Doses maiores

16 de maio de 2022

A ferida do racismo permanece aberta e sangrando

Em 27/03/2022, a TV Bahia exibiu entrevista com Madalena Silva. Negra, 62 anos de idade, ela foi resgatada por autoridades após 54 anos vivendo em condições de escravidão. Trabalhava para uma família sem salário ou folga.

Durante o depoimento, a repórter Adriana Oliveira estendeu-lhe a mão e ela recuou assustada. Questionada pela jornalista, Madalena disse: “Fico com receio de pegar na sua mão branca”. “Mas por quê? Tem medo de quê?” perguntou Adriana. “Porque ver a sua mão branca... eu pego e boto a minha em cima da sua, acho feio isso”.

Uma palestra proferida em 1882 pelo historiador francês Ernest Renan ficou famosa e virou livro com o título “O que é uma nação”. Para ele, “a essência de uma nação é que todos os indivíduos passaram a ter muitas coisas em comum e também esqueceram muitas coisas”.  Referindo-se a momentos traumáticos da história francesa, Renan afirma: “Nenhum cidadão francês sabe se ele é um borgonhês, um Alan, um Taifale ou um visigodo, mas todo cidadão francês precisou esquecer o massacre de São Bartolomeu ou o massacre ocorrido no sul no século 13”.

Com isso, ele queria dizer que uma nação nasce quando seu povo cura e faz cicatrizar suas feridas.

Se há alguma verdade nesse raciocínio, o episódio vergonhoso de Madalena Silva mostra que estamos longe de ser uma nação. O racismo entranhado em nosso sistema social e abrigado pela estrutura dominante desde o período colonial não permite esquecimentos. Ao contrário, salta à nossa frente, cada vez mais escandaloso e cruel todos os dias.

As feridas seguem abertas e sangrando.

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