Doses maiores

31 de outubro de 2011

Até Machado achava escola um saco

Para cúmulo do desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do Morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que boiava no ar, uma coisa soberba. E eu na escola, sentado, com o livro de leitura e o livro de gramática nos joelhos.

O trecho acima pertence ao “Conto de escola”, de Machado de Assis. Logo ele, cuja leitura obrigatória torna as aulas ainda menos atraentes para crianças e adolescentes.

O conto representaria o que realmente pensava o grande escritor sobre a vida escolar. Pelo menos é o que diz Arnaldo Niskier, em reportagem de Sérgio Pugliese na coluna “A pelada como ela é”, publicada em 29/10 no “O Globo”.

E olha que na época de Machado não havia TV, rádio, internete, mp3, shopping, videogame, etc. Mesmo sem todas essas tentações, a escola já conseguia ser chata.

Segundo Michel Foucault, a escola é produto da mesma lógica que criou prisões, hospitais, manicômios e fábricas. Instituições pertencentes ao que o filósofo francês chamou de “sociedade disciplinar”, a partir do século 18.

Para Foucault, esse poder disciplinar nasceu da transferência do poder dos monarcas para burocratas que se espalham pelas várias instituições sociais. Desse modo, o poder teria se transformado em micropoderes. O perigo dessa visão é perder de vista estruturas que não têm nada de micros, como as pertencentes ao Estado. Mas tanto Foucault, como Machado valem várias leituras.

Para ler o conto de Machado de Assis, clique aqui.

Leia também: Queremos a preguiça de Deus

3 comentários:

  1. Caro Sérgio,

    Não simplifique demasiadamente o assunto, você toca temas controversos muito rapidamente. Levanta polêmicas e não da consequência a elas, mesmo para uma matéria jornalística.
    Foucault tem razão em sua crítica as instituições iluministas, como a escola. Porém, ele mesmo confessa que o disciplina é ambígua, pois é ao mesmo tempo positiva, libertadora, e negativa, aprisionadora. Isso significa que a escola, apesar de sua tarefa de aprisionar os indivíduos pela disciplina, acaba por os conceder liberdade.
    Outra coisa, apesar de não ser nenhum advogado de Foucault, sei bem que o autor não nega, em absoluto, a existência de estruturas ou da grandeza do poder. Pelo contrário, sua análise vem a acrescentar uma nova abordagem de que o poder é macro, mas também é micro, esta nas duas esferas, esta nos hábitos cotidianos. Isso ninguém pode negar...
    A escola, em geral, é uma instituição reprodutora, assim como coloca Bourdieu: pretende fazer com que os indivíduos reproduzam os valores dominantes. O que vale perfeitamente para Europa, onde a escolarização foi a método de disciplinamento dos indivíduos e de transmissão dos valores burgueses. Basta ver que Napoleão foi um dos grandes promotores da educação pública na França através dos Liceus.
    No Brasil a coisa muda. Penso ser complicado sua analogia para a realidade nacional. Defender algumas instituições e valores iluministas representa uma liberdade frente a nosso brutal sistema de dominação. Não houve uma revolução burguesa em que a escola passou a ser uma instituição disciplinadora. A elite brasileira, bem pouco iluminista e esclarecida, sempre desejou a população ignorante, prescindindo a instrução. Basta ver que o Brasil foi o ultimo país da América Latina a possuir uma universidade, que só passou a existir por conta da vinda da família real. Como dizem, aqui "o buraco é mais embaixo". Instrução para nós significa liberdade. Não é atoa que toda a luta pela escola pública é tomada pelas forças mais progressistas da sociedade.
    Concordo que a escola como instituição de confinamento, de fato, é pouco atrativa. Podemos e devemos mudar isso.
    Me perdoe, gosto muito de seus blogs e sua opinião, mas "Até Machado achava escola um saco", com esse texto, é uma matéria digna do O Globo...
    Abraços,
    Douglas

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  2. Menos, Douglas. Realmente, meus textos são muito rápidos para se aprofundarem. Mas não disse que Foucault perde de vista o macro. Disse que há um perigo na visão dele, tal como há risco nas visões marxistas que ignoram o micro. E recomendei a leitura de Foucault. E dizer que o texto é (in)digno de um Globo também é um exagero.
    De qualquer maneira, é isso que espero do blog. Debate.
    Valeu. Abraço!

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  3. Sérgio,

    Havia me esquecido de parabeniza-lo por sua iniciativa e, agora com a resposta, por sua postura perante o blog. Me parece um grande esforço o volume de texto que produz, a variedade de temas que aborda, etc. Eu mesmo possuo um blog e não consigo alimentá-lo como você. Parabéns mesmo! Minha crítica ao seu texto foi construtiva, apesar de ter antipatizado muito com seu título...
    Abraços,
    Douglas

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