Doses maiores

9 de março de 2012

O consumismo e as necessidades do espírito

Em janeiro de 2012, Bettina Barros escreveu o artigo “Os perigos de um mundo descartável” no jornal Valor Econômico. Um trecho:
Em 2009 foram lançados no país 163 modelos de televisores de tela plana. O que já parecia alto subiu ainda mais em 2011, com o auge de 256 novos modelos apresentados em um único ano (de janeiro a novembro). Nesse mesmo período, a oferta de novos celulares saltou de 116 para 175 e a de computadores de mesa, de 476 para 835. Isso foi somente no Brasil, desconsiderando mercados maduros de alta renda, onde os volumes são ainda mais expressivos, segundo a consultoria GfK, que compilou as informações a pedido do Valor.
O fenômeno tem a ver com a incorporação de novos setores populacionais ao mercado consumidor. Como diz o artigo:
A entrada no mercado de uma classe média mundial gigantesca e sedenta por novidades, que vê nas aquisições desses objetos uma forma de acesso à cidadania, fez o modelo de consumo adotado e dominado pelos Estados Unidos no século 20 - o "american way of life" - replicar em uma escala asiática.
Ou seja, é o modelo de consumo norte-americano que o resto do mundo tenta imitar. Um objetivo que se fosse alcançado apenas pela população chinesa, exigiria recursos naturais de vários planetas Terra.

Diante disso, são muitos os que pedem moderação no consumo. Dentre estes, há até quem se diga marxista. Uns e outros deveriam prestar atenção a uma nota de rodapé de “O Capital”. Na seção 1 do capítulo 1, está escrito:
O desejo implica a necessidade; é o apetite do espírito, que lhe é tão natural quanto a fome para o corpo (...) A maior parte [das coisas] retira seu valor do fato de satisfazerem as necessidades do espírito.
Trata-se de uma frase de Nicholas Barbon, na obra “A Discourse on coining the new Money lighter”, de 1696.

Cabe perguntar quais são os “apetites do espírito” despertados pelo capitalismo. É o desejo por coisas transformadas em mercadorias. E quem é responsável por esse tipo de fome? É a indústria, que vive do desperdício em larga escala.

Fácil para quem já passou por vários estágios de comilança mercantil pedir moderação aos que mal começam a se lambuzar. Consumo responsável é possível. Não sem antes atacar o centro da irresponsabilidade ambiental: o controle privado dos meios de produção.

Enquanto isso não entrar na pauta, “consumo responsável” dificilmente deixará de ser só mais uma desculpa para consumir com exagero.

Leia também: Tempero bom em carne podre

3 comentários:

  1. Consumo responsável no capitalismo é pura ingenuidade. Salvar os recursos naturais e equilibrar a demanda do planeta apenas quando rompermos com o sistema produtivo dominado pelo lucro, ou seja, por poucos que são os donos deles.

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  2. Tendo a concordar com o primeiro comentário... Apesar de ter gostado do texto como lhe expliquei via email..

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  3. Alô Sergio,bom dia.Colaborando com o 1º comentário,lembraria que o1ºpasso para a solidificação de qualquer modelo economico é a crença que ele imprime.É ela que manterá coesa as bases do sistema e é ela que terá que ruir para que se mudem as relações sociais e economicas.Nada mais pertinente ao Capitalismo do que a busca desenfreada pelo consumo,do que o uso da propriedade de bens materiais em substituição as necessidades emocionais e como meio de se sobrepor ao outro.Uma sociedade Capitalista não pode,para se manter como tal,basear o consumo na responsabilidade social,na sustentabilidade ou na generosidade da máxima que afirma que devemos cuidar do planeta ou ficaremos sem ele.Este tipo de postura,embora seja óbvia,não encontrará espaço para se firmar como real e homogenea,neste modelo economico.Infelizmente,meu caro,estes dois corpos,consumo responsável e Capitalismo,jamais ocuparão o mesmo espaço ao mesmo tempo,como nos ensinou aquela velha lei da física.Abraços,Anna Kaum.

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