Doses maiores

19 de setembro de 2024

O Antropoceno e o fio vermelho da resistência

Em seu livro “Enfrentando o Antropoceno”, Ian Angus lembra que, certa vez, Marx comparou o progresso capitalista àquele "ídolo pagão hediondo, que não beberia o néctar senão dos crânios dos mortos".

Essa incapacidade do capitalismo de criar sem destruir, afirma o autor, corre como um fio vermelho pela obra do grande revolucionário alemão. Mas nem ele poderia imaginar o quão extrema essa contradição se tornaria.

O Antropoceno é algo nunca visto na história do planeta, diz Angus. As mudanças que ocorreram antes, não importa quão extensas ou destrutivas, não causaram “mudanças significativas na estrutura ou funcionamento do Sistema Terrestre como um todo.”

Não é que haja vários focos de destruição ecológica espalhados pelo mundo. A catástrofe ambiental é sistêmica, planetária. São tempestades, furacões, incêndios, ondas de calor e de frio nos vários continentes. Além das cada vez mais frequentes epidemias ameaçando se transformar em nova pandemia. Até o equilíbrio das camadas geológicas mais profundas está ameaçado pela exploração de petróleo e gás usando a técnica do “fracking”.

Nenhum desses fenômenos respeita fronteiras ou trará consequências mais amenas para países ou regiões menos poluentes. Ao contrário, muitos deles afetarão principalmente as nações menos industrializadas e ambientalmente sujas.

Segundo o autor, o Antropoceno também é um território desconhecido. Ninguém pode assegurar qual será a dimensão dos efeitos das pesadas intervenções promovidas pela humanidade sob o domínio do capital. Um sistema cuja sanha por lucros para poucos está colocando em risco a vida da grande maioria explorada e oprimida.

Eis porque é preciso seguir aquele “fio vermelho” da obra marxista para rompermos definitiva e radicalmente com o capitalismo.

Leia também: A assinatura do Antropoceno com firma reconhecida

18 de setembro de 2024

A indústria do turismo e o capitalismo cagando tudo

Voltando ao tema indústria turística, vale a pena ler a entrevista “Os baixos custos exigidos pela indústria do turismo são baseados em salários baixos”, com Josep Burgaya, professor da Universidade de Vic, em Barcelona.

O entrevistado ressalta que “os baixos custos exigidos pela indústria do turismo são baseados em salários baixos, muito trabalho informal e extensas cargas horárias”. Desse modo, o setor depende principalmente do trabalho mal pago e precarizado dos imigrantes. São “estrangeiros servindo estrangeiros”, diz Burgaya.

A indústria do turismo fez disparar o custo de vida nas cidades onde opera, expulsando os moradores pobres para as periferias. A população visitante ultrapassa em muito a dos moradores. Amsterdã, por exemplo, tem 820 mil habitantes, mas recebe anualmente 20 milhões de turistas. O pior é que 80% dos enormes recursos movimentados são apropriados por plataformas digitais como Airbnb, Booking e Uber. As cidades ficam principalmente com impactos negativos como custo de vida elevado, degradação ambiental, problemas sociais e descaracterização cultural.

“Turismo é ir a um lugar pré-fabricado porque nos é imposto pelos padrões de consumo do capitalismo atual (...). Consumimos destinos em forma de fotografias. Viajar era conhecer. Fazer turismo é ter mais uma foto no currículo de consumo”, afirma ele. E o “nicho de mercado das viagens autênticas sofre do mesmo mal, mas pagando mais”.

O problema, diz o entrevistado, é que viajar não é mais possível. Somos todos turistas, queiramos ou não.

Toda essa situação pode ser resumida em uma elegante frase: “O capitalismo caga em tudo o que se apropria”. E, infelizmente, isso também é verdade para quase tudo o que nos rodeia.

Leia também: A “museificação capitalista” da experiência turística

17 de setembro de 2024

A assinatura do Antropoceno com firma reconhecida

Especialistas a serviço do capitalismo fóssil têm uma concepção muito particular e distorcida sobre o Antropoceno. Segundo eles, as atuais crises ambientais devem-se a fatores que remontam a centenas e até milhares de anos atrás

Desse modo, as crises ambientais não seriam resultado de ações humanas recentes, como a queima de combustíveis fósseis, mas um fenômeno causado pela disseminação gradual da influência da humanidade sobre a paisagem. O Antropoceno teria a mesma idade do Homo Sapiens.
 

