“O Capital”, talvez,
seja a primeira obra teórica a utilizar notas de rodapé exaustivamente. Imaginando
que seu estudo seria recebido com grande hostilidade e ceticismo, Marx apoiou suas
muitas afirmações polêmicas em inúmeras fontes bibliográficas, factuais e
estatísticas.
Apesar de tornarem a
leitura ainda mais difícil, algumas delas servem como pausas divertidas em
meio às acrobacias dialéticas do autor. É o caso de uma nota do capítulo III.
A nota refere-se a um
trecho que ironiza a crença burguesa de que o valor das mercadorias é definido
pelas etiquetas de preço que seus vendedores colam nelas. Cita o relato de um
tal Capitão Parry sobre os estranhos hábitos comerciais de nativos da costa
ocidental da baía de Baffin:
“Nesse
caso”, (ao intercambiar produtos) “(...) eles o lambiam” (o que lhes foi
oferecido) “duas vezes com a língua, com o que pareciam considerar o negócio
concluído satisfatoriamente”. Se a língua no norte, portanto, serve de órgão de
apropriação, não é de admirar que no sul a barriga funcione como órgão de
propriedade acumulada e que o cafre calcule a riqueza de um homem segundo a sua
pança. Os cafres são tipos muito espertos, pois enquanto o relatório oficial
inglês sobre a saúde, de 1864, deplora a falta de substâncias formadoras de
gorduras em grande parte da classe trabalhadora, um certo dr. Harvey (...) no
mesmo ano fez a sua fortuna por meio de receitas que prometiam livrar a
burguesia e a aristocracia de seu excesso de gordura (1).
(1) Marx, Karl. “O
Capital” (1867), “Capítulo III - O Dinheiro ou a Circulação das Mercadorias”.
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