Doses maiores

3 de junho de 2013

A Sagração da primavera e a Rosa de Hiroshima

Em 29 de maio de 1913, estreava o balé “Sagração da Primavera”, do russo Igor Stravinsky (1882-1971). O artigo “O escândalo da Sagração”, que João Marcos Coelho publicou no Valor em 17/05, descreve como foi a recepção da obra:

Voaram tapas, prospectos de programas, luvas e até objetos mais contundentes, como bengalas, no meio da plateia. Uns contra, outros a favor, com trilha sonora caótica de berros e vaias.

O artigo cita o maestro e compositor finlandês Esa-Pekka Salonen: "A 'Sagração' veio do nada e mudou tudo”. Nada na tradição musical anterior sinalizava semelhante explosão. Mas, adaptando a frase de Trotsky, uma obra como aquela era impossível até que se tornou inevitável.

Coelho também lembra que o historiador Modris Eksteins viu na Sagração a antecipação “dos delírios da Primeira Guerra Mundial”. O “símbolo ideológico da estetização da violência, e, portanto, precursora do nazismo”.

Mas em seu ótimo livro “O Som e o Sentido”, José Miguel Wisnik identificou na criação de Stravinsky o ritmo da máquina, a velocidade, a aceleração do tempo e a eletricidade invadindo o universo da música.

Seja como for, desde os primeiros acordes, a música de Stravinsky anuncia a tragédia de seu final. A estreia da Sagração parecia antecipar os tempos sombrios que viriam a seguir. A primavera da modernidade capitalista só conseguiu fazer brotar a grande e assustadora Rosa de Hiroshima.

O artigo de Coelho diz que a obra “tem tamanha vitalidade que ainda escandaliza os conservadores e colhe calorosa recepção junto às ‘gerações jovens’”. Que o calor juvenil prevaleça e arranque a primavera do interior deste inverno que teima em perdurar.

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