Mas a atividade humana deixou várias assinaturas em sedimentos geológicos que desmentem essa hipótese. São minerais e tipos de rochas que refletem a rápida disseminação global de novos materiais como alumínio, concreto e plástico. Os registros desses elementos, conhecidos como “tecnofósseis”, somente são encontrados em camadas sedimentares surgidas em meados do século 20.

Além disso, perfurações profundas em geleiras permanentes obtiveram amostras de 100 mil anos atrás ou mais. Foram encontradas elevadas concentrações de chumbo de gasolina, nitrogênio e fósforo de fertilizantes, além de dióxido de carbono provenientes da queima de combustíveis fósseis. Elementos inexistentes antes do século passado e cuja presença na natureza aumentou muito desde os anos 1950.

Os especialistas antiambientalistas omitem que os resíduos que envenenam enormes extensões do planeta não poderiam resultar de seu lento acúmulo por milhares de anos. São resultado do ritmo acelerado e destrutivo de uma industrialização à base, principalmente, de combustíveis fósseis.

As informações acima estão no livro “Enfrentando o Antropoceno”, de Ian Angus, e mostram que o Antropoceno com sua catastrófica crise ambiental tem a assinatura do capitalismo. Com firma reconhecida e tudo.

Leia também: A primeira quase catástrofe do Antropoceno

16 de setembro de 2024

A escravidão assalariada há 200 anos e hoje

Dois séculos atrás, a relação salarial era vista com desconfiança e desprezo pelos trabalhadores. Ser empregado lembrava os antigos vínculos feudais ou escravocratas. Não à toa, os anarquistas cunharam a expressão “escravidão assalariada”, em que a pobreza cumpre a função do chicote.

Mas os camponeses foram expulsos de suas terras. As grandes oficinas parcelaram o trabalho, tornando inúteis o conhecimento e as ferramentas dos artesãos urbanos. Ser assalariado não era opção. Era sobrevivência.

O problema é que as fábricas formaram o que Marx chamou de exércitos de trabalhadores. Exércitos cujas lutas foram arrancando direitos: redução da jornada, descanso semanal, limitação do trabalho infantil...

Essas conquistas só se consolidaram em grande escala em parte da Europa e em algumas outras regiões. Ainda assim, se transformaram em um forte estímulo para a luta dos muitos milhões que não as haviam conquistado.

Até que chegou o neoliberalismo para reorganizar a produção de modo a empregar menos e esvaziar os exércitos fabris. Promoveu privatizações, grandes cortes de direitos e precarização generalizada das relações de trabalho.

O conceito de “escravidão assalariada” ganhou um sentido conservador. Era preciso se libertar do patrão e da CLT. Tratar companheiros de trabalho como concorrentes; a carteira de trabalho como bola de ferro; o crachá como coleira.  

Mas o chicote da pobreza continua castigando e os patrões ficaram ainda mais longe do alcance de sindicatos, justiça trabalhista e fiscalização governamental. Greves são cada vez mais raras e duramente reprimidas.

Toda esta situação ajuda a explicar o sucesso de pilantras como Pablo Marçal. Enquanto não encontrarmos novas formas de organizar nossos exércitos, o cativeiro continua.

Leia também: O Primeiro de Maio em meio às vitórias do neoliberalismo

14 de setembro de 2024

A primeira quase catástrofe do Antropoceno

Em seu livro “Enfrentando o Antropoceno”, Ian Angus lembra a crise do buraco da camada de ozônio, fenômeno causado pela utilização do clorofluorcarbono (CFC) em produtos como inseticidas, desodorantes, lubrificantes, perfumes e tintas.

O rompimento na camada de ozônio causa desequilíbrios no regime climático e torna a atmosfera terrestre vulnerável aos raios ultravioletas, acarretando diversos problemas de saúde.

Estima-se que cerca de 750 mil toneladas de CFC já haviam sido liberadas na atmosfera em 1970. Mas apenas no final dos anos 1980, após muita pressão da opinião pública mundial, as grandes empresas que utilizavam o CFC deixaram de usá-lo.

Mas o buraco continuou a aumentar até alcançar uma área sete vezes a do território brasileiro, em setembro de 2000. Desde então, diminuiu ligeiramente e permanece precariamente estável.

