Doses maiores

10 de dezembro de 2012

Biscoito fino e pão com mortadela

Na foto, a respeitada atriz sentada numa bela cadeira. Ao fundo, um conjunto habitacional. O título: “Madureira Gostou”. Embaixo, o texto explica: “Com leitura de Fernanda Montenegro e samba, bairro ganha amanhã nova arena, num projeto de estímulo às artes para além de Centro e Zona Sul”.

É a capa do caderno “Rio Show” do Globo, publicado em 07/12. A matéria refere-se à inauguração da Arena Fernando Torres, no Parque Madureira. O novo espaço receberá eventos culturais que vão das velhas guardas do samba, coletivos de funk e hip-hop até orquestras sinfônicas e peças teatrais.

“É a democratização da cultura”, dizem governos e grande mídia. Por isso mesmo, convém desconfiar. Iniciativas como estas poderiam ser uma forma de dizer aos moradores do subúrbio: “Fiquem por aí. Não venham estragar os espaços bonitos e charmosos da Zona Sul”. Mas, talvez, seja pior que isso.

Oswald de Andrade escreveu: "A massa ainda comerá do biscoito fino que eu fabrico". O poeta e escritor quis dizer que o povo também sabe apreciar obras de arte. Mas a frase também pode ser lida de forma elitista. É preciso levar biscoitos finos à “massa” ou continuará consumindo o pão com mortadela que ela mesma faz.

Ora, O Globo, Eduardo Paes e Sérgio Cabral não são Oswald de Andrade. Além disso, quem faz seu próprio pão desenvolve perigosos laços solidários. Então, são enormes as chances de que políticas culturais desse tipo queiram dizer o seguinte: “Eventos culturais, só com nosso selo de qualidade e na hora e lugar que escolhermos”.

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