Doses maiores

7 de agosto de 2024

A humanidade chegando ao limite

A metodologia dos limites planetários procura medir o impacto das atividades humanas no sistema terrestre. Ultrapassá-los significaria deixarmos o período de estabilidade do Holoceno, no qual vivemos durante os últimos 12 mil anos.

Os limites correspondem a nove processos de mudanças, que são: climáticas, integridade da biosfera, biogeoquímica, acidificação dos oceanos, uso do solo, camada de ozônio, aerossóis atmosféricos e liberação de químicos sintéticos no ambiente sem testes de segurança adequados.

Pois bem, um levantamento divulgado em setembro de 2023 mostra que seis deles foram definitivamente ultrapassados, e um deles, o elevado índice de acidez dos oceanos, está muito perto de seu limite. Apenas a deterioração do ozônio e os aerossóis atmosféricos estão sob controle.

Essas mesmas evidências mostram que as ações humanas, especialmente as das sociedades industrializadas, tornaram-se o principal motor da mudança ambiental global. É o resultado dos estragos feitos pela exploração capitalista, que caracteriza um período sem paralelo na história humana: o Antropoceno.

Segundo Johan Rockström, um dos pesquisadores responsáveis pelo levantamento, essas perturbações ambientais são abordadas como se fossem questões separadas. Por exemplo, mudanças climáticas, perda de biodiversidade ou poluição. Essas abordagens, no entanto, ignoram as interações não lineares desses desequilíbrios e os efeitos agregados resultantes no conjunto do sistema terrestre. Os limites planetários trazem uma compreensão científica dos impactos ambientais antropogênicos em uma estrutura que considera o sistema terrestre como um todo.

Ou seja, os efeitos destruidores do capitalismo são globais e precisam ser combatidos em sua totalidade e com muita urgência. A humanidade está chegando literalmente aos limites de sua sobrevivência como espécie.

Doses serão suspensas até setembro.

Leia também: O Antropoceno e o Atlas Selvagem

6 de agosto de 2024

Olimpíadas anticapitalistas

Nas Olimpíadas de Paris, estão competindo cerca de 10.700 atletas, vindos de 206 países. Mas houve uma olimpíada em que os competidores chegaram 100 mil e não representavam nenhum país específico.

Estamos falando da olimpíada que aconteceu na Áustria em 1931 e foi organizada por dezenas de entidades de trabalhadores socialistas. As únicas bandeiras hasteadas eram vermelhas, simbolizando a verdadeira pátria dos socialistas: a classe trabalhadora. O grande número de atletas se devia ao fato de que participavam aqueles que se sentiam aptos a competir e não apenas os “melhores”.

Esses jogos passaram a acontecer em 1925, em vários países da Europa. Mas vinham sendo organizados desde 1920, quando representantes de organizações esportivas proletárias da Alemanha, Inglaterra, Bélgica, França e Áustria se reuniram para formar uma associação internacional, a Sportintern.

Em 1936, mais uma edição dos jogos proletários ocorreria em Barcelona. Mas o golpe fascista inviabilizou o evento. Muitos dos participantes que já haviam chegado, porém, permaneceram na Espanha para combater os fascistas. Em seguida à derrota das forças socialistas, começou a Segunda Guerra e as Olimpíadas Populares não voltaram mais a se realizar.

Este relato está contado em detalhes no artigo Quando as Olimpíadas eram anticapitalistas, de Gabriela Leite, recentemente publicado no portal Outras Palavras. Uma história bonita e que pode inspirar novas iniciativas semelhantes.

Leia também: Pílulas antigas sobre os jogos olímpicos

Lênin: organização ampla e flexibilidade tática

Como internacionalista convicto e maior liderança da Revolução Russa, Lênin tornou-se a principal referência de revolucionários no mundo todo. Durante o 3º Congresso da Internacional Socialista, em 1921, ao discutir com camaradas italianos, alemães e outros, ele fez a seguinte observação:

Terracini diz que fomos vitoriosos na Rússia, embora nosso partido fosse muito pequeno. O camarada entendeu muito pouco a revolução russa. Na Rússia, éramos um partido pequeno, mas tínhamos conosco, a maioria dos Sovietes de Deputados Operários e Camponeses em todo o país. Fomos vitoriosos na Rússia não apenas porque a maioria indiscutível da classe trabalhadora estava do nosso lado (durante as eleições de 1917, tivemos uma votação esmagadora contra os mencheviques), mas também porque metade do exército, imediatamente após a tomada do poder, e 90% dos camponeses, no decorrer de algumas semanas, passaram para o nosso lado...

