Doses maiores

21 de dezembro de 2016

Réveillon triste em Copacabana

Copacabana, meia-noite. Estouram os fogos. A multidão olha para o espetáculo. Muitos caminham até perto do mar, mas ninguém se molha ou dá os tradicionais sete pulinhos. As oferendas a Iemanjá também não deixam a areia. Ficam encostadas no Muro. É nele que está sendo projetada uma sequência de cenas em alta definição, gravadas em réveillons antigos. Do tempo em que não havia o Muro.

O Muro já existe há dez anos, quando as águas do oceano começaram a invadir a Av. Atlântica. Já antes do século 21, não faltaram alertas sobre os efeitos da elevação do nível do mar na orla carioca, mais uma das consequências do aquecimento global. As autoridades locais continuaram ignorando o perigo. Preferiram, por exemplo, gastar enormes recursos para atrair turistas que começariam a sumir diante de uma cidade cada vez mais ameaçada por águas sujas.

A construção isolou do mar os moradores e os poucos visitantes de Copacabana. Uma das praias mais famosas do mundo reduzida a um aterro de areia que termina em um paredão. Do oceano, só o marulho das águas batendo no outro lado da grande barreira.

Acima da multidão, em suas janelas, moradores dos prédios da Av. Atlântica contemplam alguns navios de cruzeiro navegando além da barreira de concreto. São os privilegiados da terra firme trocando olhares com os privilegiados embarcados nos enormes iates. Parecem um pouco menos tristes que a multidão que os ignora, vários andares abaixo. Buscam, todos, algum consolo nas imagens projetadas no Muro.

É meia-noite. Todos gritam “Feliz 2060!”. O som das palavras bate no paredão e volta num eco desanimado.

Baseado no artigo “Rio debaixo d’água e o fim da praia de Copacabana”, de José Eustáquio Diniz Alves.

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