Há quem diga que a recuperação da camada de ozônio prova que o capitalismo pode resolver problemas ambientais globais: “Se as negociações internacionais puderam aliviar a crise de ozônio, por que não a do clima?”. Esse raciocínio ignora o fato de que o ozônio era utilizado apenas por um punhado de empresas. Em contraste, eliminar combustíveis fósseis e emissões de gases de efeito estufa exigirá uma transformação de décadas da economia global.

Os donos do capital têm grande dificuldade em olhar mais do que dez anos à frente. Os prejuízos que seus altos lucros custam ao resto do planeta não estão em seus balanços financeiros.

A crise do CFC foi a primeira “quase catástrofe” do Antropoceno, mas a menos que nos livremos da máquina suja do capitalismo, haverá muitas mais. Já não temos espaço para novos “quases”.

Leia também: Antropoceno: a era da sujeira capitalista

12 de setembro de 2024

Sílvio Almeida: autocrítica radical, coletiva e sem punitivismo

Lênin referiu-se pela primeira vez ao conceito de “autocrítica” no livro “Um Passo em Frente, Dois Passos Atrás”, ao afirmar que o partido deveria adotar uma "autocrítica e exposição implacável de suas próprias deficiências". Já na obra “Esquerdismo, Doença Infantil do Comunismo”, defendeu que uma organização partidária séria deveria "admitir com franqueza seus erros, apurar suas razões, analisar as circunstâncias que os originaram e discutir exaustivamente os meios de corrigi-los".

Stálin transformaria a prática em arma de perseguição política. Quem desafiasse a burocracia dirigente partidária e estatal era considerado criminoso a ser purgado ou expurgado. A “autocrítica” era individualizada e após sofrerem tortura e extensos períodos de detenção, os acusados muitas vezes confessavam crimes que não haviam cometido. Eram métodos comparáveis aos piores procedimentos da justiça burguesa.

Acabamos de sofrer uma terrível derrota envolvendo Silvio Almeida, referência importante para milhares de militantes de esquerda. Cabe, agora, esperar que a justiça seja feita, sem linchamentos e perseguições. Com amplo direito de defesa, apuração rigorosa e responsabilização severa. As vítimas devem receber total solidariedade e apoio.

Mas os valores emancipatórios e princípios organizativos da esquerda exigem que seja feita uma autocrítica de tipo leninista. Ou seja, reveses e erros são de responsabilidade coletiva e devem ajudar a iluminar o contexto em que surgiram. Não podem se restringir a episódios e indivíduos isolados. É preciso identificar as estruturas e comportamentos que permitiram que os acontecimentos tivessem o desfecho que tiveram e trabalhar para superá-los com radicalidade.

Não podemos nem nos render ao punitivismo típico da estrutura dominante, nem deixar que permaneça aberto o caminho para novos e maiores equívocos.

Leia também: Lênin: o revolucionário que sabia errar

11 de setembro de 2024

Marçal: um “downgrade” no bolsonarismo

A extrema-direita, como muitos já observaram, é um simulacro de revolução. E a revolução tem seu lado destrutivo e iconoclasta, mas também seu lado esperançoso, afirmativo, com promessa de futuro. O bolsonarismo é a encenação falsa do primeiro aspecto, o Pablo Marçal do segundo – por isso tem potencial de ser ainda mais atrativo.

As palavras acima foram postadas por Diogo Fagundes, no Facebook. As que estão logo abaixo são do colunista Juliano Spyer, na Folha:

Marçal é um candidato duro de ser combatido por representar um pacote que reúne defesa da família e combate ao comunismo, visto como doutrina que escraviza o pobre a sua condição de dependência. Ele encarna a ideia de que "aprender a pescar" é melhor do que depender do governo. E se apropriou da mensagem pentecostal antissistema, de quem é perseguido por seguir o chamado de Deus.

Isso deixa adversários de Marçal em uma posição incômoda. Ao atacá-lo, atacam também o sonho – muitas vezes desesperado – de quem se sente perseguido e busca, pelo cristianismo, um caminho para prosperar.

Por fim, uma citação da coluna de Miriam Leitão no Globo, sobre a manifestação de Bolsonaro, na Paulista, no dia 07/09/2024:

Na disputa paulista também o que se vê é que o prefeito Ricardo Nunes foi esquecido no fundo do palanque e o candidato Pablo Marçal usou a passeata para fazer seu show à parte.