Já em seu panfleto “Comunismo de Esquerda”, Lênin enfatizou que ”a história como um todo, e a história das revoluções em particular, é sempre mais rica em conteúdo, mais variada, mais multiforme, mais viva e engenhosa do que imaginam até mesmo os melhores partidos”.

Ainda segundo Lênin, os “verdadeiros revolucionários” não devem perder de vista os objetivos que compartilham com os camaradas ao redor do mundo. Devem levar em conta “as características concretas que esta luta assume em cada país, em conformidade com o caráter específico de sua economia, política, cultura, composição nacional, divisões religiosas, e assim por diante”.

Ou seja, Lênin nunca defendeu o partido como organização cuja influência deveria se limitar aos revolucionários convictos nem fórmulas rígidas e válidas para todas as revoluções.

Leia também: Lênin e a dialética das revoluções

3 de agosto de 2024

Planejamento socialista e democracia

Ninguém pode acusar as maiores empresas ocidentais de terem simpatias pelo comunismo. No entanto, elas não tiveram dificuldades em adotar métodos de programação linear concebidos por especialistas soviéticos para a economia russa. É o caso de Wassily Leontief, cuja metodologia para controle e gestão de fluxos de insumos e produtos foi adotada pela Westinghouse, quando ele se mudou para os Estados Unidos.

Exemplos como esse mostram como o planejamento econômico pode ser útil tanto para empresas capitalistas quanto para economias socialistas. Internamente, as empresas são economias não tão diferentes da União Soviética: economias planejadas hierárquicas e antidemocráticas, com certeza, mas economias planejadas do mesmo jeito. A diferença está em suas metas e como elas são determinadas. Na empresa capitalista, a técnica é colocada a serviço da maximização do lucro para benefício de seus proprietários.

Na sociedade socialista, a meta pode até continuar sendo um aumento na riqueza, mas da sociedade como um todo. A metodologia utilizada também pode ser semelhante àquela voltada para a maximização do lucro, mas é determinada socialmente. A expansão constante do tempo de lazer pode ser um dos objetivos, assim como a maximização dos serviços ecossistêmicos e a minimização drástica dos impactos ambientais.

Dessa forma, vemos como, embora a substituição da alocação de mercado pelo planejamento econômico possa ser uma condição necessária para a realização do socialismo, ela não é suficiente: deve estar associada à democracia.

Com esses breves comentários encerramos as pílulas sobre o livro “The People's Republic of Walmart”, Leigh Phillips e Michael Rozworski. Uma obra de 2019 que merece ganhar uma edição em português.

Leia também: O colapso do planejamento soviético

1 de agosto de 2024

O colapso do planejamento soviético

Em seu livro “The People's Republic of Walmart”, Leigh Phillips e Michael Rozworski afirmam que as guerras e o planejamento econômico têm uma longa história em comum. E os grandes conflitos do século 20 exigiram planejamento e inovação em grande escala, impulsionados pelo setor público.

Não à toa, a estatização das fábricas russas, pouco depois da Revolução Russa, aconteceu durante um período chamado de “comunismo de guerra”. Cercado por quase duas dezenas de exércitos imperialistas, restavam poucas opções ao poder soviético, se não uma pesada intervenção estatal para concentrar os esforços econômicos na defesa da revolução.

Criado em fevereiro de 1921, o Comitê Estatal de Planejamento foi encarregado de elaborar um plano econômico único para toda a União Soviética. Para isso, criou aquele que provavelmente foi o primeiro sistema de contas nacionais da história.

Quando a Segunda Guerra Mundial começou, pode-se dizer que a União Soviética já funcionava como uma única fábrica abarcando um território correspondente a um sexto do mundo.

O planejamento se mostrou eficaz em relação às decisões brutas e de larga escala necessárias a indústrias básicas como mineração, siderurgia, manufatura pesada e geração de eletricidade. Mas com o fim da guerra, os itens de consumo se tornaram prioridade. O número de mercadorias explodiu, junto com a complexidade de rastrear, avaliar e reconciliar todos os fatores de produção, reduzindo as probabilidades de erro.

Se o planejamento soviético se baseasse em mecanismos democráticos e transparentes de decisões e informações, esses obstáculos poderiam ter sido superados. Mas décadas de autoritarismo stalinista cobraram seu preço e o sistema começou a estagnar, a caminho do colapso.

Leia também: O caótico planejamento soviético