Doses maiores

19 de junho de 2023

Junho de 2013: serpentes e possibilidades

Junho de 2013 foi um acontecimento objetivo da luta de classes. Iniciado por movimentos como o da luta pelo Passe Livre, a dimensão gigantesca que suas manifestações assumiram não foi resultado da ação de nenhum ator político.

As forças que participavam dos acontecimentos não conseguiram ou não pretendiam imprimir-lhes uma direção centralizada ou pauta unificada. Mas seu perfil de esquerda era inegável.

Se a situação econômica era relativamente estável, não se podia dizer o mesmo das lutas sociais. Em 2013, o número de greves no país atingiu o maior índice em décadas. Mas nem a esquerda governista nem a oposicionista conseguiram transformar essa elevada temperatura sindical em apoio a seus respectivos projetos.

Elemento fundamental era uma sociedade com uma enorme demanda represada por justiça social frente a uma estrutura de dominação totalmente avessa a tal pretensão. Mesmo a chamada “inclusão pelo consumo” promovida pelo projeto petista mostrou-se tão inaceitável pelos de cima como insuficiente diante dos anseios vindos de baixo.

Outro elemento objetivo era um partido de esquerda ocupando a presidência da república há uma década. Refém e cúmplice do pacto pela “governabilidade”, a reação do petismo oficial foi truculenta e intolerante.

Junho surpreendeu a esquerda moderada e a radical; a direita tradicional e sua ala selvagem. Mas somente esta última saberia explorar, nos anos seguintes, as contradições expostas pelos acontecimentos de 2013.

Tudo isso mostra que menos que ovos de serpente, havia muitas possibilidades promissoras que foram pisoteadas. Ignorar toda essa complexidade nos levará a cometer erros ainda mais graves na eventualidade nada desprezível de outro Junho acontecer.

Leia também: Junho de 2013: o ovo de quatro estrelas

4 comentários:

  1. "Junho surpreendeu a esquerda moderada e a radical; a direita tradicional e sua ala selvagem. Mas somente esta última saberia explorar, nos anos seguintes, as contradições expostas pelos acontecimentos de 2013." Sergio, que voce acha se eu discordasse e afirmasse que nao foi a ala radical da direita que 'soube' explorar as manifestacoes populares, mas que foi a mais apta a 'ser usada' (quem seria esse agente da passiva?) para desestabilizar o governo?

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    1. Sim, Jorge. Acho que essa redação seria mais precisa. Abraço

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  2. Junho de 2013 foi um movimento realmente muito rico, a ponto de uma esquerda não alinhada ao governo, criticar e gostar. Aí vai um caminhão de possibilidades do que poderia ter sido se PT e essa mesma esquerda não alinhada tivessem uma atuação diferente. Esse é o lado que nos interessa da história, porque o outro conhecemos bem. O projeto fundamental do PT não mudou desde que foi fundado, e nada mais emblemático que a frase repetida insistentemente pelo Lula: eu quero colocar um prato de comida na mesa do trabalhador. Como toda esquerda quer, da mais reformista à mais revolucionária. Não foi por 20 centavos e nem por um prato de comida que ocorreu o Movimento do Passe Livre. Vendo o Greg News dessa semana, que não só ele, mas o Brasil inteiro, da esquerda mais moderada à mais radical anda falando, exceto a esquerda envergonhada petista (entenda-se esse envergonhado como uma figura de linguagem, a questão de fundo é política mesmo), é que "a gente não quer só comida...". Ah sim, o que queria citar do Greg News, e que me fez lembrar, são as falas criticas do Haddad ao movimento, não preciso citá-las literalmente, algo como: eles querem transporte grátis, porque não pedem para ter comida grátis (aí ele dever ter percebido que mancou, como o Gregório Duvivier mesmo alerta) e emenda com passagem grátis para Disneylândia. Piorou, comparar a Disneylândia grátis ao MPL é coisa de bolsonarista, dá enjoo... ah sim, e nojo. Ia falar que não sei de você, mas acho que sei, até mesmo pelo que escreve aqui, é que "outros outubros (não virão)", e sim o contentamento geral e comemoração nas hordas petistas com a melhora da economia, como o sempre e sempre foi e será.

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    1. O grande problema desses balanços que veem em 2013 um momento que fez nascer a ofensiva ultraconservadora é considerar novos eventos parecidos, mesmo que levemente parecidos, como algo a ser tratado com ainda mais repressão pela esquerda governista do que foi dez anos atrás. Não é nada difícil que fortes manifestações voltem a ocorrer diante de uma situação social cada vez mais caótica. E tratá-las como conspirações da direita seria um erro mais grave agora porque a extrema-direita está bem mais organizada e contando com lideranças consolidadas, inclusive Bolsonaro, que pode se tornar inelegível e até ser preso, mas continuará a ser referência. Abraço

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