Três fragmentos que indicam a formação de um todo: a extrema direita conseguindo reciclar e piorar o bolsonarismo. A palavra “upgrade” costuma ser traduzida como “atualização”, no sentido positivo. No caso, trata-se de um “downgrade” e em ritmo acelerado.

Leia também: O PT virou unidade de política pacificadora

10 de setembro de 2024

Inteligência artificial: um combo de problemas

Em 08/09/2024, o Globo publicou “Gargalos estruturais são barreiras para o avanço dos sistemas”, sobre o desenvolvimento da inteligência artificial (IA).

A matéria começa destacando a imensa quantidade de energia elétrica necessária para fazer funcionar os centros de dados que alimentam essa tecnologia. Segundo um relatório do banco Goldman Sachs, por exemplo, nos Estados Unidos, o uso de eletricidade para IA deve dobrar até 2030.

Outro problema refere-se aos assistentes virtuais, que ao utilizar os novos sistemas de IA, passaram a ser treinados com um percentual crescente de informações distorcidas e inverídicas.

Outra preocupação é “a velocidade com que a mão de obra absorverá novos processos produtivos gerados pela IA. Ou seja, como qualificar trabalhadores para lidarem com as interfaces criadas pela tecnologia”.

Por fim, há a questão dos altos custos de infraestrutura. O enorme investimento necessário restringirá muito o número de negócios que terão um retorno realmente lucrativo.

Ou seja, há um “combo” de problemas surgindo com essa novíssima tecnologia. Uma combinação cujas consequências negativas prometem superar em muito as positivas:

- Aumento dos impactos ambientais para atender a elevação da demanda por energia elétrica, além de apagões mais frequentes.

- Um caos ainda maior nas redes de comunicação, reforçando a disseminação de mentiras e falsidades.

- Elevação do desemprego, precarização trabalhista e rebaixamento salarial.

- Por fim, aumento da monopolização do mercado cibernético, com lugar apenar para jogadores grandes e ainda mais poderosos.

É isso que acontece quando uma força produtiva poderosa como a IA surge amarrada às relações destrutivas do capitalismo. Funciona para alguns poucos e causa prejuízos e destruição para muitos.

Leia também: Intelecto geral x trabalhador coletivo na obra de Marx

9 de setembro de 2024

Antropoceno: a era da sujeira capitalista

Em 1922, o geólogo soviético Aleksei Petrovich Pavlov propôs o conceito Antropoceno para caracterizar o período geológico marcado pela presença dos seres humanos, sucedendo a época do Holoceno. Mas a proposta não foi bem recebida.

Após reaparecer em algumas ocasiões sem sucesso, o conceito voltou a ser utilizado pelo químico Paul Crutzen, em fevereiro de 2000, em uma reunião do Programa Internacional Geosfera-Biosfera, no México. Desde então, vem ganhando unanimidade.

A questão que ainda divide os especialistas é sobre quando o Antropoceno teria começado. Mas um passo importante para tentar resolver a polêmica foi dado com a apresentação do documento “Mudança Global e o Sistema Terra”, no encontro internacional “Desafios de uma Terra em Mudança”, realizado em Amsterdã, em julho de 2001.

A publicação apresentava 24 gráficos: doze mostrando tendências históricas da atividade humana (crescimento do PIB, população, consumo de energia, uso de água, etc.) e doze abrangendo aspectos físicos como dióxido de carbono, redução da camada de ozônio, extinção de espécies, perda de florestas, etc.

Os gráficos mostraram um crescimento constante dos 24 índices, a partir do ano de 1750. Mas acusaram uma drástica elevação dos números de 1950 em diante. Ou seja, no momento em que se generalizava a utilização dos combustíveis fósseis pelo planeta.

As informações acima são do livro “Enfrentando o Antropoceno”, de Ian Angus. Não à toa, o autor chama a atual fase produtiva em que vivemos de capitalismo fóssil. Nele, as imundas máquinas a carvão da industrialização surgida na Inglaterra foram substituídas por motores ainda mais sujos, movidos pelo petróleo do capitalismo sob o domínio estadunidense.

