Doses maiores

13 de fevereiro de 2014

Também já fomos black blocs

Muita gente boa e veterana da esquerda acusa os black blocs de fazer o jogo da direita. Dizem que na luta contra a ditadura militar, nas greves gerais e passeatas dos anos 80, ninguém precisava fazer uso de máscaras e depredação.

Parecem esquecer as muitas pauladas, pedradas e os murros trocados nos piquetes e manifestações daquela época. Parecem não lembrar de que também fomos acusados de fazer o jogo da direita.

A velha guarda comunista e os sindicalistas pelegos condenavam nosso radicalismo. Diziam que acabaríamos fazendo os militares voltarem atrás na “transição democrática”. Nos denunciavam por dividir a oposição ao formar um partido de grevistas e uma central sindical vermelha. Para eles, até Lula era um black bloc!

Se dependesse desses críticos, estaríamos até hoje escondidos nas “alas esquerdas” do PMDB ou do PSDB. Não teríamos formado o PT e a CUT, que nos anos 1980 arrancaram conquistas nos bairros, escolas, fábricas e ruas.

Claro que já não estamos sob uma ditadura. Temos eleições periódicas e liberdade de greve e sindicalização. Mas o aparato da repressão continua intacto, atuante e vem asfixiando a democracia e pisoteando a liberdade. E são os manifestantes nas ruas que estão resistindo. Não os engravatados de gabinete.

Todos corremos o risco de fazer o jogo conservador. Mas há os que já deixaram para trás esse perigo. São os que apoiam medidas legais contra as manifestações. As autoridades eleitas que se recusam a deter a violência policial. Os que vem administrando o poder com e para a direita há anos.

Poderiam, pelo menos, nos fazer o favor de esconder a cara.

3 comentários:

  1. Prezado Sérgio,
    Não consigo conceber essa sua comparação.
    Penso que são momentos sociais e históricos completamente diferentes, com sujeitos completamente diferentes (seus desejos, sonhos, práticas sociais, etc.). Eu, que trabalho com universitários (e jovens do ensino médio público), não consigo ver aquele jovem de 60/70, no jovem de hoje (nem de longe), muito menos comparar tais manifestações, ao ponto de achar que dessa bagunça, pode sair algo como CUT, PT, etc.

    Não consigo conceber os black blocs movimento social organizado, com princípios claros e consistentes. Acompanho, de certa forma, o MST, e acho uma ofensa quando colegas colocam as manifestações desses grupos no mesmo pé.

    Digo isso porque após as manifestações de junho, estou com um pé atrás ao defender "movimentos" que estão "longe de mim" e que acompanho pelas mídias sociais. Naquele grande dia, em que todos fomos às ruas, fui tomada por um pavor quando vi grande parte dos cartazes na minha cidade....Pareciam frases extraídas da revista Veja.

    Do pouco que vi, daqui do interior de SP, as manifestações dos black blocs pela internet, eu só tenho uma coisa a dizer: receio.

    Não sei de acabei dando outro viés para o seu texto, que resultou nessa minha interpretação, de qualquer forma, é essa interlocução que nos faz pensar.

    abraço
    Tatiana Souza

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    1. Tatiana, compreendo seu receio. E o próprio texto admite que há o risco de fazer o jogo da direita. Mas como o texto também diz, é preferível correr esse risco a apoiar o massacre da grande mídia e, principalmente, do aparato de repressão com apoio entusiasmado de antigos lutadores e velhos ditadores dividindo o poder. Além disso, os BBs podem não ser politizados, mas é leviano caracterizá-lo simplesmente como sendo de direita. Pelo que venho observando, e muitos outros companheiros também, a maioria deles é formada por jovens que cansaram de apanhar da polícia. Como nos relacionaremos com eles, como politizar sua ação, dar um rumo combativo de esquerda. Tudo isso é não é simples, mas não podemos aderir a sua criminalização nem desprezar sua indignação.
      Obrigado pelo comentário!

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    2. Concordo com você. Obrigada pelo retorno, abraço e até mais!

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