Doses maiores

11 de abril de 2018

Machado de Assis e o escravocrata abolicionista

No livro “Machado: Romance”, Silviano Santiago narra os últimos anos da vida de Machado de Assis no início do século 20, ainda muito marcado pela recém-abolida escravidão. Abaixo, um episódio revelador.

Em agosto de 1889, D. Pedro II concedeu o título de barão de São Clemente ao fazendeiro Antônio Clemente Pinto. Honraria concedida por ter sido o primeiro plantador de café no estado fluminense a liberar seus escravos antes da Abolição.

Mas há boatos maliciosos sobre a generosa atitude. Clemente Pinto é próxima da família real. Nessa condição, teria sabido, em primeira mão, que a escravidão negra já tinha os dias contados, logo no início de 1888.

Em seu romance “Memorial de Aires”, Machado teria criado o personagem barão de Santa-Pia inspirado em Clemente Pinto. Tal como este, ele também liberta seus escravos, mas explica seu ato muito claramente. Referindo-se à abolição, afirma:

Quero deixar provado que julgo o ato do governo uma espoliação, por intervir no exercício de um direito que só pertence ao proprietário, e do qual uso com perda minha, porque assim o quero e posso.

E o barão de Santa-Pia complementa:

Estou certo que poucos deles deixarão a fazenda; a maior parte dos homens livres ficará comigo, ganhando o salário que lhes vou marcar, e alguns até sem nada —, pelo gosto de morrer onde nasceram.

De fato, o narrador conta que os ex-escravos de Clemente Pinto ficaram tão agradecidos com o “gesto misericordioso” do fazendeiro que se recusaram a receber os salários da colheita seguinte de café.

Desde então, mudou pouco a forma como funciona a dominação de classe entre nós.

Nenhum comentário:

Postar um comentário