Leia também: Enfrentando o Antropoceno com o ecossocialismo

6 de setembro de 2024

A “museificação capitalista” da experiência turística

O turismo organiza-se cada vez mais como uma indústria que produz sensações em série. Como aquelas turmas de viajantes que seguem em ritmo acelerado pelos locais mais atraentes do destino turístico da moda. Correm de uma atração à outra, em uma velocidade que vem aumentando muito nos últimos anos, já que agora nem se trata mais de observar, mas de registrar imagens a serem rapidamente despachadas pelas redes virtuais.

Há muito tempo, turismo deixou de ser sinônimo de viagem, no sentido de conhecer os lugares, seus habitantes, costumes, cultura, características locais, e, principalmente, mazelas e contradições. É mais um ramo econômico do qual participamos. Até pouco tempo, nossa função era a de consumidores. Agora, também participamos como produtores, uma vez que costumamos compartilhar nossa experiência por meio de imagens postadas nas redes virtuais, ajudando a manter aquecidas as demandas da indústria do turismo. Por outro lado, quando mostramos as fotos e vídeos a amigos e parentes, temos a sensação de as vermos com o mesmo estranhamento de quem não nos acompanhou na viagem. A experiência parece ter permanecido na dimensão bidimensional das imagens processadas em nossos celulares.

Os fenômenos acima são parte dos que alguns teóricos chamam de “museificação capitalista” da experiência turística. São mais visíveis para quem viaja pela Europa, mas claro que também acontecem em vários outros destinos turísticos, incluindo vários países periféricos. Museus não cumprem sempre e necessariamente essa função alienadora. Mas tal como outras instituições, são capturados pelo fetichismo da mercadoria e carregam pesada herança colonial.

Lei mais sobre esta questão em: A Europa museificada e o turismo instagramatizado.

5 de setembro de 2024

O PIB e a ditadura do Banco Central

O PIB brasileiro cresceu acima do esperado, “superando as expectativas do mercado”. Esta notícia mereceu grande destaque nos jornais, recentemente.

Mas, talvez, superação de “expectativas do mercado” possa ser traduzida por frustração de seus desejos. Não é que o “mercado” torça contra o governo Lula. A torcida é contra qualquer número que envolva crescimento econômico e, principalmente, diminuição do desemprego. Fatores que fortalecem os trabalhadores nas negociações salariais.

O pretexto é o combate à inflação. Alegam que economia aquecida estimula o consumo. Como a produção costuma não acompanhar esse aumento, o resultado seria aumento de preços. O jeito, então, seria elevar os juros para encarecer o crédito, provocando queda do consumo, diminuição do emprego e da massa salarial.

Tudo isso é um claro exemplo das inversões típicas da economia política do grande capital. São exatamente os juros altos que ajudam a impedir a produção de acompanhar o aumento da demanda.

Mas não há nada de novo nisso tudo. Quem determina a taxa de juros é o Comitê de Política Monetária, do Banco Central. E quem faz parte desse comitê? Meia dúzia de pessoas cujos nomes não são revelados, mas, certamente, são gente de confiança do capital financeiro.
 
Além disso, a principal fonte de informação utilizada pelo Banco Central é o relatório Focus. Este documento também é elaborado por instituições do setor privado que ninguém sabe quais são. Mas, provavelmente, são as mesmas a quem interessa manter um dos juros mais altos do planeta.

Enquanto isso, a cada quatro anos, elegemos o governo que vai se dobrar com menos ou mais docilidade à ditadura financista do BC.

Leia também: O comitê secreto que manda no País

4 de setembro de 2024

Enfrentando o Antropoceno com o ecossocialismo

“Enfrentando o Antropoceno” é o título de um recente livro de Ian Angus, militante ecossocialista canadense. Segundo ele:

É um desafio para todos que se importam com o futuro da humanidade encarar o fato de que a sobrevivência no Antropoceno requer uma mudança social radical, substituindo o capitalismo fóssil por uma civilização ecológica. Ou melhor, ecossocialista. Construir o socialismo nas condições do Antropoceno, por sua vez, envolverá desafios que nenhum socialista do século 20 jamais imaginou. Entender e se preparar para esses desafios deve estar agora no topo do programa socialista.

