Doses maiores

11 de novembro de 2024

Como se desperta um demônio

Em 1936, George Orwell publicou “A caminho de Wigan Pier”, sobre as terríveis condições de trabalho dos mineiros ingleses. Mas o livro também denunciava os preconceitos de setores da esquerda contra a chamada classe média. Eis um trecho:

Economicamente, estou no mesmo barco com o mineiro de carvão, o operário braçal e o trabalhador rural; basta que alguém me lembre disso e irei lutar ao lado deles. Mas culturalmente sou diferente do mineiro, do operário braçal e do trabalhador rural; e, se você enfatizar esse aspecto, pode acabar me armando contra eles. Se eu fosse uma anomalia solitária, isso não teria importância, mas o que vale para mim vale para incontáveis outras pessoas. Cada bancário pensando no dia da demissão, cada lojista tentando se equilibrar à beira da falência estão essencialmente na mesma posição. Eles são a classe média que vai afundando, e a maioria deles se aferra à sua superioridade, sob a impressão de que ela os mantém com a cabeça fora d’água. Não é boa política já começar lhes dizendo que joguem fora o colete salva-vidas. Há um perigo óbvio de que nos próximos anos grandes faixas da classe média deem uma repentina e violenta guinada para a direita. Ao fazer isso, podem tornar-se uma força tremenda. Até agora a fraqueza da classe média sempre se baseou no fato de que esses cidadãos nunca aprenderam a se unir, mas, se os assustar de tal modo que eles acabem se unindo contra você, pode descobrir que despertou um demônio.

Mas, na época, o “demônio” já estava bem acordado e tinha nome: nazifascismo.

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