Doses maiores

28 de março de 2012

A microfísica da militância

Em entrevista ao jornal Valor, publicada em 27/03, Paul Singer fez a seguinte afirmação:
O PT está num impasse, porque uma parte dele transformou-se em políticos profissionais, o que no inicio do partido seria visto com horror. Muita gente dentro do PT é obrigada a ganhar eleições ou está na rua da amargura. Isso é o normal na política brasileira: a pessoa acaba se profissionalizando na política e a partir daí o seu interesse individual o leva a fazer concessões. Os grandes ideais passam a ser secundários. É por isso que o PT acabou fazendo alianças sem nenhum critério
Singer é militante veterano do PT. Também é secretário de Economia Solidária do Ministério do Trabalho do governo Dilma. Portanto, fala com grande conhecimento de causa.

Mas o problema que denuncia não diz respeito apenas à política brasileira. É o que mostra uma afirmação de Gramsci em relação ao movimento sindical europeu. Segundo o marxista italiano:
O desenvolvimento normal da organização sindical gera resultados opostos aos que tinham sido previstos pelo sindicalismo: os operários que se tornaram dirigentes sindicais perderam completamente a vocação do trabalho e o espírito de classe e adquiriram todas as características do funcionário pequeno-burguês, intelectualmente preguiçoso, moralmente pervertido ou fácil de se perverter. Quanto mais o movimento sindical se alarga, ao abarcar grandes massas, tanto mais o “funcionarismo” se espalha (do livro “O Poder Simbólico”, de Pierre Bourdieu).
O que Gramsci chamou de “funcionarismo” também pode ser chamado de burocracia. A palavra é produto da junção de “bureau”, “escritório” em francês, e “krátias”, que é “poder” em grego. Ou seja, estamos falando daqueles que, a partir de seus gabinetes, exercem seus poderes mesquinhos.

Empresas, entidades e instituições estão cheias desses tipos. Infelizmente, os partidos de esquerda, sindicatos e outras organizações populares também estão. Antigos e combativos militantes domesticados pela profissionalização.

Nem todos são cínicos, vendidos, traidores. Muitos estão presos nessa espécie de “microfísica do poder”. Por isso não é o caso de elegê-los como inimigos principais. Merecem que sejam denunciados por seu papel vergonhoso. Mas na “macrofísica” da dominação, os verdadeiros inimigos continuam a ser os patrões e seus governos.

As organizações que realmente lutam pela transformação social precisam se livrar da dependência que desenvolveram em relação a suas burocracias. A verdadeira militância tem que ser a opção de milhares de homens e mulheres comprometidos com a luta concreta. Que tiram seu sustento do trabalho que fazem nas fábricas, no comércio, escolas, bancos, lavouras, serviços públicos.

Leia também: A militância mofando nos gabinetes

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