Doses maiores

28 de janeiro de 2021

A democracia das abelhas dançarinas

Sempre que se pensa em processos de decisão entre os outros animais, a tendência é imaginar sistemas fortemente hierárquicos. O macho-alfa decide e o restante acata. Mas em seu livro “Revolução das plantas”, Stefano Mancuso afirma que não é nada disso.

Segundo ele, “na natureza, são raras as hierarquias, entendidas como indivíduos ou grupos, que decidem pela comunidade. Nós as vemos em toda parte porque olhamos para a natureza com os olhos de seres humanos”.

Para sustentar sua afirmação, ele cita um estudo publicado em 2003, por Larissa Conradt e T. J. Roper sobre processos deliberativos em diversos coletivos de animais. Um deles se refere a abelhas à procura de um local para construir uma nova colmeia.

Após voltar de suas expedições exploratórias, elas executam danças para descrever o que descobriram. Formam-se, então, grupos dançantes. O grupo cuja descrição atrair mais adeptas indica o local escolhido. E o resultado costuma não decepcionar.

Mas experiências envolvendo seres humanos também são reveladoras. O Instituto Leibniz, em Berlim, por exemplo, publicou uma pesquisa com grupos médicos especialistas sobre a capacidade de diagnosticar, com certeza, câncer mamário com base em radiografias.

O estudo mostrou que “as equipes médicas, usando ferramentas típicas de inteligência coletiva, como a votação majoritária com quórum, obtêm resultados de diagnóstico melhores do que os dos médicos mais prestigiados do grupo”.

Só fica difícil acreditar nessa teoria diante dos vários resultados eleitorais nada inteligentes. Mas aí entram em cena elementos muito humanos, como dominação econômica, manipulações midiáticas e condições extremamente desiguais de competição.

Ou seja, até nessas questões são os animais que têm muito a nos ensinar.

Leia também: A extinção da espécie mais perigosa

5 comentários:

  1. Sou um quase completo ignorante em questões da natureza, mas alguma coisa a gente conhece. A questão da abelha rainha é uma delas, ou seja, me parece uma forte tendência hierárquica. Quanto a dança que cita, não conhecia, mas me atenho só à lógica. O autor que você cita diz: “na natureza, são raras as hierarquias, entendidas como indivíduos ou grupos, que decidem pela comunidade." Mas, em seguida, vem um exemplo que entendo como uma decisão de um grupo sobre os demais (convencimento?): "O grupo cuja descrição atrair mais adeptas indica o local escolhido." E isso vem através de uma dança, ou seja, nada muito palpável aos interesses mais objetivos no reino animal como suas necessidades básicas. Imagino que a questão seja bem mais complexa, mas me parece passível da necessidade de muita investigação científica. O Engels, acho que na "Origem da família..." mesmo incorreu em muitos equívocos quando quis buscar na natureza explicações para suas teorias.

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  2. O livro do Engels foi "Do socialismo utópico ao socialismo científico".

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  3. Bem, aí dá muito pano pra manga. Em primeiro lugar, o tal estudo cita muitos outros exemplos. Mas pra ficar no exemplo das abelhas. A "rainha" tem esse nome por quê? O que ela faz não tem nada de privilegiado. É só mais uma função, ainda que muito importante. Nós é que lemos aquilo como um privilégio. São nossos conceitos aplicados a uma realidade social muito diferente da nossa. Quanto ao Engels, acho que você tá se referindo à dialética da natureza. Sim, muito complicado. Mas parece que esse conceito foi deduzido de uns rascunhos dele. Ele não teria chegado a desenvolvê-lo. A forte influência evolucionista dos comunistas alemães é que teriam insistido nessa conexão. De qualquer modo, a proposta do autor é combater a ideia de que tudo na natureza é autoritário e que nossas tentativas libertárias humanas são ingênuas, ineficientes, minoritárias...

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  4. É muito interessante essa inspiração do livro do Mancuso. Fiquei interessadíssima. Acho que necessitamos desse exercício de pensar as possibilidades e as viabilidades de uma estrutura politica e social que não seja sustentada pelas amarras da centralização.

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    1. Pois é, querida Telma. Acho que a luta contra essas amarras esteve na preocupação dos melhores marxistas. Mas o problema é quando elas são impostas no nível da prática social e política cotidiana. Nos embates de uma luta de classes que é muito suja por parte dos dominadores. Mas o horizonte libertário tem que prevalecer ou as vitórias nunca serão realmente vitórias. Beijos saudosos!

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