações feitas nos algoritmos para desfavorecer blogs, portais, sites e outras interfaces digitais de perfil mais à esquerda.
“Pílulas Diárias” até passou a registrar números cada vez mais altos de visualizações, chegando à atual média de mil por dia. Mas o nível de interação foi minguando e o blog acabou se tornando um repositório de textos que, talvez, seja até útil para alguém, mas ficou difícil saber exatamente qual o seu alcance. E um blog de esquerda com preocupações militantes sem uma relação de troca com seu potencial público já não tem mais razão de existir.
De qualquer maneira, fica o agradecimento aos que sempre acompanharam as pílulas e um afetuoso até logo.
Pílulas Diárias
Blog de Sérgio Domingues, com comentários curtos sobre assuntos diversos, procurando sempre ajudar no combate à exploração e opressão.
14 de maio de 2025
A última
25 de março de 2025
Do identitarismo judeu ao identitarismo econômico
Hannah Arendt costumava dizer que “se você é atacado como judeu, é preciso se defender como judeu. Não como alemão, ou cidadão do mundo ou pelos direitos humanos, ou algo assim...”
A frase foi citada por Naomi Klein em seu livro “Doppelgänger” para mostrar como a opressão obriga suas vítimas a reduzir a complexidade e multiplicidade de sua condição humana a algumas poucas dimensões.
Basta trocar a condição de judeu pela de mulher, negro, indígena, homossexual, para termos uma ideia de como a hegemonia dominante aprisiona, divide e amesquinha as lutas das classes subalternas.
Como diz Naomi, “qualquer divisão identitária pode ser instrumentalizada para cumprir essa função: judeus contra negros, negros contra asiáticos, muçulmanos contra cristãos, feministas contra transexuais, imigrantes contra nacionais”.
A autora também cita Rosa Luxemburgo. Judia como Hannah, Rosa dizia que os judeus perseguidos a preocupavam exatamente na mesma medida que “as vítimas das plantações colombianas ou o povo negro da África escravizado pelos europeus”. “Não tenho um lugar especial no meu coração para o gueto judeu, disse ela. Me sinto em casa, em qualquer parte do mundo, onde há nuvens, pássaros e pranto humano”.
Mas é a exploração capitalista que cria o mais universal e redutor dos identitarismos. Aquele que rebaixa bilhões de pessoas à condição de meras vendedoras de força de trabalho e compradoras de mercadorias, privando-as dos elementos culturais que as tornam humanas.
Restringir o combate anticapitalista a lutas fragmentadas ou à falsa generalidade da resistência à exploração econômica é reduzir imensamente as possibilidades da emancipação humana universal.
As pílulas vão sofrer uma pausa de algumas semanas.
Leia também: Como se desperta um demônio
19 de março de 2025
A Europa e a economia armamentista permanente
“Parlamento alemão aprova superpacote de gastos”, dizem as manchetes, referindo-se a um aumento de despesas públicas com armamentos, envolvendo recursos entre 1 trilhão e 1,5 trilhão de euros.
A aprovação exigiu uma alteração constitucional que flexibilizou o chamado “freio da dívida” alemã. É o equivalente de nosso teto orçamentário, que limita o endividamento governamental com o pretexto de combater desperdício de dinheiro público. Na verdade, os cortes concentram-se nos recursos para serviços públicos e programas sociais.
Agora, o “freio da dívida” alemã não vale mais para os gastos com defesa, que passam a ser ilimitados. Resumindo, tem dinheiro público para mísseis, caças, tanques, ogivas nucleares, porta-aviões. Não tem para hospitais, escolas, assistência social, aposentadorias...
A decisão vem na esteira de um plano da Comissão Europeia para rearmar a região, aprovado pelos 27 Estados-membros da União Europeia, em 07/03/2025.
A desculpa é preparar os países europeus para possíveis tensões militares provocadas pelo alinhamento entre Trump e Putin. A verdade é que o capital precisa de guerras, não de bem-estar social.
O marxista Tony Cliff, por exemplo, adotou o conceito de “economia armamentista permanente” para explicar o funcionamento do capitalismo contemporâneo. Como se sabe, a exploração imposta pelo capitalismo torna impossível que sejam consumidas todas as mercadorias que ele produz. Os gastos em guerras são uma das saídas para esse problema.
Despesas com armas e tecnologia militar destroem capital, ao mesmo tempo em que elimina, literalmente, força de trabalho humana. Não à toa, a crise de 1929, a pior do século 20, desembocou na Segunda Guerra Mundial, o maior conflito bélico da história. O maior até agora.
Leia também: Guerras e dívidas permanentes
18 de março de 2025
Naomi Klein e o espelhamento fascista
O mais recente livro de Naomi Klein chama-se “Doppelgänger”, uma palavra alemã para o fenômeno em que uma pessoa encontra uma sósia sua, só que com atitudes e valores opostos.