Mas apesar de Angus avaliar que os desafios são inéditos, ele resgata elementos das obras de Marx e Engels que já no século 19 começavam a mostrar o tamanho da encrenca. Em abril de 1856, em uma reunião de trabalhadores em Londres, Marx descreveu uma profunda contradição no desenvolvimento capitalista:

Por um lado, começaram a surgir forças industriais e científicas, das quais nenhuma época da história humana anterior jamais suspeitou. Por outro lado, existem sintomas de decadência, superando em muito os horrores registrados nos últimos tempos do Império Romano. Este antagonismo entre a indústria moderna e a ciência, por um lado, a miséria e a dissolução modernas, por outro. Este antagonismo entre os poderes produtivos e as relações sociais de nossa época é um fato, palpável, avassalador e incontestável.

Assim, para o autor, os socialistas precisam abordar o Antropoceno como uma oportunidade de unir a análise marxista ecológica com as últimas pesquisas científicas em uma nova síntese: “Um relato socioecológico das origens, natureza e direção da crise atual”.

Voltaremos a comentar a obra.

Leia também: A humanidade chegando ao limite

3 de setembro de 2024

Quantidade ou qualidade: barbárie ou socialismo

Segundo Marx e Engels, a transformação da quantidade em qualidade é uma lei do funcionamento dialético da realidade. Por exemplo, a água permanece líquida até que atinja 100°C, quando se torna gasosa. Ou seja, pequenas mudanças se acumulam, criando uma complexidade cada vez maior, até que um estado mude repentinamente para outro, radicalmente diferente.

Na história das sociedades, tensões sociais e econômicas podem se acumular gradualmente até que uma onda revolucionária imponha uma nova ordem social, qualitativamente diferente da antiga.

Em seu artigo “A tara secreta dos capitalistas digitais”, publicado recentemente, Douglas Rushkoff afirma que, tal como “os primeiros cientistas empíricos negaram qualquer aspecto da natureza que não pudesse ser quantificado, os atuais reducionistas digitais tentam negar qualquer aspecto da experiência humana que não possa ser quantificado como código”.

Mas esse fenômeno, diz ele, já podia ser identificado com o surgimento da especulação financeira. Ainda segundo Rushkoff, o verdadeiro salto ocorreu quando os operadores financeiros foram substituídos por algoritmos capazes de executar negociações em uma taxa e volume além da capacidade cognitiva humana. “Esses mercados de derivativos tornaram-se tão dominantes que a Bolsa de Valores de Nova Iorque foi comprada por sua própria bolsa de derivativos em 2013”, afirma.

O fato é que a essência do capitalismo é a ditadura do valor de troca sobre o valor de uso. Desse modo, suas mudanças quantitativas jamais dão origem a um estado qualitativamente diferente. Suas contradições e mazelas acumulam-se indefinidamente e vêm arrastando a humanidade para o colapso social, ambiental, econômico, cultural e sanitário.

Apenas duas transformações qualitativas se apresentam como possibilidades: a revolução socialista ou a barbárie.

Leia também: Reestruturação produtiva, algoritmos e cibernética

2 de setembro de 2024

Malcolm e Martin calados por balas

Em 28 de agosto completaram-se os 50 anos da morte de Martin Luther King, atingido por um tiro, em Memphis. Três anos antes, Malcolm X também morrera alvejado por 21 balas, em Nova Iorque.


Essas duas figuras gigantes das luta antirracista tinham várias diferenças entre si. A começar pelos lugares onde surgiram e pelas formas de resistência que adotaram. 

King lutava pela integração dos negros à cidadania no sul dos Estados Unidos, onde o racismo era legalizado. Malcolm queria deixar evidentes as diferenças com que era tratada a população negra no leste do país, onde o racismo não era previsto em leis, mas exercido sem constrangimentos. Em especial, através da violência policial, utilizada com total cumplicidade e apoio das elites brancas.

Contra o racismo escancarado, King defendia o diálogo e a resistência pacífica, buscando nada mais do que a ampliação dos direitos dos brancos para os negros. Onde o racismo tentava camuflar sua crueldade, Malcolm queria escancará-la. Responder à violência racista do Estado com o uso do legítimo direito de defesa da população negra.

Um enfatizava o diálogo e a ação pacífica. O outro, a ação direta e a resistência “por todos os meios”. Mas ambos foram eliminados no momento em que começavam a desafiar as próprias raízes da desigualdade econômica e racial da sociedade em que viviam.

A morte deles foi uma grande vitória do aparato de dominação estadunidense. Um sistema que só permite a alguns não brancos ascenderem a posições de poder, desde que se calem sobre o racismo que o estrutura.

Leia também: O movimento negro na resistência à automação produtiva