Doses maiores

16 de novembro de 2018

No canto mais escuro do medo, uma luz

O capítulo “O Sobrado” inaugura a saga “O Tempo e o Vento”, de Érico Veríssimo. O ano é 1895, cidade de Santa Fé, finalzinho da guerra entre gaúchos republicanos e federalistas.

O primeiro personagem a aparecer é o tenente republicano José Lírio, o Liroca. Sua missão é manter o cerco a um sobrado em que federalistas se refugiam. Deve ocupar a torre da igreja voltada para o casarão e impedir a tiros o acesso ao poço que fica na praça em frente. O objetivo é matar de fome e sede os ocupantes do casarão.

O problema de Liroca é sua covardia. Para chegar à igreja, é preciso atravessar a praça, sob risco de ser alvejado pelos ocupantes do sobrado. “Donde lhe vinha tanto medo?”, pergunta-se Liroca. Paralisado, murmura para si mesmo: "Lírio é macho, Lírio é macho”. Palavras que sempre repetia quando ia entrar em combate.

Por fim, mais por vergonha que por coragem, em correria trôpega e desesperada, José Lírio acaba chegando a seu posto. Lá do alto, aguarda e vigia. De repente, alguém sai do sobrado e corre até o poço. Liroca aguarda que ele encha seus baldes e atira. Erra os disparos de propósito. Não tem coragem de privar os inimigos, principalmente as mulheres e crianças que estão com eles, de um pouco de água.

Se o pior acontecer, o medroso Liroca poderia nos servir de inspiração. É a coragem arrancada com muito sofrimento do canto mais escuro do medo. Dignidade suficiente apenas para vencer a covardia, mas o bastante para não se render a toda crueldade que a barbárie impõe.

Até dezembro!

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