Para cúmulo do desespero, vi através das vidraças da escola, no claro azul do céu, por cima do Morro do Livramento, um papagaio de papel, alto e largo, preso de uma corda imensa, que boiava no ar, uma coisa soberba. E eu na escola, sentado, com o livro de leitura e o livro de gramática nos joelhos.
O trecho acima pertence ao “Conto de escola”, de Machado de Assis. Logo ele, cuja leitura obrigatória torna as aulas ainda menos atraentes para crianças e adolescentes.
O conto representaria o que realmente pensava o grande escritor sobre a vida escolar. Pelo menos é o que diz Arnaldo Niskier, em reportagem de Sérgio Pugliese na coluna “A pelada como ela é”, publicada em 29/10 no “O Globo”.
E olha que na época de Machado não havia TV, rádio, internete, mp3, shopping, videogame, etc. Mesmo sem todas essas tentações, a escola já conseguia ser chata.
Segundo Michel Foucault, a escola é produto da mesma lógica que criou prisões, hospitais, manicômios e fábricas. Instituições pertencentes ao que o filósofo francês chamou de “sociedade disciplinar”, a partir do século 18.
Para Foucault, esse poder disciplinar nasceu da transferência do poder dos monarcas para burocratas que se espalham pelas várias instituições sociais. Desse modo, o poder teria se transformado em micropoderes. O perigo dessa visão é perder de vista estruturas que não têm nada de micros, como as pertencentes ao Estado. Mas tanto Foucault, como Machado valem várias leituras.
Para ler o conto de Machado de Assis, clique aqui.
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Caro Sérgio,
ResponderExcluirNão simplifique demasiadamente o assunto, você toca temas controversos muito rapidamente. Levanta polêmicas e não da consequência a elas, mesmo para uma matéria jornalística.
Foucault tem razão em sua crítica as instituições iluministas, como a escola. Porém, ele mesmo confessa que o disciplina é ambígua, pois é ao mesmo tempo positiva, libertadora, e negativa, aprisionadora. Isso significa que a escola, apesar de sua tarefa de aprisionar os indivíduos pela disciplina, acaba por os conceder liberdade.
Outra coisa, apesar de não ser nenhum advogado de Foucault, sei bem que o autor não nega, em absoluto, a existência de estruturas ou da grandeza do poder. Pelo contrário, sua análise vem a acrescentar uma nova abordagem de que o poder é macro, mas também é micro, esta nas duas esferas, esta nos hábitos cotidianos. Isso ninguém pode negar...
A escola, em geral, é uma instituição reprodutora, assim como coloca Bourdieu: pretende fazer com que os indivíduos reproduzam os valores dominantes. O que vale perfeitamente para Europa, onde a escolarização foi a método de disciplinamento dos indivíduos e de transmissão dos valores burgueses. Basta ver que Napoleão foi um dos grandes promotores da educação pública na França através dos Liceus.
No Brasil a coisa muda. Penso ser complicado sua analogia para a realidade nacional. Defender algumas instituições e valores iluministas representa uma liberdade frente a nosso brutal sistema de dominação. Não houve uma revolução burguesa em que a escola passou a ser uma instituição disciplinadora. A elite brasileira, bem pouco iluminista e esclarecida, sempre desejou a população ignorante, prescindindo a instrução. Basta ver que o Brasil foi o ultimo país da América Latina a possuir uma universidade, que só passou a existir por conta da vinda da família real. Como dizem, aqui "o buraco é mais embaixo". Instrução para nós significa liberdade. Não é atoa que toda a luta pela escola pública é tomada pelas forças mais progressistas da sociedade.
Concordo que a escola como instituição de confinamento, de fato, é pouco atrativa. Podemos e devemos mudar isso.
Me perdoe, gosto muito de seus blogs e sua opinião, mas "Até Machado achava escola um saco", com esse texto, é uma matéria digna do O Globo...
Abraços,
Douglas
Menos, Douglas. Realmente, meus textos são muito rápidos para se aprofundarem. Mas não disse que Foucault perde de vista o macro. Disse que há um perigo na visão dele, tal como há risco nas visões marxistas que ignoram o micro. E recomendei a leitura de Foucault. E dizer que o texto é (in)digno de um Globo também é um exagero.
ResponderExcluirDe qualquer maneira, é isso que espero do blog. Debate.
Valeu. Abraço!
Sérgio,
ResponderExcluirHavia me esquecido de parabeniza-lo por sua iniciativa e, agora com a resposta, por sua postura perante o blog. Me parece um grande esforço o volume de texto que produz, a variedade de temas que aborda, etc. Eu mesmo possuo um blog e não consigo alimentá-lo como você. Parabéns mesmo! Minha crítica ao seu texto foi construtiva, apesar de ter antipatizado muito com seu título...
Abraços,
Douglas