Doses maiores

7 de abril de 2021

Os bolcheviques e o suicídio marciano

O tema da pílula anterior foi o romance de ficção científica “Estrela vermelha”, de Alexander Bogdanov, citado por Paul Mason em seu livro “Pós-capitalismo”.

Bogdanov comandou o partido no soviete de Petrogrado, durante a Revolução de 1905. Mas, em 1909, seria expulso devido a divergências com a linha leninista. Mason afirma que tais divergências aparecem no livro, no trecho em que seu autor:

...advoga a maturidade tecnológica como precondição para a revolução, a derrubada pacífica dos capitalistas por meio de acordo e compensação, um foco na tecnologia como meio de reduzir o trabalho a um mínimo e uma insistência inflexível na ideia de que é a própria humanidade que precisa ser transformada, não apenas a economia. Além disso, um tema importante em Estrela vermelha é que a sociedade pós-capitalista tem que ser sustentável para o planeta. Os marcianos cometem suicídio voluntariamente quando percebem que são em número excessivo para o planeta suportar.

Segundo Mason, os elementos acima seriam inaceitáveis para a concepção revolucionária de Lênin. Exagero, já que alguns deles talvez fossem viáveis, caso a Revolução Russa não tivesse sido sufocada por quase duas dezenas de exércitos imperialistas.

Mas, com certeza, Lênin jamais confiaria nos capitalistas para fazer um “acordo com compensação”. E os próprios capitalistas mostraram que não são confiáveis, ao aceitarem o fascismo como mal menor diante da vitória socialista na Rússia.

Desde então, a burguesia jamais escondeu que prefere a barbárie à mínima concessão em relação a seus interesses. Confiar em um pacto com os capitalistas equivale ao suicídio marciano de que fala o livro para a grande maioria dos terráqueos.

Leia também: Um bolchevique em Marte

4 comentários:

  1. To gostando dessa série. É bom colocar questões concretas em um planeta distante.

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  2. Uma discordância carinhosa: Bogdánov não propõe uma saída pacífica e negociada para o socialismo, como Mason faz parecer. Quando ele fala na obra de "compensação", Bogdánov está descrevendo ainda a história pré-revolucionária marciana, onde o Estado ainda existia. A revolução marciana é descrita como um processo mais ou menos pacífico, onde a burguesia cai de madura. É importante apontar que ele passa o livro inteiro ressaltando que a saída marciana não é uma saída possível para o socialismo terráqueo: Aqui há nações demais, fetichismos demais, classes em demasia, muita energia (ele era simpático ao energitismo). A revolução terrestre seria extremamente violenta, assim como seriam violentos os anos que a sucederiam, onde ilhas de socialismo seriam atacadas incessantemente pelas potências burguesas.

    E tem um outro contexto. No momento que a obra é escrita, as relações com Lenin já tinham azedado. Foram vários os motivos mas, entre eles, estava a tática a ser seguida em relação à Duma. Lenin defendia a atuação parlamentar como um novo campo de luta a ser perseguido. Bogdánov acreditava que a Revolução de 1905 ainda podia ser retomada e defendia o aprofundamento das atividades ilegais. Não é exatamente uma saída conciliatória.

    Abraço!

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    1. Opa! Valeu muito o comentário, Pedro. O problema é que a tese do Mason passa por essa saída acordada, negociada etc. Então, acho queele dá uma forçada nessa parte do livro. Agora que você falou, lembro de ter ouvido falar de um certo esquerdismo do Bogdanov,mesmo. Tenho que dar um jeito de ler o original. Obrigado novamente.

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