Doses maiores

20 de novembro de 2020

A aposta da melancolia na emancipação coletiva

Em seu livro “Melancolia de esquerda”, Enzo Traverso explica que essa melancolia não decorre de uma excessiva nostalgia do socialismo real ou de outras formas naufragadas de stalinismo. Ela implica memória e consciência do potencial do passado: uma fidelidade às promessas emancipatórias da revolução, não a suas consequências.
 
É uma identificação com o comunismo como foi sonhado e esperado, não como foi alcançado. Traverso lembra o escritor inglês Raymond Williams, para quem tragédia e revolução são mutuamente excludentes. Por sua visão determinista da história, o socialismo não admitia a tragédia.
 
A dialética marxista da derrota frequentemente assumiu a forma de uma teodiceia secular: pode-se extrair o bem do mal. A vitória final resultaria de uma série subsequente de derrotas.
 
Um dos teóricos destacados pelo autor foi Ernst Bloch. Ele concebeu o marxismo como uma "consciência antecipatória" que transformou o sonho de emancipação, presença constante nas sociedades humanas, em uma visão filosófica do futuro.

O autor lembra que Pascal imaginou a existência de Deus como uma aposta. Já o filósofo materialista Lucien Goldmann defendeu a esperança de um futuro comunista como uma aposta secular, nem mística nem religiosa, mas enraizada em uma ideia de comunidade.
 
Em seu livro “Deus Oculto”, Goldmann escreve:   

A fé marxista é uma fé no futuro histórico construída pelos homens, ou, mais exatamente, uma aposta no sucesso das ações que devemos construir com nossa atividade. A transcendência que constitui o objeto desta fé não é mais sobrenatural ou supra-histórica, mas supra-individual. Nada mais, nada menos.

Sim. Mas nada mais, nada menos já é muito.

Aposta mantida, continuaremos na próxima pílula.

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