Doses maiores

16 de setembro de 2024

A escravidão assalariada há 200 anos e hoje

Dois séculos atrás, a relação salarial era vista com desconfiança e desprezo pelos trabalhadores. Ser empregado lembrava os antigos vínculos feudais ou escravocratas. Não à toa, os anarquistas cunharam a expressão “escravidão assalariada”, em que a pobreza cumpre a função do chicote.

Mas os camponeses foram expulsos de suas terras. As grandes oficinas parcelaram o trabalho, tornando inúteis o conhecimento e as ferramentas dos artesãos urbanos. Ser assalariado não era opção. Era sobrevivência.

O problema é que as fábricas formaram o que Marx chamou de exércitos de trabalhadores. Exércitos cujas lutas foram arrancando direitos: redução da jornada, descanso semanal, limitação do trabalho infantil...

Essas conquistas só se consolidaram em grande escala em parte da Europa e em algumas outras regiões. Ainda assim, se transformaram em um forte estímulo para a luta dos muitos milhões que não as haviam conquistado.

Até que chegou o neoliberalismo para reorganizar a produção de modo a empregar menos e esvaziar os exércitos fabris. Promoveu privatizações, grandes cortes de direitos e precarização generalizada das relações de trabalho.

O conceito de “escravidão assalariada” ganhou um sentido conservador. Era preciso se libertar do patrão e da CLT. Tratar companheiros de trabalho como concorrentes; a carteira de trabalho como bola de ferro; o crachá como coleira.  

Mas o chicote da pobreza continua castigando e os patrões ficaram ainda mais longe do alcance de sindicatos, justiça trabalhista e fiscalização governamental. Greves são cada vez mais raras e duramente reprimidas.

Toda esta situação ajuda a explicar o sucesso de pilantras como Pablo Marçal. Enquanto não encontrarmos novas formas de organizar nossos exércitos, o cativeiro continua.

Leia também: O Primeiro de Maio em meio às vitórias do neoliberalismo

4 comentários:

  1. Lembrei-me de um enunciado do Adorno: “A sobrevivência do fascismo e o fracasso da tão falada elaboração do passado, degenerada em sua caricatura, no esquecimento vazio e frio, devem-se à persistência dos pressupostos sociais objetivos que produziram o fascismo. Isso não pode, essencialmente, ser deduzido de disposições subjetivas” (Educação e emancipação, 1959). Como você diz, "Toda esta situação ajuda a explicar o sucesso de pilantras como Pablo Marçal". Suas pílulas ajudam muitíssimo a continuar a pensar e a prosseguir na luta - na prática, são anti-pílulas psiquiátricas rs. Forte abraço!

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  2. Entre a escravidão salarial e a falsidade do empreendedorismo.

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