Doses maiores

31 de agosto de 2022

Por uma ecologia da organização política

Rodrigo Nunes encerra seu livro “Do transe à vertigem” preocupado com a questão ecológica. Segundo ele, daqui para frente:

...só pode haver combate à pobreza que seja também parte da construção de outro sistema global, só pode haver luta contra a fome que dê passos na transição para outro regime energético, econômico e social.

Mas a ecologia também serve como metáfora para outra grande preocupação do autor. São as questões organizativas da esquerda. Mais especificamente, aquele que ele considera ser “um trauma que atravessa a história da esquerda desde o século 20”. Qual seja, “o medo de que a organização de que se necessita para mudar o mundo seja também aquilo que pode nos impedir de fazê-lo”.

Obviamente, ele está se referindo às contradições causadas pelo modelo de partido rígido e hierarquizado adotado por grande parte do movimento socialista no último século e meio. Contradições que se tornaram mais agudas onde a esquerda tornou-se governo.

Mas, para Nunes, é possível explorar essas contradições de modo que a esquerda deixe de “conceber sua unidade em termos de homogeneidade e centralização de comando” e passe a compreendê-la “em termos ecológicos, como uma forma de cooperação que não exclui a diferença, o dissenso e a competição”.

Nas preocupações acima, o autor antecipa brevemente a proposta principal de seu livro seguinte. Uma teoria ecológica da organização política dos de baixo como resposta à ameaça de um apocalipse ambiental provocado pelo capitalismo. Estes são os temas centrais de "Nem vertical nem horizontal", obra mais recente de Nunes, que, em breve, também comentaremos aqui.

Leia também: Respostas moderadas para tempos extremados

2 comentários:

  1. Ia escrever o comentário ontem quando li, mas achei melhor pensar um pouco. Nós da esquerda nunca gostamos dessa ideia de partido centralizado e hierarquizado, diferente de tudo que gostamos da revolução e de um novo sistema. É a contragosto que entendíamos a necessidade de um partido daquele tipo para chegar a esse objetivo. Aí o que não falta são críticas conciliadoras e derrotistas, assim como afirmações autoritárias e continuistas ao longo da história. Existe um consenso maior hoje na esquerda (será?) de que o partido marxista-leninista foi um instrumento de um determinado momento histórico, Pena o Lenin não estar vivo para dizer qual seria esse modelo hoje. Necessário dizer que é uma brincadeirinha, sabemos que existe muita gente na esquerda que só vai se demover desse modelo se o próprio Lenin viesse a dizer qual seria hoje esse instrumento para revolução. Eu acredito em uma frente de esquerda, mas uma que lute de fato pela revolução. Como e com quais princípios, aí é que são elas. Para não fugir à discussão da proposta estimulada na Pílula que seria "em termos ecológicos, como uma forma de cooperação que não exclui a diferença, o dissenso e a competição”, eu acho ótimo, mas já começo a achar muito vago esses "termos ecológicos". Enfim, acho que valeu muito essa Pílula como provocação.

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    1. Olha, tem uma pílula ou duas em que falo sobre um texto em que Lênin afirma que o partido que ele defende em “O Que Fazer” não deveria ser considerado uma receita a ser generalizada para todas as situações, lugares etc. Na verdade, acho que a essência do leninismo deveria ser uma concepção que evita cristalizar formas e táticas para alcançar os objetivos da revolução. Quanto ao que seria a tal “organização ecológica”, quando chegar a hora espero conseguir explicar, mais ou menos, a proposta que o Rodrigo faz no novo livro, porque é uma elaboração complexa. De resto, é ótimo quando as pílulas conseguem provocar porque a ideia sempre foi esta mesmo. Valeu!

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