Doses maiores

22 de abril de 2021

O lugar estratégico dos entregadores na luta anticapitalista

Callum Cant descreve no livro “Riding for Deliveroo” sua experiência militante como entregador de um aplicativo de entrega de refeições, em Brighton, Inglaterra.

O Deliveroo faz parte do que ele chama de “capitalismo de plataforma”, que explora trabalho humano, mas tem na extração de dados sua mina de ouro.

Por outro lado, plataformas como o Deliveroo ainda não são empresas economicamente viáveis, diz Cant. São investidores externos que mantêm as contas da empresa no azul, de olho em lucros futuros.

Mas a verdade é que importa menos o desempenho financeiro desses aplicativos ou o tamanho de sua força de trabalho do que a maneira como eles mudam o cenário da economia em geral.

A linha de montagem foi criada nas tecelagens de Boston, sem muito sucesso. Só se tornou uma poderosa ferramenta de exploração quando Ford a adotou em suas fábricas.

A fabricação de computadores não é o maior setor da economia. No entanto, esses equipamentos foram estratégicos para o desenvolvimento capitalista porque permitiram reorganizar radicalmente o mundo do trabalho.

O que a exploração do trabalho por aplicativo está fazendo é criar algo semelhante. Oferecendo uma janela de oportunidades para uma nova fase do capitalismo, com mais exploração, menos empregos e ainda mais precariedade trabalhista.

Felizmente, essa janela também pode servir aos explorados. Para que essas tecnologias beneficiem a maioria em vez de garantir lucros para poucos, os trabalhadores precisam estar no controle.

Mas para isso é fundamental aprender, desde já, com lutas como a dos entregadores de aplicativos, permitindo que toda a classe trabalhadora possa ganhar uma vantagem estratégica sobre os patrões.

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Sobre tecnologia, desemprego e capitalismo. Sobre barbárie, enfim

5 comentários:

  1. Tenho dificuldade em entender algo que me parece ser uma estratégia global do capitalismo sendo praticado por uma empresa, ou até mesmo por um conjunto delas, onde elas alavancariam outras empresas, tendo como meta a manutenção da exploração capitalista em outro patamar. O capitalismo vive da concorrência entre empresas, não existe algo que poderíamos entender como uma solidariedade entre empresas visando o futuro do sistema. Existe, é lógico, empresas e até novos setores de produção que quebram os anteriores, mas alavancar posteriores... O que ouvi falar, acho que aqui mesmo em outra Pílula, é que essas empresas de aplicativos funcionam no vermelho tendo em vista um futuro em que não vão mais precisar de pessoas operando seus veículos, mas isso seria uma estratégia de um conjunto de capitalistas visando o seu próprio futuro enquanto empresa. Seria o mesmo conjunto de capitalista que investiu na linha de montagem das tecelagens estavam também associados a indústria automobilística? O mesmo conjunto de capitalistas que investem nesses aplicativos (Uber, Ifood etc) tenham também investimento nas empresas que dominam a informação (Google, Facebook etc)?

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    1. Não, você tem razão, o que move o capitalismo é a concorrência. A pílula ficou muito sintética. Mesmo quando poucos monopólios controlam grande parte de uma determinada economia, é impossível que qualquer um deles abra mão de derrotar a concorrência em nome da estabilidade do sistema. A linha de montagem não deu certo na indústria tecelã por características dela. Mas anos mais tarde, mostrou-se bem adaptada à produção automobilística. Como isso aconteceu? Provavelmente pela busca dos empresários do ramo de formas mais rentáveis de produção. Com Ford deu certo e a coisa andou. O mesmo deve estar acontecendo agora, com a digitalização da produção. A economia de aplicativos é resultado da iniciativa de quem está procurando descobrir novos ramos de negócio. Toda inovação produtiva que dá certo tende a gerar grandes lucros até que surja uma concorrência. Além disso, há momentos em que sobram capitais à procura de novas oportunidades. Dizem que esses investimentos em aplicativos, automóveis elétricos, agências espaciais privadas estão sendo viabilizados pelo excesso de capital após os governos despejarem dinheiro para aquecer a economia depois da crise de 2008. O discurso era a recuperação do emprego, mas os controladores desses capitais não estão interessados em criar empregos, só em gerar consumo e lucro. A economia digital é o caminho mais curto pra isso. É grande inovação do momento. Então essas empresas por aplicativos são tentativas. Ao fazerem isso podem quebrar a cara, mas vão abrindo caminho para novas formas de exploração. Não sei se ficou claro.

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    2. Olha que curioso, estou lendo "Para além do capital" do István Mészáros. Acabei de ler sua resposta e fui ler de onde tinha parado no livro. Estou na apresentação feita pelo Ricardo Antunes, e o parágrafo que comecei a ler diz assim: "O capitalismo contemporâneo operou, portanto, o aprofundamento da separação entre, de um lado, a produção voltada genuinamente para o atendimento das necessidades e, de outro, as necessidades de sua auto-reprodução." Bate com o que falou, não?

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    3. Sim. Como ele diz, essa separação sempre existiu. O capital nunca procurou satisfazer necessidades humanas, mas na contemporaneidade, isso ficou muito mais claro.

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