No caso de Naomi, seu problema é ser xará de Naomi Wolf. Uma acadêmica que iniciou sua carreira criticando o capitalismo, mas se tornou seguidora de Donald Trump.
A coincidência dos nomes foi turbinada pelas redes virtuais. Klein passou a ter suas firmes posições de esquerda confundidas com as de Wolf. Difícil imaginar algo mais assustador.
Mas isso só pôde acontecer porque Wolf espelha e distorce sua retórica antissistema para defender posições de extrema-direita. Não à toa, o título complementar do livro de Klein é “Uma viagem através do Mundo-Espelho”.
Em um trecho, ela diz que estamos vivendo em:
Àquilo que chamamos de “polarização política” Naomi dá um caráter mais preciso ao tratá-la como espelhamento.
O espelhamento é uma especialidade fascista. Foi assim quando Mussolini imitou métodos de agitação que aprendeu quando era militante do partido socialista italiano. O mesmo aconteceu quando a palavra “socialista” foi incluída no nome do Partido Nacional-Socialista alemão.
A extrema-direita espelha e distorce os valores socialistas para instrumentalizar a justa ira dos trabalhadores contra sua situação social em favor do capitalismo.
Quebrar esses espelhos é um dos nossos grandes desafios.
Leia também: A origem fascista do nazismo de esquerda
No caso de Naomi, seu problema é ser xará de Naomi Wolf. Uma acadêmica que iniciou sua carreira criticando o capitalismo, mas se tornou seguidora de Donald Trump.
A coincidência dos nomes foi turbinada pelas redes virtuais. Klein passou a ter suas firmes posições de esquerda confundidas com as de Wolf. Difícil imaginar algo mais assustador.
Mas isso só pôde acontecer porque Wolf espelha e distorce sua retórica antissistema para defender posições de extrema-direita. Não à toa, o título complementar do livro de Klein é “Uma viagem através do Mundo-Espelho”.
Em um trecho, ela diz que estamos vivendo em:
... um mundo refletido num espelho no qual a sociedade é dividida em duas e cada lado se define como o oposto do outro: o que quer que um lado diga e acredite, o outro parece forçado a dizer e acreditar exatamente o oposto.
Àquilo que chamamos de “polarização política” Naomi dá um caráter mais preciso ao tratá-la como espelhamento.
O espelhamento é uma especialidade fascista. Foi assim quando Mussolini imitou métodos de agitação que aprendeu quando era militante do partido socialista italiano. O mesmo aconteceu quando a palavra “socialista” foi incluída no nome do Partido Nacional-Socialista alemão.
A extrema-direita espelha e distorce os valores socialistas para instrumentalizar a justa ira dos trabalhadores contra sua situação social em favor do capitalismo.
Quebrar esses espelhos é um dos nossos grandes desafios.
Leia também: A origem fascista do nazismo de esquerda
17 de março de 2025
Elon Musk, Asperger e síndrome de nazismo
Em maio de 2021, Elon Musk declarou ser portador da síndrome de Asperger, que faz parte do chamado Transtorno do Espectro do Autismo. Em janeiro de 2025, ele fez um gesto nazista em um evento organizado por Donald Trump. Seus defensores logo apareceram com várias desculpas esfarrapadas para tentar esconder o significado do ato. Entre elas, sua condição de autista.
O transtorno psicológico que Musk alega ter foi identificado cientificamente pela primeira vez por Hans Asperger, em 1944. Pediatra, Asperger foi um dos pioneiros no estudo sobre neurodiversidade durante o período da chamada Viena Vermelha, entre 1918 e 1934. Nessa época, o Partido Socialdemocrata governou a capital austríaca e implementou diversas políticas públicas progressistas em áreas como saúde, educação, habitação e transporte.
Após a Segunda Guerra Mundial, Asperger alegou ter se oposto aos nazistas, atuando na proteção de crianças consideradas anormais contra medidas de higiene racial. Ocorre que em 2018, foram descobertas fortes evidências de sua colaboração na execução de políticas de eugenia e eliminação de crianças com deficiência, entre outras barbaridades.
Nada disso invalida os avanços obtidos a partir das descobertas feitas pelo cientista vienense. Além disso, o trabalho dele fez parte de um esforço coletivo dos trabalhadores austríacos por melhores condições de vida e combate ao supremacismo ariano. Asperger não foi o primeiro nem o último a ter prestado bons serviços à sociedade antes de se render ao fascismo.
Ao tentar esconder o nazismo de Musk por trás de uma condição neurológica que afeta dezenas de milhões de pessoas, seus seguidores mostram-se tão indignos e desprezíveis como ele. Ou como Asperger.
Leia também: O poder paralelo de Elon Musk e outros magnatas
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