Doses maiores

21 de fevereiro de 2025

Trabalho concreto, gelatina e códigos binários

No livro “Concreto: arma de construção massiva do capitalismo”, Anselm Jappe mostra que o concreto armado, amplamente presente nas construções contemporâneas, causa sérios problemas como pouca durabilidade, manutenção dispendiosa, impactos ecológicos e incompatibilidade com muitas das necessidades humanas. Sua utilização serve única e exclusivamente às necessidades de valorização do capital.

Jappe, no entanto, enxerga no concreto uma outra propriedade. Ele lembra que para Marx, no capitalismo, o trabalho é composto por trabalho concreto e trabalho abstrato. O primeiro é aquele que é portador de um valor de uso específico. Por exemplo, o pão feito por um padeiro ou o software escrito por um programador.

Já o trabalho abstrato é “puro dispêndio de energia humana”, que não leva em conta o tipo de atividade ou produto final. Como lembra o autor, no capitalismo, nenhum trabalho importa por sua singularidade e utilidade imediata, mas por sua rentabilidade. O trabalho concreto é apenas “uma porção maior ou menor de uma única substância, sempre igual, sem conteúdo ou particularidades”. Não à toa, Marx compara o trabalho abstrato a uma “gelatina” e Jappe diz que isso impõe à modernidade uma simplificação grosseira, resumida na busca incessante pelo lucro.

A partir dessa definição, o autor considera o concreto armado uma manifestação perfeita do trabalho abstrato. Uma “substância” indiferenciada que invadiu nossas vidas por todo o planeta.

Faz todo sentido, mas talvez outra “substância” também venha cumprindo esse papel nas últimas décadas. São as redes digitais, que se impõem cada vez mais como mediação das relações humanas concretas, transformando-as em códigos binários armazenados em nuvens abstratas, que servem exclusivamente à circulação das mercadorias.

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